A mudança no comportamento do sono dos adolescentes está bem documentada na literatura científica. Mas as implicações que o tempo de ecrã antes de dormir tem na atenção na manhã seguinte acrescentam novidades a esta área do conhecimento.
Num período de pandemia, sabemos que de nada adianta incentivar um discurso de demonização quanto ao uso de dispositivos eletrónicos por parte dos jovens (sobretudo smartphones e tablets). Em 2020 e 2021, foi inevitável reconhecer a importância deste recurso para apoiar a aprendizagem e fornecer mais oportunidades de interação social. Porém, a relação do tempo de ecrã com o sono nunca foi positiva: a utilização destas tecnologias está associada ao sono interrompido e à pior qualidade do sono nos adolescentes. Dois trabalhos de revisão recentes, liderados por Mari Hysing e Lauren Hale, indicam que 90% dos estudos encontraram ligação entre o uso de ecrãs e o atraso na hora de dormir e/ou a diminuição do tempo total de sono.
Atualmente, o uso de dispositivos eletrónicos é muito frequente nos adolescentes, quer durante o dia, quer na hora de ir dormir. Os dados de antes da pandemia indicavam que três em cada quatro adolescentes americanos, entre 15 e 17 anos, levavam algum tipo de tecnologia para o quarto antes de adormecer. Segundo um estudo de Cristina Ponte e Susana Batista, em Portugal são os adolescentes nestas idades que passam mais tempo por dia na internet, atingindo as quatro horas diárias.
A disrupção do ritmo circadiano
Sabemos que o ciclo de sono-vigília segue um ritmo circadiano que se orienta principalmente com as pistas externas dadas pela luz solar. Quando escurece, o corpo inicia um processo de preparação para produzir a hormona do sono (melatonina), que induz naturalmente a sonolência. Porém, a luz artificial pode baralhar este sistema regulatório interno. De acordo com Patricia L. Turner e Martin A. Mainster, as crianças e os adolescentes podem ser mais sensíveis aos efeitos da luz azul (emitida especialmente pelos smartphones) pelo facto de os seus olhos captarem mais luz. Outros dois estudos, de Milena Foerster e Michael O. Mireku, verificaram que o sono sofre um maior prejuízo quando os adolescentes usam ecrãs num quarto escuro, porque em condições de baixa luminosidade as pupilas dilatam-se e deixam passar mais a luz azul.
A importância do momento da exposição a ecrãs
Um trabalho recente levado a cabo no Brasil, de Maria Luiza Cruz de Oliveira e outros quatro investigadores, mostra que os adolescentes que usam ecrãs excessivamente antes de dormir têm menores níveis de atenção. Isto sugere que a exposição a dispositivos eletrónicos à noite pode afetar a capacidade de aprendizagem logo na manhã seguinte. Nesta investigação fizeram-se perguntas sobre o uso de ecrãs e os hábitos de sono a 89 adolescentes com idade média de 15 anos, e 51% relataram usar um smartphone antes de dormir nos dias de semana.
Este grupo de adolescentes realizou também uma tarefa para testar a atenção pela manhã. Embora o tempo de ecrã antes de dormir não pareça ter um efeito relevante nos padrões de sono relatados pelos adolescentes, o mesmo não acontece com a atenção matinal, que sofreu um impacto negativo. Observaram-se tempos de reação mais lentos e períodos de atenção sustentada menos estáveis pela manhã naqueles que relataram maior exposição a ecrãs antes de dormir. Os investigadores concluíram que os resultados podem estar relacionados com a privação de sono ou a má qualidade do sono.
Tempo biológico versus tempo social
Uma investigação recente liderada por Joseph Firth indica que os efeitos gerados no cérebro pelo uso de ecrãs são ainda difíceis de decifrar, na medida em que existe uma interação complexa entre diferentes fatores, incluindo o sono, o tipo de utilização destes dispositivos, os níveis de interação social e a atividade física. Apesar desta incerteza, investigadores como Gopal K. Singh e Mary Kay Kenney defenderam que os crescentes dados sobre a exposição noturna a ecrãs nos permitem compreender por que motivos os problemas do sono em adolescentes aumentaram nas últimas décadas. O uso abusivo dos aparelhos eletrónicos na altura de ir dormir pode resultar de uma resposta natural à diminuição de sono que é sentida, frequentemente, neste período do desenvolvimento. Porém, esta forma de adiamento da hora de deitar contribui para que o sono do adolescente se torne ainda mais irregular e curto.
A dessincronização do relógio biológico, bem identificada no período da adolescência, é um padrão típico que continua a suscitar discussão quanto às incompatibilidades entre o tempo biológico e o tempo social. O uso de ecrãs vem agudizar este cenário, aumentando de forma crítica o défice de sono nestas idades.
Ao estudar o comportamento do adolescente, devemos ter em conta que estes dispositivos móveis são uma parte importante da sua vida diária, quer para atividades escolares como de socialização ou entretenimento. Independentemente das regras que os pais possam estabelecer em casa, todos estes estudos recentes mostram a relevância de informar os jovens sobre os prejuízos que podem sentir logo pela manhã e de os incentivar a evitar o uso de smartphones, tablets e computadores no período antes de dormir.
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