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Introdução

A dislexia é um problema de aprendizagem que afecta a fluência da leitura, a descodificação de palavras e a ortografia. Embora as competências de descodificação e compreensão geralmente estejam associadas, uma percentagem significativa de pessoas com dislexia alcança uma compreensão leitora acima do que se poderia prever. Isto é reconhecido na literatura científica como resiliência na compreensão da leitura (Jackson & Doellinger, 2002)., i. e., a capacidade de compreender bem um texto mesmo com dificuldades na leitura em voz alta ou na leitura rápida.

Estudos anteriores sugerem que esta resiliência pode dever-se a boas capacidades linguísticas orais, especialmente no que diz respeito à semântica (e. g. vocabulário e compreensão auditiva) (Welcome et al., 2009). A investigação mostra ainda que o nível socioeconómico influencia significativamente o desenvolvimento da linguagem. As crianças de famílias com nível socioeconómico elevado tendem a ser mais expostas a uma linguagem rica e variada, o que favorece o desenvolvimento da compreensão oral e do vocabulário. Por outro lado, crianças de meios desfavorecidos têm maior risco de dificuldades linguísticas e de leitura. Essas disparidades no ambiente linguístico ajudam a explicar a associação entre baixo nível socioeconómico e capacidades verbais reduzidas. Assim, o nível socioeconómico surge como um factor preditor precoce das competências verbais, como o vocabulário e a compreensão auditiva (e. g. Carlie et al., 2024; Fernald et al., 2013).

Quando se juntam as dificuldades de processamento fonológico, na dislexia às desvantagens linguísticas associadas ao baixo nível socioeconómico, aumenta-se o risco de dificuldades graves na leitura (Catts & Petscher, 2022).

Estudo de Lefèvre e colaboradores (2025)

O estudo investigou de que forma o vocabulário e a compreensão auditiva ajudam a explicar a resiliência na compreensão da leitura em adolescentes com dislexia, sobretudo quando pertencem a níveis socioeconómicos desfavorecidos.

Participantes: dois grupos de adolescentes franceses, do 9.º ao 11.º ano.

  1. Grupo com dislexia: n = 56 (31 do sexo feminino e 25 do sexo masculino);
  2. Leitores típicos: n= 39 (30 do sexo feminino e 9 do sexo masculino).

Para o grupo com dislexia, exigia-se um diagnóstico formal. Nenhum participante tinha histórico de lesão cerebral, défices auditivos ou visuais não corrigidos.

Os grupos foram equiparados quanto à idade cronológica (de 12,7 anos a 18 anos) e ao raciocínio não-verbal.

Nenhum participante obteve resultados abaixo do percentil 5 em testes de vocabulário e compreensão verbal, o que garantiu a exclusão de casos com perturbação do desenvolvimento da linguagem, condição frequentemente comórbida (i. e, que co-ocorre) com a dislexia.

    Tabela 1. Instrumentos

    Principais resultados

    Na comparação entre os grupos, não foram encontradas diferenças significativas na compreensão leitora. Este resultado confirma a resiliência na compreensão leitora em adolescentes com dislexia. Isto é, apesar de dificuldades claras na fluência da leitura e na consciência fonológica, adolescentes com dislexia conseguem ter bons níveis de compreensão leitora, reforçando a ideia de que a dislexia afecta a descodificação das palavras, mas não necessariamente a compreensão.

    Além disso, o vocabulário e a compreensão auditiva estavam preservados nos participantes com dislexia, o que sugere que as dificuldades semânticas não são uma característica central da dislexia, mas sim uma consequência de menor exposição à leitura.

    Os resultados sugerem que a resiliência na leitura decorre do uso estratégico das capacidades semânticas para compensar as dificuldades de leitura (por exemplo, deduzindo o sentido do texto através do conhecimento prévio e do vocabulário, mesmo lendo devagar — semantic bootstrapping). Por outro lado, a ausência daquelas capacidades pode levar a um perfil típico de maus compreendedores — com boa fluência, mas compreensão deficitária.

    O estudo concluiu ainda que o nível socioeconómico influencia indirectamente a compreensão da leitura, através do seu impacto no vocabulário e na compreensão auditiva. Contextos familiares mais ricos em estímulos linguísticos favorecem o desenvolvimento de capacidades semânticas; contextos mais desfavorecidos representam um risco adicional, uma vez que a qualidade e a quantidade das interacções linguísticas precoces afectam o desenvolvimento da linguagem. Neste sentido, crianças de níveis socioeconómicos mais desfavorecidos podem desenvolver perfis semelhantes aos dos maus compreendedores; enquanto crianças de nível socioeconómico elevado, ainda que com dislexia, podem apresentar maior resiliência na compreensão leitora, o que evidencia o papel crítico do ambiente familiar. Intervenções familiares precoces, centradas na interacção pais-filhos, podem impulsionar significativamente o desenvolvimento da linguagem (Leung et al., 2020). Alguns programas escolares também têm sido eficazes em aumentar o vocabulário e o conhecimento semântico.

    Conclusões e Implicações para a prática

    • As capacidades semânticas bem desenvolvidas (vocabulário e compreensão auditiva) ajudam a compensar défices na leitura em adolescentes com dislexia, permitindo uma boa compreensão de textos.
    • O nível socioeconómico influencia o desenvolvimento do vocabulário e da compreensão auditiva, tornando-se um factor de risco ou protecção para a resiliência na compreensão leitora.
    • As estratégias de intervenção devem apostar no desenvolvimento da linguagem oral e no ensino do vocabulário, sobretudo em contextos socioeconómicos desfavorecidos, para apoiar não só os alunos com dislexia, mas todos os alunos em risco de dificuldades na leitura.

    Este texto é um resumo do artigo «Reading comprehension resiliency in adolescents with and without dyslexia relates to vocabulary, listening comprehension and socioeconomic status», disponível aqui

    AUTORES

    Célia Oliveira

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    Célia Oliveira é doutorada em Psicologia Experimental e Ciências Cognitivas pela Universidade do Minho, com uma tese sobre o papel de processos atencionais na capacidade de memória operatória. Pela mesma universidade, licenciou-se em Psicologia com pré-especialização em Psicologia Escolar e da Educação, e completou um mestrado em Psicologia Clínica.

    Atualmente, é docente na Universidade Lusófona do Porto, onde é responsável por unidades curriculares no domínio da Cognição (Psicologia da Memória e Psicologia da Atenção) e da Psicologia da Educação (Psicologia da Educação e Psicologia Escolar). É membro do HEI-Lab - Digital Human-Environment Interaction Lab, da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, e integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho. Os seus interesses e atividade de investigação contemplam os domínios da aprendizagem, atenção e memória humana.

    Detém experiência continuada de prática clínica com crianças e adolescentes, e tem exercido atividades de consultoria científica em projetos de investigação, bem como consultoria técnica em contextos de atuação comunitária.

    Marta Pereira

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    Marta Pereira está a realizar o estágio profissional de acesso à Ordem dos Psicólogos Portugueses.

    É licenciada em Psicologia (2022), pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e mestre em Psicologia da Educação (2024), pela Universidade do Minho.

    Desde 2022, integra o Grupo de Investigação em Problemas de Comportamento e Aprendizagem, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho, onde realizou a sua dissertação de mestrado intitulada «Satisfação Profissional e Atribuições Relativamente à Indisciplina: Um Estudo com Professores do Ensino Básico».

    Além disso, colabora com o programa AaZ – Ler Melhor, Saber Mais, contribuindo na avaliação dos alunos apoiados e na escrita de textos de apoio.

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