Nas últimas décadas, tem aumentado a investigação científica sobre os impactos do investimento nos primeiros anos da infância — etapa considerada particularmente eficaz para alavancar o percurso escolar dos alunos. Contudo, subsiste um debate acerca da persistência dos impactos da creche e do pré-escolar no percurso educativo dos alunos. Que lições podemos tirar da investigação existente? Que programas de creche e pré-escolar parecem ter mais impactos a longo prazo?
O investimento nos primeiros anos foi, em grande medida, impulsionado pela evidência científica de programas como o Head Start, o Abecedarian Project ou o Perry Preschool Program. Estes três programas mostraram como frequentar a creche e o pré-escolar pode ter impacto significativo no desenvolvimento cognitivo e não-cognitivo das crianças.
Estes programas partilhavam, em geral, algumas características fundamentais. Primeira: eram experiências aleatórias. O acesso das famílias e das crianças era definido por sorteio, funcionando como uma lotaria, de modo a evitar que fatores como as características individuais, o envolvimento parental ou o contexto do aluno determinassem a participação das crianças nestes programas. Foi assim possível isolar o impacto da frequência da creche ou pré-escolar, evitando que outros fatores contaminassem a análise.
Acresce que tanto o Abecedarian como o Perry Preschool Program foram implementados em pequena escala, o que levanta dúvidas quanto à sua sustentabilidade e à possibilidade de serem replicados em contextos de maior dimensão. Existe, por isso, uma discussão sobre o seu impacto de longo prazo e que caminhos precisamos de trilhar para identificar as características que garantem a solidez dos seus resultados.
O Head Start — o programa mais conhecido e com aplicação em larga escala — revela resultados que variam consoante a métrica utilizada e o momento da avaliação. Algumas análises apontam para impactos positivos a curto prazo (à saída do pré-escolar), que parecem depois esbater-se por volta dos 11 anos ou no 3.º ciclo. Contudo, a longo prazo, observam-se efeitos positivos em dimensões como a probabilidade de acesso ao ensino superior ou aspetos comportamentais, incluindo o risco de depressão ou a incidência de comportamentos ilícitos na idade adulta.
Outros dois casos têm merecido atenção. O primeiro é um programa de pré-escolar em Boston que abrangeu crianças entre os três e os cinco anos. Mais uma vez, numa experiência aleatória, algumas crianças passaram de cobertura a tempo parcial para tempo integral. Graças a registos oficiais centralizados, foi possível acompanhar estas crianças ao longo do tempo. Observaram-se assim impactos positivos, sobretudo no final do ensino secundário, nomeadamente maior probabilidade de concluir a escolaridade obrigatória, melhores resultados nos exames de acesso ao ensino superior e maiores taxas de ingresso na universidade.
Um programa no Tennessee — também de grande escala e que abrange, todos os anos, cerca de três quartos das crianças do Estado — apresenta resultados em sentido oposto. Entre 2009 e 2010, também se determinou o acesso das crianças recorrendo a sorteios aleatórios em regiões com excesso de procura. Inicialmente, as crianças que frequentaram o pré-escolar apresentaram melhores desempenhos em literacia e numeracia à saída do programa. No entanto, quando reavaliadas no 6.º ano, esses efeitos tinham desaparecido por completo.
De todos estes exemplos, emergem dois padrões. Por um lado, os impactos no percurso escolar a longo prazo não são consensuais. Por outro, os efeitos positivos são frequentemente mais pronunciados em crianças provenientes de contextos socioeconómicos mais frágeis e em dimensões não-cognitivas e comportamentais.
É por isso necessária mais investigação que nos permita responder não apenas à questão do acesso ao pré-escolar, mas sobretudo ao tipo de acesso, nomeadamente:
- que práticas em sala mais impulsionam o desenvolvimento das crianças?
- qual a formação mais adequada para os educadores?
- que experiências pedagógicas nos primeiros anos estão associadas a melhores resultados, não só imediatos, mas também nos anos seguintes?
Aqui reside também um ponto central no presente debate sobre o pré-escolar e a creche: a escalabilidade. Escalar estes programas significa frequentemente que o investimento por criança é menor, a que acresce menor capacidade de monitorização contínua da sua implementação. É precisamente neste processo que os tão desejados efeitos persistentes podem perder-se.
No contexto português, marcado pela necessária expansão da rede de creches face à oferta ainda diminuta, este é, pois, um tema particularmente relevante no futuro próximo.
AUTOR
Pedro Freitas