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Reter alunos com menor aproveitamento tem um efeito limitado, por vezes positivo, por vezes negativo, sobre esses alunos. Mas a questão é muito mais complexa: a formação de todos os alunos melhoraria ou pioraria com um eventual fim das retenções? Que instrumentos de avaliação interna e externa seriam necessários para monotonizar tal política? Alguns estudos rigorosos, tanto internacionais como nacionais, fornecem várias pistas.

O debate em torno da possibilidade de reter um aluno entre dois anos letivos regressou com maior intensidade nas últimas semanas. Mas que se sabe sobre a eficácia das retenções no curto e no longo prazo?

De entre os argumentos apresentados em defesa da retenção sublinha-se que esta pode dar ao aluno a oportunidade de adquirir o capital humano necessário para se integrar mais facilmente no ano seguinte, que há alguma vantagem de criar grupos de alunos mais homogéneos ou ainda que assim se pode colmatar a maior imaturidade de alguns alunos. Por sua vez, entre os argumentos contrários a esta prática, notam-se o custo para o próprio e para a comunidade resultantes da frequência de mais um ano letivo, o impacto sobre a autoestima do aluno, e sobre sua relação com colegas e professores e, ainda, o potencial aumento da probabilidade de abandono escolar.

Portugal apresenta uma taxa de retenção que continua a ser elevada quando comparada com os parceiros da OCDE. Nos últimos dados disponíveis do PISA de 2015, cerca de 30% dos alunos de 15 anos afirmaram já ter tido um episódio de retenção, o que contrasta com uma média de 10% nos países da OCDE. Contudo, nos três primeiros ciclos de ensino, e segundo dados reportados pela DGEEC, a taxa de retenção tem vindo a diminuir ao longo dos últimos 20 anos.

 

Este texto foca-se não apenas sobre o padrão de retenções que observamos, mas na discussão de qual seria o efeito da situação contrafactual, ou seja, o que aconteceria caso a retenção deixasse de ser uma possibilidade dentro das escolas.

O que dizem os estudos

Para responder a esta questão analisámos alguns dos estudos que, com maior rigor, tentaram identificar o impacto no aproveitamento do aluno após um episódio de retenção. Tal é particularmente difícil de medir, uma vez que a decisão de reter um aluno depende de muitos fatores, por vezes difíceis de aferir ou de observar. Para contornar tal dificuldade, Bobo et al. (2016) observaram um conjunto de 13 mil alunos do 7.º ao 9.º ano no sistema de ensino francês entre 1995 e 2001. Por forma a identificar o efeito da retenção, os autores modelaram o percurso do aluno ao longo dos anos de ensino assumindo três hipóteses: 1. o processo de aprendizagem é cumulativo de ano para ano; 2. consideram-se diferentes tipos de alunos consoante o seu nível de aprendizagem; e 3. as escolas poderão constituir as turmas tendo em conta as características dos alunos. Desta análise, concluíram que os efeitos da retenção nos resultados escolares no final do 9.º ano são, em média, positivos, mas baixos, sendo mais fortes para alunos que apresentam maiores dificuldades.

Se o impacto positivo de repetir um ano for de facto baixo, poder-se-á colocar a questão sobre que práticas e políticas devem acompanhar a retenção, com vista à recuperação do aluno. Um interessante programa desenvolvido em Chicago nos anos 1990 pode dar-nos algumas respostas neste sentido. No ano letivo de 1996-97 a cidade de Chicago terminou com o sistema que existia até então e que, na prática, transitava administrativamente os alunos, independentemente do seu aproveitamento (Jacob e Lefgren, 2004). A partir de então, alunos que no final do ano, em junho, tivessem uma nota final abaixo de um determinado limiar seriam encaminhados para uma escola de verão durante seis semanas, período durante o qual receberiam um apoio suplementar. Depois deste período, em agosto, os alunos fariam de novo uma prova que aferia se poderiam passar para o ano de ensino seguinte. Mais uma vez impôs-se um limiar mínimo nesta prova que determinaria se os alunos poderiam ou não passar.

De 1997 a 1999, cerca de 30 mil alunos do 3.º ano e cerca de 21 mil do 6.º ano foram encaminhados para estas escolas de verão, e destes entre 10% a 20% acabaram por ser retidos. Foi com base nestes limiares mínimos nos exames de junho e agosto que se mediu o impacto tanto da retenção como deste programa de recuperação. Ou seja, usou-se a observação dos alunos que tiveram notas imediatamente acima e abaixo dos limiares mínimos para medir os impactos destas políticas. Nos alunos do 3.º ano notaram-se efeitos positivos nas notas de matemática e leitura no ano após a retenção. Contudo, estes efeitos são próximos de zero quando medidos sobre os alunos do 6.º ano. Para ambos os grupos não são encontrados efeitos dois anos após o episódio de retenção. Quanto ao programa de escolas de verão como forma de recuperação dos alunos, o seu impacto revelou-se pequeno, sendo mais pronunciado em matemática do que em leitura.

E em Portugal?

Quando nos debruçamos sobre a realidade portuguesa, encontramos dois estudos que usaram diferentes fontes de dados. Reis e Pereira (2014) utilizaram dados do PISA, abrangendo oito mil alunos de 15 anos, em 2003 e 2009. Desta análise sublinha-se que as condições socioeconómicas são relevantes na probabilidade de o aluno ser retido, contudo há vários outros fatores, como por exemplo, aqueles relacionados com a escola ou com a região onde esta se insere, que são igualmente relevantes.

Dos resultados aferiu-se um impacto negativo no desempenho dos testes PISA, aos 15 anos, nos alunos que sofreram uma retenção durante o 1.º e 2.º ciclo e um impacto positivo, mas baixo, caso esta retenção tenha acontecido ao longo do 3.º ciclo.

Um outro estudo usando dados portugueses cruza informação do Júri Nacional de Exames com dados sociodemográficos dos alunos (Nunes et al, 2018). O estudo foca-se em cerca de quatro mil alunos inscritos no 4.º ano, no ano letivo 2006-07, e que obtiveram notas negativas em ambas as provas de aferição (Língua Portuguesa e Matemática). Esta amostra é assim constituída por um grupo homogéneo de alunos com um baixo aproveitamento, existindo, contudo, alunos que transitaram e outros que não. Estes alunos são depois observados no 6.º ano, em particular o resultado obtido nas provas de aferição no final do 2.º ciclo. Pretende-se assim estimar o impacto de ter sido retido no final do 1.º ciclo no resultado de uma prova universal e comparável no final do 2.º ciclo. Conclui-se que os efeitos da retenção são positivos, contudo mais uma vez baixos, sendo maiores para Português do que para Matemática.

Efeitos tendencialmente baixos

Destas diversas análises podemos concluir que os efeitos da retenção são tendencialmente positivos, mas baixos, e tendem a desaparecer com o tempo. Contudo, e por forma a acautelar o impacto que o fim da retenção até ao 9.º ano pode ter sobre todo o sistema de ensino, quatro outras questões devem acompanhar esta reflexão:

  1. Desde logo deve avaliar-se se as medidas de combate ao insucesso escolar que já estão no terreno têm funcionado ou não. Se, de facto, estas medidas estão a ter sucesso então a taxa de retenção descerá por si, sem necessidade de mecanismos mais restritivos da retenção nas escolas;
  2. Se as medidas já existentes se mostrarem insuficientes, então este debate deve ser acompanhado do elencar de medidas que a posteriori, mas também a priori, ajudem o aluno a progredir no seu sucesso escolar. De entre várias medidas possíveis, nomeamos, por exemplo, alguns mecanismos que, com apoio em novas tecnologias, têm sido usados para identificar desde cedo os alunos em risco de poderem sofrer uma retenção. Estes instrumentos, os early warning system, recolhem um vasto conjunto de informação acerca dos alunos ao longo do ano letivo, alertando professores e escolas caso um aluno comece a evidenciar um padrão de aproveitamento coincidente com aquele que leva ao insucesso escolar (Bowers et al. 2013);
  3. A proposta que tem sido discutida foca-se no potencial fim das retenções até ao 9.º ano de escolaridade. Contudo, o sistema de ensino prevê atualmente uma escolaridade obrigatória de 18 anos. Assim, se ao fim das retenções durante os primeiros nove anos de escolaridade não equivaler uma recuperação efetiva dos alunos com maiores dificuldades, tal pode levar a um aumento de retenções e descida de aproveitamento mais tarde, no ensino secundário; 
  4. O potencial fim das retenções traz também consigo um implícito aumento da autonomia pedagógica das escolas. Em tal caso, as escolas ficam incumbidas, ainda mais, de encontrar soluções para ultrapassar o menor aproveitamento de alguns alunos. Esta maior responsabilidade das escolas deve ser acompanhada de uma maior monitorização, por forma a medir como as escolas estão a ser capazes de recuperar os alunos com menor aproveitamento. Tal só é possível se houver um reforço dos indicadores de avaliação das escolas e dos alunos, nomeadamente os externos (Bergbauer et al., 2018). 

Este é assim um debate que deve ter em atenção os efeitos limitados que a retenção tem demonstrado em diversos sistemas de ensino, contudo não pode ser alheado de outras questões, como as que levantámos, sob pena de se criarem efeitos não desejados em todo o sistema de ensino.

Referências

Bowers, Alex J., Ryan Sprott, e Sherry A. Taff. 2013. «Do We Know Who Will Drop Out?: A Review of the Predictors of Dropping out of High School: Precision, Sensitivity, and Specificity» The High School Journal 96 (2): 77–100.

Gary-Bobo, Robert J., Marion Goussé, e Jean-Marc Robin. 2016. «Grade Retention and Unobserved Heterogeneity» Quantitative Economics 7 (3): 781–820.

Jacob, Brian A., e Lars Lefgren. 2004. «Remedial Education and Student Achievement: A Regression-Discontinuity Analysis» Review of Economics and Statistics 86 (1): 226–44.

Nunes, Luís Catela, Ana Balcão Reis, e Carmo Seabra. 2018. «Is Retention Beneficial to Low-Achieving Students? Evidence from Portugal» Applied Economics 50 (40): 4306–17.

Pereira, Manuel Coutinho, e Hugo Reis. 2014. «Retenção Escolar No Ensino Básico Em Portugal: Determinantes e Impacto No Desempenho Dos Estudantes» Boletim Económico - Banco de Portugal. Vol. 120.

AUTORES

Hugo Reis é economista investigador no departamento de estudos económicos (área de estudos estruturais) no Banco de Portugal, professor auxiliar convidado na Universidade Católica Portuguesa, membro da unidade de investigação da CATÓLICA-LISBON e do IZA - Institute for the Study of Labor. 

Detém um Doutoramento em economia pela UCL - University College London, sob a supervisão de Pedro Carneiro e Orazio Attanasio, e foi consultor no Development Economics Research Group do Banco Mundial.

Os seus tópicos de investigação incluem economia de educação, avaliação de programas, mercado de trabalho, microeconometria e desenvolvimento económico, temas em que tem diversos trabalhos desenvolvidos e publicados em revistas científicas peer-reviewed internacionais, incluindo a International Economic Review.

Pedro Freitas é doutorando em Economia na Nova School of Business and Economics (Nova SBE), instituição onde é membro do Nova Center for the Economics of Education e onde obteve a sua licenciatura e MPhil em Economia. A sua investigação foca-se em tópicos de Economia da Educação e Capital Humano, tais como: medidas de valor acrescentado de professores, diferenciais entre notas internas e externas, externalidades de capital humano no mercado de trabalho ou as razões por detrás da progressão nos testes PISA. O seu trabalho usa bases de microdados compreensivas tanto do mercado de trabalho como do sistema de ensino português. Esteve igualmente envolvido na avaliação de impacto de diferentes projetos educacionais desenvolvidos em Portugal. Foi aluno visitante no departamento de economia da University College of London (UCL) e no departamento de estudos do Banco de Portugal. É assistente convidado na Nova SBE de diversas cadeiras de licenciatura e mestrado. 

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