O ensino da matemática é essencial para o futuro académico e profissional dos alunos. Numa sequência de artigos sobre Cinco Práticas do Ensino da Matemática Validadas pela Ciência, apresentamos métodos de sala de aula que possibilitam um ensino de alta qualidade da matemática. Neste artigo, exploramos a segunda prática, a utilização de múltiplas representações, suportes visuais integrados na aprendizagem.
Prática #2: Usar Múltiplas Representações
Que prática é esta?
A literatura científica tem identificado a integração planeada de múltiplas representações no ensino de matemática como uma componente essencial para um ensino eficaz de matemática. Segundo um estudo coordenado por Corey Peltier, em 2020, as representações são suportes visuais integrados no ensino que ajudam os alunos a perceber melhor os conceitos, a reforçar o seu conhecimento sobre procedimentos e a ter um pensamento mais flexível durante a realização de tarefas de matemática. Nesta disciplina, as três principais formas de representações são as concretas, semi-concretas e abstratas (ver figura 1).
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Figura 1. Exemplos de representações concretas, semi-concretas e abstratas
Como se refere na investigação coordenada por Kira Carbonneau, em 2013, as representações concretas são materiais físicos tridimensionais que os alunos podem segurar nas mãos e manipular fisicamente durante as tarefas de matemática. Por exemplo, contadores de duas cores, peças de frações, cubos de ligação, moedas de plástico e blocos de padrões. Os objetos manipuláveis virtuais (ou seja, apresentados num formato digital) funcionam como materiais concretos. Todavia, como se apresentam em formato digital e normalmente incluem elementos identificadores, tais como códigos de cores, etiquetas e organizadores gráficos (por exemplo, tapetes de equações para peças de álgebra), podem considerar-se representações semi-concretas. Estas, como indica o trabalho coordenado por Vanessa Hinton, em 2022, são ilustrações bidimensionais de conceitos matemáticos com caraterísticas semelhantes às concretas. Algumas incluem desenhos ou imagens de blocos de base 10, linhas de números, modelos de área e conjuntos de números padronizados. Por fim, e como refere o trabalho coordenado por Sarah Powell, em 2023, as representações abstratas fazem referência a números escritos ou a outros elementos matemáticos, como símbolos, expressões e equações.
Várias representações, tais como uma linha de números, podem ser usadas em formas concretas, semi-concretas e virtuais. Neste caso, as representações de uma linha de números podem ajudar os alunos na aprendizagem dos algarismos e dos seus valores. No caso de estudantes do ensino primário e secundário, há dados sólidos que sustentam o uso de múltiplas representações para apoiar a aprendizagem, como se indica nas investigações coordenadas por Margaret Flores, em 2014, Corey Peltier, em 2020, e Asha Jitendra, em 2016.
Em que consiste a investigação?
Vários estudos, como o coordenado por Asha Jitendra, em 2022, ou o de Emily Bouck e Holly Long, em 2021, investigaram múltiplas representações como componentes pedagógicas de ensino de conteúdo em domínios da matemática (por exemplo, problemas de palavras, frações, geometria ou decimais). Resultados de meta-análises, nas investigações coordenadas por Corey Peltier, em 2020, e Kira Carbonneau, em 2013, demonstraram que os manipuláveis (ou seja, ferramentas concretas) podem ser importantes para a aprendizagem da matemática. Outros estudos validaram a utilização da abordagem concreta > semi-concreta > abstrata como prática para alunos com dificuldades à disciplina.
Grande parte da investigação existente foca-se na sequência concreta-representacional > semi-concreta > abstrata, na qual os alunos progridem entre cada fase da representação por ordem sequencial. Por exemplo, numa síntese de 22 estudos experimentais focados no ensino de frações, um trabalho coordenado por Jiwon Hwang, em 2019, determinou que múltiplas representações apresentadas sequencialmente tiveram um impacto significativo e positivo na aprendizagem de conceitos, na capacidade processual e na resolução de problemas de palavras.
Apesar de, no geral, se ter dedicado muita atenção à sequência de múltiplas representações, a investigação científica também apoia o uso de uma abordagem simultânea – concreta + representacional + abstrata –, em particular no ensino secundário. Nesta abordagem, apresentam-se múltiplos tipos de representação em simultâneo. Um estudo coordenado por Stephanie Morano, em 2020, não identificou qualquer diferença na aprendizagem de frações com essa sequência ou com a apresentação em simultâneo das três representações. Esta descoberta é significativa porque sustenta a posição de Rachel Hammer, divulgada num trabalho de 2018, de que múltiplas representações não têm de se apresentar numa sequência específica concreta > semi-concreta > abstrata, mas que é importante considerar as necessidades dos alunos quando se determina o tipo de representação a usar durante o ensino.
Como é que isto funciona em sala de aula?
A incorporação de múltiplas representações no ensino de matemática pode utilizar-se num processo duplo — com uma primeira fase, de planeamento, e outra durante as aulas, referente ao método. Antes do ensino, é importante planear cuidadosamente o tipo de representações que sustentam a aprendizagem de uma capacidade específica. Segundo um estudo coordenado por Sarah Powell, em 2002, a representação escolhida deve estar matematicamente correta, alinhada com os objetivos de aprendizagem, e deve abordar o conteúdo curricular da disciplina de matemática.
Há ainda que ter em conta a possibilidade ou impossibilidade de usar as representações em múltiplos tópicos de matemática, e determinar se se pode usar as representações de forma consistente, mesmo que o conteúdo de matemática se torne ainda mais complexo. Dois numeradores coloridos são um exemplo de uma representação que se pode utilizar de modo flexível em várias áreas de capacidade (ver a figura 2). É possível recorrer a estes numeradores para desenvolver a contagem no ensino básico, mas também para tarefas mais complexas à medida que os alunos transitam para o 2.º e 3.º ciclos e para o ensino secundário, através da representação de frações ou do trabalho com números inteiros. Quando os alunos têm múltiplas oportunidades de usar representações consistentemente, é mais provável que as usem adequadamente como ferramentas de aprendizagem.
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Figura 2. Exemplo de diferentes utilizações de dois numeradores coloridos
Professor: | Vejamos como podemos usar estes discos de valor posicional para mostrar os diferentes decimais. Aqui estão os discos de valor posicional. O que notam? |
Alunos: | Cada cor tem um decimal escrito. |
Professor: | Sim! Cada disco de cor diferente tem um valor posicional diferente. Hoje, vamos trabalhar com as dezenas (mostra discos das dezenas), unidades (mostra discos das unidades), décimas (mostra o disco das décimas) e centésimas (mostra discos das centésimas). Em que valores posicionais irão focar-se hoje? |
Alunos: | Dezenas, unidades, décimas, centésimas. |
Professor: | Vejam este número: 2,13. Lemos isto como dois inteiros e treze centésimas. Repitam comigo. |
Alunos: | Dois inteiros e treze centésimas. |
Professor: | Para mostrar isto com os discos de valor posicional, iremos focar-nos no maior valor posicional primeiro. Qual é o maior valor posicional? |
Alunos: | As unidades. |
Professor: | Para este número, o maior valor posicional é a posição das unidades. Que dígito está na posição das unidades? |
Alunos: | Dois! |
Professor: | Um dois está na posição das unidades, por isso irei mostra-vos dois discos de valor posicional que representam as unidades. (Mostra unidades.) Agora, passem ao segundo maior valor posicional. Qual é? |
Alunos: | A posição das décimas. |
Professor: | Na posição das décimas, temos um 1. Isso significa que irei mostrar-vos 1 disco de valor posicional que representa as décimas. (Mostra décimas.) Por fim, passem ao terceiro maior valor posicional. Em que nos devemos focar agora? |
Alunos: | Nas centésimas. |
Professor: | Temos um 3 na posição das centésimas. Por isso, irei mostrar 3 discos de valor posicional que representam as centésimas. (Mostra centésimas.) Podemos contar os discos para ver se mostra 2,13. Contem comigo! |
Alunos: | Um, dois, dois e uma décima, dois e onze centésimas, dois e doze centésimas, dois e treze centésimas. |
Professor: | Usámos os discos de valor posicional para mostrar 2,13! |
À medida que os alunos começam a fazer problemas práticos com representações, os professores devem controlar a aprendizagem através da observação dos seus trabalhos (por exemplo, com desenhos em quadros brancos) e de conversas com os estudantes. Os professores devem dar feedback de desempenho imediato e específico. Um exemplo de feedback positivo pode ser algo deste tipo: «Tu e o teu colega usaram os discos de valor posicional para comparar decimais! Boa!» Eis um exemplo de feedback de correção: «Vejam novamente a posição das centésimas. Qual é o dígito que está na posição das centésimas? Mostrem esse número com os discos de valor posicional.» No futuro, o controlo contínuo do uso de representações por parte dos alunos pode ser apropriado para continuarem a utilizá-las de forma adequada em tarefas familiares e originais.
Este texto é uma adaptação da segunda prática do artigo «Maths Practices You Can Count On: Five Research-Validated Practices in Mathematics», disponível aqui. Esta adaptação resulta de uma parceria editorial com o Centre for Independent Studies (CIS).
Referências bibliográficas
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