Os benefícios económicos da educação, os chamados retornos sociais, vão muito além da soma dos ganhos individuais de quem estuda. Podemos dizer que quem estuda investe no futuro de todos, pois tem repercussão direta, tendencialmente positiva, na vida de todos aqueles que o rodeiam. Mas que dimensão tem esse impacto? Será o retorno social da educação superior ao retorno individual? Uma análise recente lança nova luz sobre este tema.
Sabe-se que os rendimentos futuros das pessoas dependem do investimento na sua educação. Estudos científicos recentes confirmaram a existência de uma relação positiva entre a educação e os rendimentos individuais e apontam para que, em média, num conjunto alargado de países, mais um ano de educação corresponda a um acréscimo de rendimento individual entre 7,5% e 10% por ano. A educação é, pois, determinante no que os economistas designam por «capital humano» e impulsionadora por excelência do desempenho individual.
No entanto, os estudos económicos vão mais longe ao defender que os benefícios da educação na sociedade, os chamados retornos sociais, superam a soma dos retornos individuais: a educação pode acelerar o crescimento económico. De facto, ao comparar países com taxas de crescimento diferentes, saltam à vista as variações nos níveis de educação que acompanham estas diferenças. Alguns modelos que as tentam explicar associam o nível médio de educação à produtividade de cada pessoa, defendendo que a presença de trabalhadores mais qualificados faz aumentar a produtividade de outros trabalhadores. Na terminologia dos economistas, este efeito é uma externalidade, pois as decisões de uma pessoa sobre a sua educação têm impacto direto noutras.
As externalidades da educação não se ficam pelo efeito positivo na produtividade. A educação pode ainda reduzir a probabilidade de realizar atividades que geram externalidades negativas. De facto, e como atestam Lance Lochner e Enrico Moretti, mais educação está associada a menos criminalidade. Está ainda associada a uma participação mais informada e ativa na vida cívica e, por norma, leva a tomar melhores decisões.
A possibilidade de a educação ter um retorno social superior ao individual é de grande importância prática. Na verdade, um dos argumentos para o financiamento da educação pelo Estado parte justamente de se reconhecer que a educação recompensa a pessoa, mas cria também inúmeros benefícios partilhados pela sociedade. Nos últimos anos, surgiu assim um vasto número de artigos científicos que procuram avaliar a magnitude destes retornos sociais, nomeadamente com o objetivo de medir a eficiência do investimento público na educação. As conclusões destes estudos nem sempre concordam na dimensão destes retornos.
A educação como fator de convergência
Numa análise destes estudos feita em 2020, Ying Cui e Pedro S. Martins investigam o que determina os retornos sociais da educação, agregando e sintetizando resultados de um conjunto criteriosamente selecionado de 31 artigos científicos. Estes artigos referem-se a um total de 15 países (África do Sul, Alemanha, China, Dinamarca, Estados Unidos, Hungria, Indonésia, Itália, Holanda, Portugal, Quénia, Reino Unido, Suíça, Rússia e Tunísia) e cobrem cerca de um terço da população mundial.
Uma das conclusões mais interessantes deste estudo é a de que as externalidades da educação são maiores em países menos desenvolvidos, quando comparados com países mais desenvolvidos. Isto confirma que a educação pode ser um importante fator de convergência. De facto, dada a associação positiva entre o nível de educação e o nível de rendimento, são os países de nível de rendimento mais baixo que registam menores níveis de educação. É aqui, na interação entre trabalhadores mais e menos qualificados, que se geram as grandes oportunidades de partilha de conhecimento e competências, o que acaba por se traduzir num retorno social marginal maior.
De acordo com este argumento, a distribuição dispersa dos níveis de educação propicia maiores externalidades. Os autores testaram então esta hipótese, avaliando o impacto do número médio de anos de escolaridade e da proporção de alunos que concluem o ensino superior na dimensão das externalidades. Os resultados revelam que, enquanto o número médio de anos de escolaridade tem impacto negativo nas externalidades, o aumento na proporção de alunos que concluem o ensino superior tem efeito positivo, o que constitui fonte importante das externalidades. Os autores avaliam ainda os efeitos da qualidade da educação, medida com base nos resultados obtidos no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (em inglês, PISA), na dimensão das externalidades, mas não encontram um efeito estatisticamente significativo.
Os desafios na identificação das externalidades
Os artigos científicos que servem de base a este estudo de Ying Cui e Pedro S. Martins dizem respeito a países diferentes, mas também divergem noutros aspetos. Alguns artigos medem as externalidades na empresa, outros na região, o que leva os autores a concluir que as externalidades são maiores na empresa, por ter dimensão mais propícia à transferência de conhecimento. Por outro lado, as externalidades registam valores menores quando se mede a produtividade do que quando se medem os salários, embora, teoricamente, as diferenças de produtividade devam ser acompanhadas de diferenças nos salários. De facto, espera-se que as empresas localizadas em regiões com mais capital humano e maior produtividade enfrentem maiores custos com os fatores produtivos, nomeadamente com o fator trabalho; se assim não for, as empresas em cidades com menos capital humano devem mudar-se para cidades com mais capital humano.
Os artigos que formam a base do estudo de Cui e Martins também diferem nos métodos que usam para fazer estimativas. Avaliar as externalidades da educação é difícil por o capital humano não estar distribuído geograficamente de maneira avulsa: os trabalhadores escolhem onde vivem com base em fatores como os salários e o custo de vida. Ignorar este facto pode sobrestimar as ditas externalidades da educação. As estimativas também são menores em artigos com maior número de observações. Além disso, os artigos com resultados positivos e estatisticamente significativos podem ter maior probabilidade de serem publicados, o que refletiria um certo enviesamento.
São muitos os desafios a uma identificação correta dos retornos sociais da educação. Ainda assim, se a correlação forte entre anos de escolaridade e rendimento individual é, como vimos, um dos resultados mais robustos destes artigos, parece-nos também inequívoco que as externalidades da educação existem, estimulam o crescimento económico e promovem a convergência. São argumentos de peso que justificam o investimento em educação.
Bibliografia
Cui, Y., & Martins, P. S. (2021). What Drives Social Returns to Education? A Meta-Analysis. World Development, 148, 105651. https://doi.org/10.1016/j.worlddev.2021.105651
Hanushek, E., & Woessmann, L. (2020). The Economic Impacts of Learning Losses, Education Working Papers, n.º 225, OECD Publishing. https://doi.org/10.1787/21908d74-e
Lochner, L., & Moretti, E. (2004). The Effect of Education on Crime: Evidence from Prison Inmates, Arrests, and Self-Reports. American Economic Review, 94(1), 155-189.
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