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A 4 de dezembro, serão revelados os resultados do teste TIMSS 2023, estudo que fornece informação sobre o desempenho dos alunos do 4.º e 8.º anos de escolaridade em Matemática e em Ciências. Dada a tendência dos resultados dos alunos portugueses na última edição do estudo, em 2019, que rompia com a tendência de crescimento anterior, e as conclusões dos estudos internacionais recentemente publicadas, o que podemos esperar do desempenho em Portugal?

Desde 1995 e a cada quatro anos, a International Association for the Evaluation of Educational Achievement (IEA) tem conduzido um estudo internacional entre os alunos do 4.º e 8.º anos, o Trends in International Mathematics and Science Study (TIMSS), que avalia a literacia em Matemática e Ciências. A avaliação nestes dois domínios é feita num quadro de referência desenvolvido conjuntamente pela IEA e pelos países participantes. Esta avaliação tem por referência os programas escolares de Matemática e de Ciências e os conhecimentos e capacidades que os alunos de todo o mundo devem poder demonstrar nesses anos de escolaridade. Além de gerar informação sobre avaliação, o TIMSS contém informação sobre os contextos em que os alunos aprendem (por exemplo, os métodos de ensino, a perceção dos alunos sobre as suas competências e o contexto socioeconómico dos alunos).

Como tem evoluído Portugal?

Em 2019, decorreu a sétima edição deste estudo. Portugal participou no TIMSS do 4.º ano nas edições de 1995, 2011, 2015 e 2019. No do 8º ano, só participou nas edições de 1995 e 2019.

A figura 1 mostra os resultados do desempenho dos alunos portugueses em Matemática e em Ciências ao longo das últimas edições (o ponto central da escala TIMSS é de 500 pontos).

 

Figura 1: Evolução do desempenho dos alunos em Matemática e Ciências em Portugal

 

No TIMSS 2019, para os alunos do 4.º ano, participaram 58 países e regiões/sistemas educativos, mais 6 regiões em benchmarking (isto é, participam no estudo para fornecer dados e perspetivas comparativas). No ciclo mais recente, para este nível de escolaridade, Portugal ocupava a 20.ª posição em Matemática (média de 525 pontos). Já em Ciências, Portugal ocupava a 33.ª posição (média de 504 pontos). Estes resultados indicaram que os alunos portugueses, de 2015 para 2019, pioraram em ambos os domínios. Portugal registou uma descida estatisticamente significativa de 16 pontos relativamente aos resultados de 2015 em Matemática e uma descida, estatisticamente não significativa, de 4 pontos em Ciências comparativamente com a edição de 2015.

No teste TIMSS do 8.º ano, participaram 45 países e regiões/sistemas educativos e 7 regiões em benchmarking. A posição de Portugal, no domínio de Matemática e neste ano de escolaridade, era a 18.ª (média de 500 pontos). Já em Ciências, Portugal ocupava a 13.ª posição (média de 519 pontos). Dado o largo período de 24 anos que decorreu entre a participação de Portugal nas duas edições do TIMSS para o 8º ano, centrar-nos-emos, a partir daqui, nos resultados dos alunos do 4.º ano.

O TIMSS permite classificar o desempenho dos alunos em graus crescentes de conhecimentos e competências nos domínios de Matemática e Ciências, hierarquizando o desempenho dos alunos em quatro níveis de proficiência: baixo, intermédio, elevado e avançado. Vejamos a distribuição dos resultados (Figura 2).

 

 

Figura 2: Distribuição dos níveis de proficiência em Matemática e Ciências em Portugal — 4.º ano

 

Em Portugal, cerca de 1 em cada 10 alunos (9%) alcançou o nível avançado em Matemática, demonstrando capacidade de aplicar conhecimentos e compreensão em situações relativamente complexas e de justificar o seu raciocínio. Em Ciências, apenas 2% dos alunos chegaram ao nível mais elevado. As percentagens de alunos abaixo do nível básico em Matemática e Ciências foram de 5% e 7%, respetivamente.

Comparado com 2015, diminuiu a percentagem de estudantes portugueses que atingiram os níveis de proficiência intermédio, elevado e avançado em Matemática, ao passo que, em Ciências, a percentagem de alunos que alcançaram o nível intermédio também desceu.

A análise dos níveis de proficiência em Matemática revela que aumentou o intervalo entre os alunos com desempenho elevado e os alunos com desempenho baixo. Entre 2015 e 2019, a percentagem de bons alunos diminuiu três pontos percentuais, enquanto a percentagem de alunos com baixo desempenho (nível baixo ou inferior) subiu oito pontos percentuais.

Além dos resultados gerais em Matemática e Ciências, o TIMSS também apresenta o desempenho dos alunos participantes em diferentes áreas de conteúdo desses domínios. Em Matemática, as áreas consideradas pela IEA são Dados, Números, Medida e Geometria; em Ciências, são Ciências da Terra, Ciências da Vida e Ciências Físicas. Na edição mais recente do estudo, os resultados dos alunos pioraram em quase todas as áreas de conteúdo de Matemática e Ciências, quando comparados com 2015 e 2011. Em Matemática, destaca-se a redução significativa dos resultados em Medida, Geometria e Dados, e em Números, os resultados de 2019 regressaram mesmo aos níveis observados em 2011.

Vejamos agora a distribuição dos resultados do TIMSS por género (Figura 3).

 

Figura 3: Média do desempenho dos alunos em Matemática e Ciências por género em Portugal — 4º ano

 

Em 2019, manteve-se a tendência de os rapazes obterem um desempenho superior nos dois domínios. Em Matemática, alcançaram uma média de 533 pontos, enquanto as raparigas obtiveram 516 pontos. Em Ciências, a média de desempenho dos rapazes foi de 506 pontos, comparada aos 501 pontos das raparigas. A vantagem dos rapazes já se verificava em edições anteriores do TIMSS em ambos os domínios. No entanto, em Matemática, essa diferença tem-se acentuado progressivamente.

O que pode ter influenciado a deterioração do desempenho dos alunos em 2019?

Os resultados apresentados mostram uma degradação dos resultados dos alunos do 4.º ano em Matemática entre 2015 e 2019. O contexto familiar (e. g., nível de escolaridade dos pais, recursos em casa…), o contexto escolar, bem como as políticas educativas de cada país, podem influenciar o desempenho dos alunos. Para os alunos que participaram no estudo de 2019, comparativamente com os que participaram no de 2015, aumentou o número de anos de escolaridade das mães e o de alunos que frequentaram a pré-escola. Estes indicadores seriam benéficos no desempenho dos alunos portugueses.

Assim, poder-se-á concluir que possíveis explicações para a variação do desempenho dos alunos no TIMSS 2019 estarão relacionadas com o contexto de escola e/ou com a implementação, nos últimos anos, de novas políticas educativas em Portugal. Por exemplo, a abolição das provas nacionais no final do primeiro ciclo, bem como as alterações nas medidas educativas de reforço de horas a Matemática e a obrigatoriedade de frequência de apoio ao estudo, são, provavelmente, algumas das causas da evolução observada dos resultados dos alunos do 4.º ano a Matemática e a Ciências.

Que resultados se preveem para os alunos portugueses?

Os primeiros testes internacionais em larga escala realizados após o encerramento global das escolas devido à pandemia de covid-19, o PIRLS 2021 e o PISA 2022, revelaram perdas de aprendizagem significativas dos alunos de diversas partes do mundo. Os estudos baseados nos dados destes dois estudos internacionais mostraram que as perdas de aprendizagem variam de acordo com o país e correspondem à perda de aprendizagem de meio até um ano (como mostraram Maciej Jakubowski, Tomasz Gajderowicz e Harry Patrinos em 2023). Tal como esperado, na maioria dos países e regiões diminuiu o desempenho académico, embora nos resultados médios tenham progredido em alguns países, apesar das dificuldades impostas pela pandemia. Em muitos desses países, as recentes perdas de aprendizagem, como indicam Nuno Crato e Harry Patrinos numa análise de 2024, vêm-se somar a défices anteriores, indicando desafios contínuos para a educação global no período pós-pandémico.

Um estudo recente baseado nos dados do PISA 2022 mostra que a diminuição do desempenho dos alunos portugueses não se deve apenas à pandemia: a queda começou antes do surto e piorou, segundo João Marôco, possivelmente, devido às reformas educacionais implementadas após 2015. A queda no desempenho dos alunos em avaliações internacionais pode também ser atribuída a outros fatores, como a desvalorização de exames nacionais externos. Por exemplo, em Portugal, durante a pandemia, as escolas estiveram fechadas 184 dias. Ao comparar as perdas de aprendizagem de países com uma duração semelhante no número de dias de encerramento das escolas, Portugal teve quase o dobro das perdas nas aprendizagens dos alunos em leitura e matemática.

Estas perdas contrariam um estudo feito em 2023 pela Direção-Geral das Estatísticas de Educação indicando que, nos 4º e 9.º anos, houve um aumento estatisticamente significativo nas médias internas dos alunos em Português, Matemática e Ciências Naturais, no ano letivo 2021/2022 comparativamente com o de 2017/2018. Estes resultados de avaliações internas não estão de acordo nem com as conclusões baseadas na comparação entre o TIMSS 2015 e o de 2019, nem na comparação entre o PIRLS 2015 e o de 2021.

Assim, dado que as perdas de aprendizagem dos alunos portugueses já se observavam em 2019, na pré-pandemia, e agora vão incluir o período de encerramento das escolas, é possível que os resultados do TIMSS 2023 venham corroborar as conclusões baseadas noutros estudos internacionais pós-pandemia (PISA 2022 e o PIRLS 2021). Daqui a poucos dias saberemos.

Referência bibliográfica

Crato, N., & Patrinos, H. A. (Eds.) (2024). Improving National Education Systems After COVID-19: Moving Forward After PIRLS 2021 and PISA 2022. Springer Cham. https://link.springer.com/book/10.1007/978-3-031-69284-0

DGEEC. (2023b). Resultados escolares por disciplina. Fórum estatístico. http://www.dgeec.mec.pt/np4/61/

Jakubowski, M., Gajderowicz, T., & Patrinos, H. A. (2023). Global learning loss in student achievement: First estimates using comparable reading scores. Economics Letters, 0078(3), 111313.

Marôco, J. (2018). O Bom Leitor: Preditores da Literacia de Leitura dos Alunos Portugueses no PIRLS. Revista Portuguesa de Educação, 31(2), 115–131. https://doi.org/10.21814/rpe.13768

Marôco, J. (2024). Portugal: COVID-19 Learning Losses Through the Lenses of ILSA and Local Low Stake Assessments. Em N. Crato e H. A. Patrinos. Improving National Education Systems After COVID-19: Moving Forward After PIRLS 2021 and PISA 2022 (pp. 135-152). Springer Cham. https://link.springer.com/book/10.1007/978-3-031-69284-0

OECD (2020). PISA 2018 Results (Volume V): Effective Policies, Successful Schools. OECD Publishing. https://doi.org/10.1787/ca768d40-en

OECD (2019a). PISA 2018 Results (Volume I): What Students Know and Can Do. OECD Publishing. https://doi.org/10.1787/5f07c754-en

OECD (2019b). PISA 2018 Results (Volume II): Where All Students Can Succeed. OECD Publishing. https://doi.org/10.1787/b5fd1b8f-en

AUTOR

Patrícia Costa é professora no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, na Escola de Tecnologias Aplicadas - Iscte-Sintra, na área de Estatística. É, também, investigadora na área de Estatística da Educação no ISTAR - Centro de Investigação em Ciências da Informação, Tecnologias e Arquitetura. É doutorada na área de Estatística/Psicometria e completou o mestrado e licenciatura na área de Matemática.

A sua investigação foca-se em tópicos de Avaliação Educacional, Estatística Aplicada, Educação Comparativa e Psicometria. A maior parte da investigação que tem feito incide na análise estatística de bases de dados internacionais (por exemplo, PISA, PIAAC, PIRLS, ICCS, TIMSS, TALIS) e na validação de novos instrumentos e inquéritos.

Tem experiência de investigação e de prestação de apoio técnico a decisores políticos no Joint Research Centre (JRC) da Comissão Europeia, onde desenvolveu, entre outros, trabalho relacionado com a utilização e construção de bases de dados. É autora/co-autora de diversos artigos científicos em revistas internacionais, capítulos de livros e relatórios técnicos. Começou a sua vida profissional como professora do Ensino Básico e Secundário e tem experiência na lecionação de Matemática e Estatística no Ensino Superior.

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