Cada vez mais crianças frequentam o ensino pré-escolar. Uma decisão tomada por muitos pais por razões profissionais, mas que acaba por beneficiar o desempenho escolar das crianças a longo prazo.
A decisão acerca de quando iniciar o percurso escolar é uma das mais importantes para os pais. Havendo hoje uma integração muito maior das mulheres no mercado de trabalho, cada vez mais estudos se têm focado na importância e qualidade do ensino pré-escolar e no investimento na educação desde os primeiros anos de vida. Tal decisão é ainda mais relevante para crianças que têm uma maior probabilidade de serem expostas a um ambiente adverso durante a infância. Esta dimensão ganha particular relevância num país como Portugal onde, apesar da diminuição dos últimos anos, a taxa de crianças e adolescentes em risco de pobreza ainda se cifra nos 28%, segundo dados de 2017 (os mais recentes).
A figura abaixo ilustra o retorno do investimento em educação ao longo de diferentes momentos. Podemos observar que à medida que o indivíduo se torna mais velho (idade representada no eixo horizontal), o retorno deste investimento (medido no eixo vertical) vai diminuindo. Esta relação está por detrás de um importante conceito em economia da educação denominado «Equação de Heckman» e que advoga o forte investimento na educação dos alunos desde cedo. James Heckman, Nobel da Economia em 2000, tem sido aliás um dos principais impulsionadores da defesa do ensino pré-primário, tendo desenvolvido vários trabalhos acerca do retorno da frequência deste nível de ensino.
Cunha et al. (2010) estudaram como se relacionam os investimentos de educação em diversos momentos do tempo, concluindo que aqueles que são realizados numa fase mais precoce da vida do aluno apresentam maiores retornos. Observaram ainda que os retornos dos investimentos em educação ao longo da vida têm um grande nível de complementaridade entre si, ou seja, os investimentos na vida adulta, por exemplo, em formação profissional, têm maiores retornos se houver um stock de investimento inicial na infância. De forma simétrica, os investimentos feitos nos primeiros anos de vida terão um retorno maior ao longo da vida se forem seguidos por investimentos nos anos seguintes.
Quando nos referimos ao retorno do ensino pré-escolar, podemos focar-nos em diferentes tipos de programas, desde aqueles que têm um caráter mais experimental, e que por norma são particularmente desenhados para crianças de famílias mais desfavorecidas, ou aqueles que têm um caráter mais universal.
Programas experimentais e os seus impactos
Em termos de programas experimentais, dois dos mais famosos casos são o «Perry Preschool Project» (PPP) e o «Carolina Abecedarian Project» (ABC). O primeiro iniciou-se ainda nos anos 1960, e o segundo nos anos 1970, apresentando ambos a enorme vantagem de seguirem os alunos que dele fizeram parte ao longo das décadas seguintes, permitindo assim não só avaliar os impactos de curto prazo, mas também as consequências ao longo da vida.
O programa PPP foi desenhado para crianças afro-americanas do estado de Michigan (Estados Unidos da América) entre os 3 e os 4 anos, provenientes de famílias de estratos educacionais mais baixos, enquanto o ABC é um programa destinado a crianças entre os 0 e os 4 anos, desenvolvido na Carolina no Norte. Para estas crianças, a alternativa a não frequentar estes programas passava, na generalidade, por serem cuidadas em casa ou em programas alternativos, que no caso do PPP no Michigan eram, à data, escassos.
Em termos cognitivos, ambos os programas mostraram ter efeitos significativos e fortes no nível de QI (Quociente de Inteligência) a curto prazo, em torno dos 11 pontos tanto para rapazes como para raparigas. Contudo, parte deste efeito acaba por dissipar-se nos anos seguintes, particularmente nos primeiros anos do ensino primário. Ainda assim, os programas mostram ter impactos na performance escolar e no mercado de trabalho a longo prazo.
O programa PPP aumenta, para as mulheres, em cerca de 56% a probabilidade de conclusão do ensino secundário, e em 29% a probabilidade, para os homens, de terem emprego aos 40 anos. Além disso, os impactos de ambos os projetos vão para lá da dimensão cognitiva, levando mais tarde à diminuição do número de crimes ou do uso de drogas. Um estudo publicado em 2006 mostra bem a importância desta dimensão não cognitiva durante a vida adulta e no mercado de trabalho, nomeadamente em fatores como a motivação, a persistência e a autoestima. Contando com estes diversos benefícios, uma análise custo-benefício do programa PPP concluiu que por cada dólar investido aos 4 anos há um retorno entre os 60 e os 300 dólares aos 65 anos.
Outro dos mais famosos programas de ensino pré-escolar nos Estados Unidos da América é o programa «Head Start». Estabelecido em 1965, é direcionado a crianças entre os 3 e os 5 anos, sendo estas integradas em centros que pretendem desenvolver as suas capacidades cognitivas e não cognitivas. O programa abrange também a família, tendo como objetivo melhorar o ambiente da criança em casa, apoiando os pais no crescimento dos seus filhos, podendo estes também receber apoio médico ou à habitação. Os retornos do programa «Head Start», sobretudo a curto prazo, são heterogéneos e nem sempre positivos. Contudo, quando olhamos a longo prazo, o programa mostra ser mais robusto na diminuição da obesidade aos 12 e 13 anos, na depressão e obesidade aos 16 e 17 anos, e na diminuição da prática de crime entre os 20 e os 21 anos.
Programas abrangentes: mais impacto nos contextos desfavorecidos
Quando olhamos para programas mais abrangentes que pretendem trazer um caráter universal ao ensino pré-escolar, encontramos experiências na Noruega, no Quebec (Canadá) e ainda em vários estados dos Estados Unidos da América1. Um dos principais resultados que emergem destas análises é que o principal impacto acontece junto das crianças cujos contextos familiares são mais desfavorecidos. Tal é explicado, em grande medida, pelo facto de as alternativas ao dispor de crianças provenientes de meios socioeconómicos mais frágeis se distanciarem de forma mais contrastante dos programas de ensino pré-escolar.
Contudo, há uma outra e relevante conclusão destas experiências de universalização: os programas de ensino pré-escolar que demonstram ter maior impacto são aqueles que têm claramente uma qualidade de aprendizagem superior. Em particular, quando nos focamos nos Estados Unidos, existem programas de pré-escolar que acontecem em infantários com maior dimensão e organização e outros não. Os maiores retornos do ensino pré-escolar são aqueles em que os alunos estão nestes espaços maiores e mais organizados, tendo um impacto positivo na criança semelhante aquele do tempo passado com a mãe.
Referências
1 Para uma revisão deste e de outros programas ver (Sneha et al., 2015)
Carneiro, P., e Ginja, R., «Long-Term Impacts of Compensatory Preschool on Health and Behavior: Evidence from Head Start», American Economic Journal: Economic Policy, 6(4), 2014, pp. 135-173.
Heckman, J., Stixrud, J., e Urzua, S., «The effects of cognitive and noncognitive abilities on labor market outcomes and social behavior», Journal of Labor Economics, 24(3), 2006, pp. 411-482.
Heckman, J., Moon, J., Hyeok, S., Pinto, R., Savelyev, P., e Adam, Y., «The rate of return to the HighScope Perry Preschool Program», Journal of Public Economics, vol. 94(1-2), 2010, pp. 114-128.
Cunha, F., Heckman, J., e Schennach, S., «Estimating the technology of cognitive and noncognitive skill formation», Econometrica, 78(3), 2010, pp. 883-931.
Sneha, E., Garcia, J., Heckman, J., e Hojman, A., «Early Childhood Education», NBER Working Paper No. w21766, 2015.
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