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Conhecimento prévio e compreensão da leitura

De acordo com a literatura, o conhecimento prévio desempenha um papel crítico na compreensão da leitura. Este conhecimento influencia, significativamente, o processamento da informação de um texto, predizendo, segundo diversos estudos, 30% a 60% do desempenho dos alunos na compreensão da leitura.

Apesar de a literatura ser consensual sobre a importância do conhecimento prévio na compreensão da leitura, é pouco clara sobre os aspectos deste conhecimento que são, efectivamente, importantes para a compreensão. O rótulo «unidimensional», de que o conhecimento prévio é geralmente alvo, obscurece as complexidades específicas deste conhecimento e, em particular, de que forma o conhecimento de um leitor influencia a forma como um texto é lido, compreendido e recordado. Além disso, as discordâncias e incompatibilidades na definição e operacionalização do conhecimento prévio em estudos sobre a compreensão da leitura tornam difícil, senão impossível, fazer previsões precisas sobre a forma como este conhecimento influencia o processamento de texto.

Para uma compreensão mais profunda e matizada sobre a relação entre o conhecimento prévio e a compreensão da leitura, McCarthy e McNamara (2021) desenvolveram o denominado «Modelo do Conhecimento Multidimensional na Compreensão de Texto» (do inglês, Framework Multidimensional Knowledge in Text Comprehension). Neste modelo, o conhecimento prévio é definido como um conjunto de informações armazenadas na memória do leitor, tais como factos, procedimentos, habilidades, crenças, atitudes e experiências pessoais. Além disso, o modelo foca-se num tipo específico de conhecimento prévio — o conhecimento prévio de conteúdo —, devido, em parte, à sua proeminência nas teorias cognitivas sobre a compreensão da leitura.

 

Modelo do Conhecimento Multidimensional na Compreensão de Texto

De acordo com o Modelo do Conhecimento Multidimensional na Compreensão de Texto, o conhecimento prévio de conteúdo é constituído por quatro dimensões (Figura 1):

  1. Quantidade: A quantidade diz respeito ao número de conceitos e conteúdos que o leitor domina e que são relevantes para a compreensão de texto. Segundo a literatura, esta dimensão pode influenciar a compreensão de diversas formas, a saber: a) quantos mais conceitos e conteúdos o leitor domina, mais facilidade tem em fazer inferências, isto é, em estabelecer relações entre as ideias do texto; b) quanto mais conhecimento prévio o leitor tem, mais fácil lhe é aceder e activar informações relevantes do texto, bem como ignorar informações menos relevantes; e c) quanto mais conhecimento prévio, mais o leitor tem capacidade para usar estratégias de compreensão eficazes. Existe, portanto, um ciclo de aprendizagem em que o conhecimento prévio permite ao leitor obter uma compreensão mais efectiva do texto;
  2. Precisão: A precisão (ou exactidão) diz respeito à medida em que o conhecimento do leitor está correcto ou incorrecto. O modelo mental do leitor pode conter relações imprecisas entre as informações e/ou incluir ligações incorrectas entre as mesmas, comprometendo, significativamente, a compreensão de texto e a aquisição de conhecimento. Além disso, um conhecimento impreciso pode afectar a metacompreensão, uma vez que concepções inexactas sobre a própria compreensão podem impedir a aprendizagem;
  3. Especificidade: A especificidade refere-se ao grau em que o conhecimento prévio do leitor se relaciona com as informações do texto. De acordo com a literatura, a relação entre o conhecimento prévio e a informação presente num texto, pode variar de «muito ampla» a «específica». Na forma mais ampla, o conhecimento prévio consiste, muito simplesmente, no conhecimento geral do leitor acerca de um assunto. Por sua vez, na forma mais específica, o conhecimento prévio refere-se ao conhecimento do leitor acerca de um assunto ou área em particular. Por exemplo, numa área como a matemática, os alunos aprendem uma série de subáreas, como a geometria, o cálculo e a trigonometria. Nessas subáreas, os alunos aprendem conceitos específicos, como «área», «circunferência», «ângulo raso» e «quilograma»;
  4. Coerência: A coerência refere-se à qualidade do conhecimento em termos de interconexão. Esta dimensão baseia-se, especificamente, na estrutura e profundidade do conhecimento prévio do leitor. De acordo com McCarthy e McNamara (2021), quando um leitor tem conhecimento de uma área específica, isso geralmente significa que tem um conhecimento muito específico em termos de quantidade e especificidade. O grau em que esse conhecimento está conectado entre si não é, no entanto, geralmente considerado. As autoras adoptaram esta dimensão, precisamente para enfatizar a interconexão dos conhecimentos prévios dos leitores e reflectir o papel fundamental que a coerência desempenha no desenvolvimento de um modelo mental especializado. Este modelo é definido não só pela quantidade de conhecimento, mas também pelo grau ou medida em que o conhecimento está conectado entre si.
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Figura 1. - Modelo do Conhecimento Multidimensional na Compreensão de Texto (McCarthy & McNamara, 2021)

O conhecimento prévio deve ser descrito como um constructo constituído por múltiplas dimensões, intimamente relacionadas entre si. Suponhamos que dois alunos tiveram 20% num teste de avaliação sobre o corpo humano. O aluno A tem pouco conhecimento sobre o tronco em particular, mas um conhecimento relativamente abrangente sobre os membros inferiores e superiores. Por outro lado, o aluno B tem pouco conhecimento sobre o corpo humano em geral. Apesar de terem um desempenho semelhante, é provável que o aluno A aprenda mais com o texto, uma vez que pode basear-se no conhecimento sobre os membros inferiores e superiores. Embora este exemplo não abranja, tal como McCarthy e McNamara (2021) referem, todas as combinações possíveis entre as diferentes dimensões do conhecimento prévio, permite destacar a necessidade de descrever a qualidade do conhecimento, bem como descrever de que forma os diferentes aspectos do conhecimento prévio podem apoiar (ou impedir) o desenvolvimento de um modelo mental especializado para a compreensão de texto.

 

Principais implicações e conclusões

McCarthy e McNamara (2021) desenvolveram o Modelo do Conhecimento Multidimensional na Compreensão de Texto com o objectivo de obter uma compreensão mais profunda e matizada sobre a relação entre o conhecimento prévio e a compreensão da leitura. Segundo este modelo, o conhecimento prévio é constituído por quatro dimensões, intimamente relacionadas entre si: i) quantidade; ii) precisão; iii) especificidade; e iv) coerência. O modelo permite caracterizar a natureza do conhecimento prévio e as respectivas dimensões que desempenham um papel crítico na compreensão de texto. McCarthy e McNamara (2021) esperam que este modelo permita melhorar a prática dos professores, apoiando-os no ensino da compreensão da leitura.

Bibliografia

McCarthy, K. S., & McNamara, D. S. (2021). The multidimensional knowledge in text comprehension framework. Educational Psychologist, 1-19. https://doi.org/10.1080/00461520.2021.1872379

AUTORES

João Lopes

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João Arménio Lamego Lopes dirige o projeto AaZ – Ler Melhor, Saber Mais. Licenciado em Psicologia pela Universidade do Porto (1981), Mestre em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento (Universidade do Porto, 1991) e doutorado em Psicologia da Educação pela Universidade do Minho (1996). Professor da Escola de Psicologia da Universidade do Minho desde 1995.

Professor Associado com Agregação, da mesma Universidade (2004). Director do Departamento de Psicologia Aplicada (2015-2019) e do Mestrado em Temas de Psicologia da Educação da UM. Director do Programa de Doutoramento em Psicologia Aplicada para os países da CPLP. Presidente do Conselho Cientifico-Pedagógico da Formação Contínua de professores (2014-2018), representante de Portugal no CERI-OCDE (2015-2017) e membro do Conselho Geral do IAVE (2013-2018).

Soraia Araújo

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Soraia Araújo é doutoranda em Psicologia Aplicada, na Escola de Psicologia da Universidade do Minho. Licenciou-se em Psicologia, em 2018, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e concluiu o Mestrado em Psicologia Aplicada, em 2020, na Universidade do Minho.

Integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho, desde 2019, aquando da realização da sua dissertação de mestrado, intitulada “Formação Contínua de Professores: Necessidades, Participação e Barreiras”. No mesmo grupo de investigação, encontra-se a desenvolver a sua tese de doutoramento sobre as dificuldades de aprendizagem inicial da leitura. Integra, ainda, o Programa AaZ – Ler Melhor, Saber Mais, onde colabora, essencialmente, na escrita de textos de apoio sobre o ensino da leitura, dirigidos a professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico.

Os seus interesses de investigação centram-se na área da Psicologia e da Educação. Especificamente, ensino da leitura e escrita, dificuldades de aprendizagem, perturbações do neurodesenvolvimento, métodos de ensino e formação de professores.

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