Que estratégias de aprendizagem funcionam, segundo a ciência? E que partido retiram professores e alunos desse conhecimento?
A investigação tem vindo a mostrar que as estratégias de aprendizagem mais eficazes não são as mais populares ou as mais utilizadas dentro e fora da sala de aula.(1,2,3,4) Para aumentar o poder de aprendizagem, uma das estratégias comprovadamente mais eficaz é a Prática da Recuperação.
Reler ou recitar? Resumir ou testar? Recapitular ou perguntar? E se a avaliação não servir apenas para classificar, mas sobretudo para aprender? Há muito que a ciência demonstrou que a (auto-)avaliação de conhecimentos constitui um dos meios mais eficazes de aprendizagem. O êxito desta estratégia deve-se ao fortalecimento da memória a longo prazo, por recurso ao processo que melhor a consolida: a recuperação da informação. Genericamente, a memória de uma aprendizagem é reforçada pelo acto e pelo esforço de recordação da mesma, e a auto-avaliação de conhecimentos constitui a forma mais eficaz de exercitar essa recordação. Cientificamente designada por Prática da Recuperação, a eficácia desta estratégia é transversal a todos os níveis de escolaridade e tipos de conteúdos (desde conceptuais a motores). Por estranho que pareça, a ciência demonstra-o de forma consistente: se quiser reforçar o que aprendeu, não comece por reler. Comece por se pôr à prova.
Já todos ouvimos a expressão «puxar pela cabeça», e muitos de nós já tivemos a experiência de passar a recordar melhor uma informação que nos obrigou a um esforço de memória. A Psicologia Cognitiva chama-lhe efeito de teste.(1) Este efeito resulta da evidência experimental de que a simples recuperação da informação produz a consolidação do traço mnésico na memória a longo prazo, ou seja, o acto de recordar a informação reforça a aprendizagem. Na investigação aplicada, o efeito de teste traduz-se na estratégia de prática da recuperação, que consiste em exercitar a recordação dos conteúdos aprendidos através da avaliação individual e frequente dos mesmos. Esta estratégia permite, por um lado, a consolidação dos conhecimentos e, por outro, a respetiva monitorização para determinar a qualidade da aprendizagem e identificar eventuais lacunas.
A prática da recuperação é aplicável em sala de aula e como método de estudo autónomo(10,20) , podendo assumir a forma de exercícios de auto-avaliação ou de avaliações formativas intermédias. Estas avaliações dispensam qualquer classificação quantitativa (ou outra), ainda que possam associar-se pontuações calculadas pelos alunos para feedback e auto-monitorização, ou atribuir às avaliações formativas pequenas percentagens da classificação final, como forma de incentivo ao estudo regular.(2,3,17)
Quem tem medo da avaliação? Benefícios cognitivos e emocionais da Prática da Recuperação
Sucessivas revisões da investigação confirmam a eficácia educativa da prática da recuperação numa grande amplitude de conteúdos e em todos os níveis de escolaridade.(2,3,5,9,10,17,17a) Do mesmo modo, estudos de metanálise, que comparam a eficácia de um largo espectro de estratégias, apontam sistematicamente para a superioridade desta prática face à maioria das estratégias de aprendizagem disponíveis. A título de exemplo, uma metanálise de 228 metanálises(!)(6), abrangendo mais de 400 estratégias de aprendizagem, destaca a validade científica da prática da recuperação para efeitos de aplicabilidade, generalização e eficácia na consolidação dos conhecimentos. Contudo, o recurso a esta estratégia não é proporcional à demonstração da sua evidência. Alguma investigação dos métodos de estudo mais utilizados pelos alunos aponta para a preferência por estratégias com eficácia bem mais modesta, como sejam, reler ou sublinhar conteúdos(4,19). Comparativamente à prática da recuperação, que contribui para uma aprendizagem duradoura, estas estratégias produzem uma ilusão de conhecimento pelo efeito de retenção imediata da informação, mas revelam-se ineficazes para uma retenção a médio e longo prazo.(2,7,10)
Além dos benefícios temporais, a auto-monitorização das aprendizagens favorece o desenvolvimento de competências metacognitivas, tais como, a auto-avaliação, a auto-regulação ou a metamemória.(10,14) A investigação mostra ainda que a antecipação, por parte dos alunos, da (auto-)avaliação de conhecimentos aumenta a focalização na aprendizagem e a adopção de práticas de estudo mais frequentes e regulares.(1,2,3) Por último, atendendo à controvérsia em torno dos riscos da avaliação(17), os resultados de investigação apontam para uma diminuição da ansiedade em situações de avaliação sumativa quando os alunos praticam regularmente avaliações formativas intermédias.(1,7)
Como aplicar a Prática da Recuperação
Conforme referido, a aplicação da prática da recuperação visa o reforço e consolidação das aprendizagens através da testagem repetida(2) de conhecimentos. Para o efeito, a investigação propõe o recurso a tarefas como:
- (Mini)testes formativos ou questionários com perguntas em formatos diversos (ex., questões abertas, de escolha múltipla ou de completamento de ideias). Um aspecto relevante diz respeito ao uso de questões de escolha múltipla. Este formato apela a processos de recuperação essencialmente baseados no reconhecimento da informação, por contraste com questões de resposta aberta (e similares) que fazem uso de processos de evocação livre. Estes últimos implicam maior esforço cognitivo e tendem a produzir melhores resultados de aprendizagem, porque promovem mais eficazmente a consolidação do traço de memória. Contudo, dados da investigação mostram que a desvantagem das questões de escolha múltipla pode ser minimizada adoptando estratégias que incluam: a) pedir aos alunos que justifiquem a opção pela resposta seleccionada (o que pode incluir as razões de uma opção e também as razões para a exclusão das restantes opções), b) adoptar o formato de escolha múltipla para informação essencialmente factual, e c) contemplar na mesma questão factos ou conceitos relacionados entre si (isto porque a apresentação conjunta de informação referente a diferentes temas aumenta o risco de recuperação de informação plausível, mas errada – i.e., de recuperação de informação correcta no contexto de um determinado tema, mas incorrecta no contexto da questão em causa.).(15,16)
- Exercícios de aplicação, como a escrita de ensaios ou a resolução de problemas. A aplicação de conhecimentos requer a articulação entre as aprendizagens recentes e o conhecimento prévio, para produzir novas formulações conceptuais ou para resolver problemas. Este processo, experimentalmente conhecido como efeito de geração(3), reforça a memória das aprendizagens realizadas (pela recuperação da informação) e o desenvolvimento de competências metacognitivas como a generalização e transferência de conhecimentos.(17,20)
- Evocação escrita de toda a informação recordada acerca de um tópico específico(3,20). Esta estratégia, conhecida por PUREMEM (do inglês, Pure Memory ou Practicing Unassisted Retrieval to Enhance Memory for Essential Material) designa o procedimento de prática da recuperação livre, que revela resultados eficazes não só para conteúdos teóricos como para aprendizagens inferenciais e procedimentais (conforme revela um interessante estudo aplicado ao ensino de estatística, cujos resultados mostraram que o mesmo grupo de estudantes teve um desempenho significativamente melhor na avaliação sumativa de conteúdos sujeitos a uma breve testagem no final de cada aula, comparativamente com conteúdos que não beneficiaram deste procedimento).(21)
- Uso de flashcards (cartões com questões a que o aluno tenta responder antes de consultar a resposta no verso).(1,3,5,17)
- Recurso ao método de «ler-recitar-rever»(4,8) para o estudo de conteúdos teóricos em suporte escrito (como por exemplo, em manuais). Implica: a leitura do material de estudo, evocar em voz alta (ou escrever) tudo o que se consegue recordar, e finalmente comparar a evocação com o material original. Esta estratégia promove a consolidação das aprendizagens e demonstra maior eficácia do que tomar notas ou repetir a leitura.(10) Na aplicação deste método (e similares) é fundamental garantir que a consulta dos materiais seja feita apenas no final da evocação, para assegurar o esforço de recuperação e minimizar o risco de enviesamento da auto-avaliação.(17) A evocação em voz alta tão-pouco é um aspecto despiciendo, uma vez que se associa (na gíria experimental) ao efeito de produção. A título de exemplo, a aplicação deste efeito à investigação educacional mostra que a leitura de textos em voz alta produz uma maior recordação dos conteúdos lidos por comparação com a leitura em voz baixa, e que essa vantagem é duradoura e transversal a diferentes tipos de textos.(18)
- Braços no ar… mas devagar! – A simples estratégia de questionar o grupo-turma pode constituir uma ferramenta útil para promover colectivamente a prática da recuperação, em lugar de beneficiar apenas os alunos que têm a informação mais bem consolidada ou presente na memória a curto prazo. Basta para isso fazer uma breve pausa entre a realização da pergunta e o pedido de resposta. Este simples procedimento permite que todos os alunos disponham de tempo para um esforço de recuperação, o que, aliado à comparação com a resposta correcta, promove a consolidação das aprendizagens (mesmo que a resposta evocada esteja incorrecta).(17)
Requisitos de Aplicação
A eficácia da prática da recuperação depende não só do tipo de tarefas utilizadas, mas também da qualidade da aplicação, e em particular da observação de requisitos como: a) as tarefas de avaliação devem implicar um esforço de recuperação minimamente moderado e individual. Tendencialmente, quanto maior o esforço de recuperação (da informação adquirida), maior é a probabilidade de reconsolidação da aprendizagem e menor é o risco de esquecimento; b) deve (auto)monitorizar-se o grau e a qualidade da informação recuperada, para identificar eventuais erros ou lacunas; neste sentido, c) o feedback do professor é indispensável e deve ser explicativo, não se limitando a indicar apenas a precisão da resposta, mas justificando-a (e o mesmo se aplica a autocorrecção no estudo autónomo); d) a prática da recuperação deve ocorrer durante o processo de aprendizagem, e não exclusivamente na sua fase final.(1,2,6,10,14,20)
A reter: serve para aprender, não para avaliar
- A prática da recuperação é uma estratégia de aprendizagem, não de avaliação. A sua elevada eficácia deve-se ao exercício de recuperação da informação e à consequente consolidação da aprendizagem na memória a longo prazo.
- As tarefas utilizadas para a recuperação da informação devem ser diversificadas e implicar algum grau de esforço cognitivo e individual.
- A consistência e rigor da aplicação são determinantes dos resultados desta estratégia, e incluem: a monitorização da qualidade das aprendizagens, o feedback elaborativo e a prática sistemática (em detrimento da prática ocasional).
- A prática da recuperação pode combinar-se com outras estratégias em sala de aula e deve estender-se às tarefas de estudo autónomo. O meio de resposta às tarefas também pode ser diversificado e incluir o recurso a plataformas e ferramentas digitais que permitem a visualização conjunta das tarefas e a obtenção de feedback imediato.
- A utilidade da prática da recuperação é transversal à generalidade das aprendizagens escolares, níveis de ensino e faixas etárias, e acarreta comprovados benefícios cognitivos e metacognitivos para os alunos. Neste sentido, a evidência e conhecimento acumulados encerram um vasto potencial de aplicação pedagógica, quer para a concepção de práticas e ferramentas didácticas, quer para a conceptualização de decisões educativas mais amplas.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
Referências
(1) ROEDIGER, H.L. III, NESTOJKO, J.F., e SMITH, N., «Strategies to improve learning and retention during training», em M.D. Mathews e D.M. Schnyer (Eds.), The Cognitive and Behavioral Neuroscience of Human Performance in Extreme Settings, Nova Iorque, Oxford University Press, 2019.
(2) AGARWAL, P. K., e ROEDIGER III, H. L., «Lessons for learning: How cognitive psychology informs classroom practice», Phi Delta Kappan, 100(4), 2018, pp. 8-12.
(3) WEINSTEIN, Y., MADAN, C. R., e SUMERACKI, M. A., «Teaching the science of learning», Cognitive Research: Principles and Implications, 3(2), 2018.
(4) MIYATSU, T., NGUYEN, K., e MCDANIEL, M. A. (2018). «Five popular study strategies: their pitfalls and optimal implementations», Perspectives on Psychological Science, 13(3), 2018, pp. 390-407.
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(9) PASHLER, H., BAIN, P. M., BOTTGE, B. A., GRAESSER, A., KOEDINGER, K., MCDANIEL, M., e METCALFE, J., Organizing instruction and study to improve student learning. IES practice guide, NCER 2007–2004, National Center for Education Research, 2007.
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(14) HUGHES, C. A., e LEE, J.-Y., «Effective Approaches for Scheduling and Formatting Practice: Distributed, Cumulative, and Interleaved Practice», TEACHING Exceptional Children, 51(6), 2019, pp. 411-423.
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(17a) ADESOPE, O. O., TREVISAN, D. A., e Sundararajan, N. (2017). «Corrigendum. Rethinking the use of tests: A meta-analysis of practice testing», Review of Educational Research, 87(3), 2017, NP1–NP1.
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(20) BAE, C. L., THERRIAULT, D. J., e REDIFER, J. L., «Investigating the testing effect: Retrieval as a characteristic of effective study strategies», Learning and Instruction, 60, 2019, pp. 206-214.
(21) LYLE, K. B., e CRAWFORD, N. A., «Retrieving essential material at the end of lectures improves performance on statistics exams», Teaching of Psychology, 38(2), 2011, pp. 94-97.
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