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O esquecimento constitui uma queixa comum de professores e alunos. «Estudar para o teste» e, pouco tempo depois, esquecer grande parte do que se estudou é uma experiência tão frustrante quanto frequente.

O esquecimento constitui uma queixa comum de professores e alunos. «Estudar para o teste» e, pouco tempo depois, esquecer grande parte do que se estudou é uma experiência tão frustrante quanto frequente. Algum esquecimento é inevitável (e necessário até), mas a ciência também demonstra que os conhecimentos considerados fulcrais podem manter-se com recurso a estratégias de aprendizagem eficazes. Entre estas, a «prática espaçada» distingue-se pela eficácia que apresenta para prevenir o esquecimento e prolongar a aprendizagem nos diferentes níveis de ensino e domínios de conhecimento. Seja como prática pedagógica seja como método de estudo, impõe-se desde já um aviso: a aplicação desta estratégia desafia os procrastinadores…!

Quem nunca ouviu um aluno queixar-se de estudar para um exame e de pouco tempo depois «não (se) lembrar de quase nada»? E quantos professores não constatam recorrentemente que os alunos esqueceram as matérias de anos, meses, ou mesmo semanas anteriores? Frequentemente, a explicação deste efeito está na adopção de estratégias de aprendizagem intensiva, que resultam numa falsa percepção de aprendizagem. Isto porque a aprendizagem intensiva (como quando estudamos de véspera para um teste ou passamos uma aula inteira a treinar o mesmo conteúdo) permite uma recordação imediata da informação, mas não necessariamente duradoura. E é precisamente este efeito de curta duração da informação que explica o esquecimento associado ao estudo massivo na véspera de um teste, ou o esquecimento de conteúdos abordados, de forma compacta, num único momento lectivo. Esta estratégia de aprendizagem massivaa (concentrada no tempo) opõe-se à estratégia de aprendizagem (ou prática) espaçadab, que consiste, como o próprio nome indica, no espaçamento e recapitulaçãoc dos conteúdos ao longo do tempo.(1;10;14)

Espaçar a aprendizagem no tempo: «produtividade» e outros benefícios

Genericamente, o espaçamento da aprendizagem consiste na recapitulação e reaprendizagem dos conhecimentos ao longo do tempo. Comparativamente à aprendizagem massiva, a aprendizagem espaçada produz maior retenção de informação para o mesmo tempo de estudo. A título de exemplo, a aprendizagem conseguida em quatro horas de estudo (ou de instrução) tende a ser inferior à aprendizagem realizada em duas sessões de duas horas cada. Além disso, o espaçamento contribui para prolongar a duração das aprendizagens ao permitir a consolidação da informação na memória a longo prazo, através da reaprendizagem dos conteúdos e do próprio decurso do tempo (biologicamente, este último constitui um requisito fundamental para a criação de memórias persistentes).(5.1;2;14)

Quer como prática pedagógica quer como método de estudo, a investigação demonstra a eficácia da prática espaçada nos diversos níveis de ensino, para alunos com diferentes perfis de competência, e nos vários tipos e domínios de aprendizagem, nomeadamente: aprendizagens declarativas (como, por exemplo, no estudo das Línguas e das Ciências), procedimentais (por exemplo, etapas ou procedimentos de realização de tarefas) ou condicionais (como as aprendizagens inferenciais implicadas na resolução de problemas).(5;6;9;16)

Como aplicar o espaçamento (e prolongar a aprendizagem além do teste)?

O espaçamento da aprendizagem pode aplicar-se em intervalos de tempo variáveis. Para as fases iniciais de aprendizagem recomendam-se espaçamentos curtos. A fim de consolidar e prolongar as aprendizagens, recomendam-se espaçamentos longos (operacionalizados abaixo).(10)

Exemplos de aplicação em sala de aula: 

  1. No início de cada aula, fazer uma breve recapitulação de conteúdos de aulas anteriores. O questionamento dos alunos é preferível à sumarização pelo professor. Deste modo, os benefícios do espaçamento são reforçados pela prática da recuperação. O mesmo pode ser feito, no final da aula, para os conteúdos abordados nesse dia. Combinar a prática do espaçamento com a (auto)monitorização dos conhecimentos potencia substancialmente a aprendizagem, e pode ainda aplicar-se entre aulas ou durante uma aula. Por exemplo, em aulas extensas, intercalar questões de recapitulação de conteúdos (da própria aula ou de aulas anteriores) permite reforçar a aprendizagem e recentrar o foco atencional dos alunos (que tende a dispersar-se em tarefas que exigem atenção e esforço cognitivo continuados).
    Atendendo às habituais limitações de tempo em aula, as recapitulações podem ser breves e focadas nos conteúdos mais importantes;(3;16;10)
  2. Recapitular conteúdos ao longo de um período ou ano lectivo – seja para a consolidação e reaprendizagem de conhecimentos importantes, seja para a introdução de novos conhecimentos (através da comparação de conteúdos);
     
  3. Avaliações semicumulativas, em que em cada teste se inclui uma pequena percentagem de conteúdos anteriores;
     
  4. Trabalhos de casa com tarefas que impliquem a revisão de conteúdos actuais e anteriores;(2;10;14)

Exemplos de aplicação no estudo autónomo

  1. No estudo autónomo, começar por recapitular conteúdos actuais, seguidos da revisão de conteúdos anteriores;(16)
     
  2. Criar um horário de estudo para espaçar a aprendizagem em aula com o estudo autónomo (por exemplo, reforçar o estudo de uma disciplina em dias interpolados com os dias de aula – figura 1). Esta programação favorece a regulação do estudo e a consolidação dos conhecimentos, e previne o estudo intensivo nas vésperas das avaliações;(3)
     
  3. Combinar a prática do espaçamento com a prática da recuperação entre sessões de estudo, ou durante uma sessão de estudo.
    Por exemplo, intercalar os períodos de estudo com a autoavaliação de conhecimentos;(16)

Intervalos de espaçamento

  1. A estimativa do tempo ideal de espaçamento, entre a aprendizagem e a reaprendizagem, é uma questão para a qual a investigação não dispõe ainda de uma resposta linear. Genericamente, quanto mais tempo se pretender prolongar uma aprendizagem, maior deverá ser o espaçamento para a reaprendizagem.(1)
    Sabe-se, no entanto, que o tempo de espaçamento não deve ultrapassar o intervalo de retenção da informação, isto é, a capacidade de recordação de alguns conteúdos. Caso contrário, produz-se um esquecimento significativo, que dificulta a reaprendizagem.
    Genericamente, a investigação sugere um espaçamento para a reaprendizagem entre 5 a 40% do tempo de retenção pretendido. Grosso modo, um exemplo prático consistiria em recapitular (para prolongar) a aprendizagem nos seguintes moldes:
    1. um espaçamento de um dia, para uma semana de retenção (importante sobretudo na fase inicial de aprendizagem);
    2. um espaçamento de uma semana, para dois meses de retenção;
    3. um espaçamento de um mês, para um ano de retenção.(10)
       
Prática espaçada - iniciativa educação

Prevenir a aprendizagem intensiva e o estudo «de véspera»

  • A prática espaçada, a par da prática da recuperação, constitui uma das estratégias de aprendizagem com maior evidência empírica de aplicabilidade e eficácia na promoção de aprendizagens sólidas e duradouras;(5;6;9;16)
     
  • A aplicação do espaçamento ajusta-se às rotinas e organização da aula, pelo que dispensa gastos de tempo adicionais;
     
  • O tempo necessário ao espaçamento e reaprendizagem de conteúdos considerados fulcrais é compensado pela duração dos conhecimentos, e representa uma poupança de tempo na reinstrução;(2)
     
  • A combinação do espaçamento e da prática da recuperação aumenta substancialmente a aprendizagem e pode integrar-se nos exercícios e nas avaliações formativas de consolidação dos conhecimentos, bem como nas avaliações formais semicumulativas;
     
  • Como método de estudo, o espaçamento potencia a aprendizagem e o desenvolvimento de competências de auto-regulação, por implicar a distribuição da aprendizagem no tempo e prevenir o estudo intensivo na véspera dos «testes»;(2;10;14)
     
  • Promover a aprendizagem de conhecimentos de forma massiva (concentrando os conteúdos no tempo) conduz a um rápido esquecimento e aumenta o risco de limitar a aprendizagem aos momentos contingentes à avaliação formal;
     
  • A evidência da necessidade de espaçamento e de recapitulação dos conteúdos, para garantir a consolidação e persistência da aprendizagem, tem implicações relevantes não só para a conceptualização das práticas pedagógicas mas também dos objectivos e da organização do ensino em geral.

 

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico. 

Referências

a Do Inglês, massive practice.

b Do Inglês, spaced ou distributed practice.

c Nota: não se trata da repetição acrítica e literal de informação, mas antes da recapitulação e elaboração da informação anteriormente abordada.

(1) Roediger, H.L. III, Nestojko, J.F., e Smith, N., Strategies to improve learning and retention during training, em M. D. Mathews e D. M. Schnyer (Eds.), The Cognitive and Behavioral Neuroscience of Human Performance in Extreme Settings, Nova Iorque, Oxford University Press, 2019.

(2) Agarwal, P. K., e Roediger III, H. L., «Lessons for learning: How cognitive psychology informs classroom practice», Phi Delta Kappan, 100(4), 2018, pp. 8-12. 

(3) Weinstein, Y., Madan, C. R., e Sumeracki, M. A., «Teaching the science of learning», Cognitive Research: Principles and Implications, 3(2). 

(4) Miyatsu, T., Nguyen, K., e McDaniel, M. A., «Five popular study strategies: their pitfalls and optimal implementations», Perspectives on Psychological Science, 13(3), 2018, pp. 390-407. 

(5) Dunlosky, J., Rawson, K. A., Marsh, E. J., Nathan, M. J., e Willingham, D. T., «Improving students’ learning with effective learning techniques: promising directions from cognitive and educational psychology», Psychological Science in the Public Interest, 14, 2013, pp. 4-58. 

(6) Hattie, J. A., e Donoghue, G. M. «Learning strategies: A synthesis and conceptual model», npj Science of Learning, 1, 16013.

(9) Pashler, H., Bain, P. M., Bottge, B. A., Graesser, A., Koedinger, K., McDaniel, M., e Metcalfe, J., Organizing instruction and study to improve student learning. IES practice guide, NCER 2007–2004, National Center for Education Research, 2007. 

(10) Putnam, A. L., Nestojko, J. F., e Roediger, H. L., «Improving student learning: Two strategies to make it stick», em J. C. Horvath, J. Lodge, e J. A. C. Hattie (Eds.), From the Laboratory to the Classroom: Translating the Science of Learning for Teachers, Oxford, Routledge, 2016, pp. 94-121. 

(14) Hughes, C. A., e Lee, J.-Y., «Effective Approaches for Scheduling and Formatting Practice: Distributed, Cumulative, and Interleaved Practice», TEACHING Exceptional Children, 51(6), 2019, pp. 411-423.

(15) Sternberg, R. J., e Sternberg, K., Cognitive psychology, 6.ª ed., Wadsworth, Cengage Learning, 2012.

(16) Dunlosky, J., e Rawson, K. A. (2015). «Practice tests, spaced practice, and successive relearning: Tips for classroom use and for guiding students’ learning», Scholarship of Teaching and Learning in Psychology, 1(1), 72, 2015.

AUTOR

Célia Oliveira é Doutorada em Psicologia Experimental e Ciências Cognitivas pela Universidade do Minho, com uma tese sobre o papel de processos atencionais na Capacidade Memória Operatória. Pela mesma universidade, licenciou-se em Psicologia com pré-especialização em Psicologia Escolar e da Educação, e completou um Mestrado em Psicologia Clínica.

Atualmente é docente na Universidade Lusófona do Porto, onde é responsável por unidades curriculares no domínio da Cognição (Psicologia da Memória e Psicologia da Atenção) e da Psicologia da Educação (Psicologia da Educação e Psicologia Escolar). É membro do HEI-Lab - Digital Human-Environment Interaction Lab, da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, e integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho. Os seus interesses e atividade de investigação contemplam os domínios da Aprendizagem, Atenção e Memória Humana.

Detém experiência continuada de prática clínica com crianças e adolescentes, e tem exercido atividades de consultoria científica em projetos de investigação, bem como consultoria técnica em contextos de atuação comunitária.

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