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Quem não se lembra de estudar matemática praticando sucessivamente o mesmo tipo de exercícios? Ou de treinar repetidamente uma habilidade musical ou desportiva? O treino massivo é uma estratégia popular para a consolidação da aprendizagem. No entanto, a investigação indica que o estudo alternado de matérias diferentes é mais eficaz. Há até uma estratégia que alia essa prática a benefícios para a aprendizagem, o raciocínio e a atenção: é a prática intercalada e tem provas dadas em sala de aula.

O que é a prática intercalada?

A prática intercaladaa consiste no treino alternado de diferentes conteúdos de uma mesma disciplina. Para isso, as tarefas de treino são organizadas segundo uma sequência que previne a apresentação consecutiva de dois exercícios do mesmo tipo (figura em baixo). Esta alternância pode utilizar-se para a consolidação de conteúdos distintos (como, por exemplo, o treino de diferentes tipos de operações aritméticas), ou para a consolidação de subcategorias de conteúdos (como, por exemplo, o treino de diferentes algoritmos de resolução de uma operação).

Sabe-se há muito que o ensino deve ser organizado, progressivo e sistemático. Não se consegue aprender a subtrair antes de ter passado algum tempo a aprender a somar. E como o que se aprende se constrói em cima do que já está aprendido, é normal e saudável que o ensino seja organizado por temas. Mas algo diferente se passa com o treino e recuperação de tópicos. Aí, os resultados da investigação são claros: a prática intercalada tem grandes vantagens sobre a prática em blocob (como comprovam os benefícios que a seguir se apresentam)1,2,3,4,7.

A que matérias se aplica?

No domínio da matemática, a prática intercalada acumula evidência de eficácia em todos os níveis de ensino.5,6,7,8 Gradualmente, a investigação tem vindo a estender-se a outros domínios e a mostrar a utilidade desta estratégia no treino de habilidades motoras (como a prática de um instrumento musical ou de uma habilidade desportiva) e na consolidação da aprendizagem de conteúdos baseados em categorias semânticas, como gramática e vocabulário de uma língua estrangeira, ou conteúdos categoriais nas ciências e nas artes (como a classificação de compostos químicos ou de estilos artísticos).4, 9,10,11,14,15

Quais os benefícios desta estratégia? 

Efeito “3 em 1”: melhora a aprendizagem, estimula o raciocínio e promove a atenção.

1. Benefícios para a aprendizagem: mais conhecimento por mais tempo 

Comparativamente à prática em bloco, a prática intercalada é uma estratégia mais eficaz para a consolidação de conhecimentos e aumenta a duração da aprendizagem. Num estudo realizado na disciplina de Matemática, com 126 alunos de 7.º ano, os investigadores compararam o efeito da prática intercalada e da prática em bloco na aprendizagem de equações lineares e cálculo de declive. Concluída a aprendizagem, os alunos realizaram um exercício de revisão, a que se seguiu, um dia depois e 30 dias depois, uma tarefa de avaliação incidental (i.e., realizada sem aviso prévio). Os resultados mostraram que, para o mesmo tempo de aprendizagem, as turmas que alternaram o treino das matérias (prática intercalada) apresentaram significativamente mais conhecimento e menor esquecimento do que as turmas que treinaram os conteúdos de forma sequencial e independente (prática em bloco) (imagem ao lado).8 

Mais recentemente, a extensão deste estudo a 54 turmas de 7.º ano produziu resultados semelhantes na avaliação final de quatro tipos de matérias: gráficos, desigualdades, expressões e círculos.6

Uma das explicações para a vantagem da prática intercalada reside no processo de alternância entre a recuperação de aprendizagens actuais (activas na memória de trabalho) e a recuperação de aprendizagens prévias (armazenadas na memória de longo prazo). Este processo favorece a consolidação dos traços de memória e reforça a aprendizagem de conteúdos actuais e anteriores. Já a prática em bloco promove unicamente a aprendizagem intensiva de conteúdos recentes. Neste sentido, a prática intercalada acumula os benefícios das estratégias de espaçamento e de recuperação. 2,5,6 

2. Benefícios para o raciocínio indutivo

Uma das limitações da prática em bloco é a de promover essencialmente o treino da aplicação de uma determinada resposta ou estratégia de resolução de uma tarefa (como acontece no treino massivo do mesmo tipo de exercícios de matemática ou de um determinado tempo verbal – ao ponto de frequentemente tornar dispensável a leitura do enunciado).6 Uma vez que a estratégia de resolução está previamente definida ou é facilmente identificável, este treino de aplicação favorece a mecanização da resposta, mas enfraquece a compreensão do constructo que lhe corresponde (por exemplo, subtracção ou tempo verbal). Em contrapartida, a prática intercalada, ao diversificar os conteúdos treinados, exige que os alunos identifiquem e seleccionem uma estratégia de resolução (ou resposta) antes de procederem à respectiva aplicação (como acontece, por exemplo, no treino alternado de problemas de adição e de multiplicação, ou de diversos tipos de exercícios de gramática)13. Esta análise mobiliza competências como a comparação de conteúdos, a identificação de padrões, a antecipação de resultados e a decisão quanto à estratégia a aplicar, favorecendo não só a aplicação de conhecimentos, mas também a capacidade de raciocínio indutivo.8,14,15 

A título de exemplo, num estudo sobre os efeitos do tipo de prática na aprendizagem de categorias de compostos orgânicos, os alunos que treinaram alternadamente categorias distintas apresentaram melhor desempenho numa tarefa de classificação de novos compostos (i.e., categorias não estudadas) do que os alunos que praticaram em bloco cada uma das categorias estudadas.14 Estes resultados replicaram, com conteúdos científicos, os resultados de um estudo anterior que analisou a aprendizagem de estilos de pintura de diferentes pintores. Neste estudo, quando os participantes estudaram alternadamente6 estilos diferentes (prática intercalada), desempenharam significativamente melhor numa tarefa de identificação dos autores de novas pinturas (nunca antes apresentadas) do que os participantes que estudaram outros6 estilos sequencialmente (prática em bloco) (imagem em baixo).15 Genericamente, a investigação aponta para a vantagem da prática intercalada, não só para a consolidação dos conteúdos, como também para a realização de aprendizagens indutivas em tarefas futuras.

3. Benefícios para a atenção

Além de promover a automatização das respostas, a prática em bloco, ou o treino repetido dos mesmos conteúdos, diminui a necessidade de investimento atencional na tarefa. Esta diminuição da exigência atencional acarreta a desmobilização de recursos cognitivos (como, por exemplo, recursos de memória) e prejudica a consolidação da aprendizagem. Além disso, a realização prolongada de tarefas semelhantes prejudica a capacidade de focalização da atenção e aumenta o risco de divagação mental. Em sentido oposto, a alternância de conteúdos, na prática intercalada, actualiza sucessivamente a novidade dos estímulos e o desafio cognitivo, contribuindo para a manutenção da atenção e a persistência nas tarefas.8,11 

Como se aplica a prática intercalada? 

Requisitos

Para uma aplicação eficaz, a investigação recomenda:

  1. a monitorização do grau de aprendizagem inicial dos conteúdos a intercalar, assegurando a respectiva aquisição. Não se trata, claro, de praticar tópicos que ainda não tenham um mínimo de consolidação. Dependendo da complexidade dos conteúdos e do nível de conhecimento prévio dos alunos, poderá ser necessária uma abordagem mais ou menos intensiva e sequencial para a aquisição das matérias, seguida da prática intercalada para a respectiva consolidação;2,5 
  2. a correcção atempada e informativa do desempenho nas tarefas de treino, para garantir uma aprendizagem e consolidação de conhecimentos isentas de erros.

Alguns exemplos de aplicação incluem: 

  1.  alternar o treino de subtópicos do mesmo conteúdo. Por exemplo, intercalar o cálculo do volume de diferentes sólidos geométricos, em lugar de praticar cada fórmula de modo sequencial e independente5, ou, no caso de um verbo de uma língua estrangeira, intercalar a aprendizagem de diferentes formas de conjugação do passado10
  2.  alternar a consolidação de conteúdos distintos. Por exemplo, intercalar o cálculo do volume de sólidos geométricos com a resolução de fracções5. Para isso, importa ordenar as tarefas, de modo a prevenir a apresentação consecutiva de dois conteúdos idênticos;
  3.  intercalar o treino dos conteúdos com exercícios de (auto-)avaliação e monitorização das aprendizagens, potenciando os benefícios conjuntos da prática intercalada e da prática da recuperação;6  
  4.   aplicar a prática intercalada no estudo autónomo, quer através da integração da estratégia nos exercícios de consolidação facultados pelo/a professor/a, quer através do ensino da estratégia aos alunos como método de estudo;1 
  5.   adoptar a prática intercalada remota para os conteúdos cuja aprendizagem se pretende prolongar, intercalando a aprendizagem de novos conteúdos com o treino espaçado de conteúdos anteriores, combinando os benefícios da prática intercalada e da prática espaçada;5 
  6.  reorganizar os materiais didácticos para a consolidação intercalada dos conteúdos, atendendo a que a investigação revela o predomínio da prática em bloco na organização dos materiais didácticos (como manuais e livros de exercícios, que se baseiam na introdução de um conteúdo específico, seguido do treino intensivo do mesmo, findo o qual se procede à introdução de novo conteúdo). Esta organização dos materiais condiciona as estratégias pedagógicas e de estudo, e impede os benefícios que decorrem da prática intercalada.5,6,8

Exequibilidade e facilidade de aplicação 

Por último, dados recentes de investigação apontam para uma percepção positiva dos professores acerca da eficácia e exequibilidade desta estratégia. Mesmo na ausência de formação específica prévia, os professores do já citado estudo de Rohrer e colaboradores (2019) consideraram a estratégia de fácil aplicação no ensino da Matemática e, ainda, eficaz e útil para a generalidade dos alunos, incluindo os que apresentam um baixo desempenho académico.6

 

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

Referências

Do inglês, interleaved practice.

b Do inglês, blocked practice.

1 Weinstein, Y., Madan, C. R., & Sumeracki, M. A., «Teaching the science of learning», Cognitive Research: Principles and Implications, 3(2), 2018.

2 Dunlosky, J., Rawson, K. A., Marsh, E. J., Nathan, M. J., & Willingham, D. T., «Improving students’ learning with effective learning techniques: promising directions from cognitive and educational psychology», Psychological Science in the Public Interest, 14, 2013, pp. 4-58.

3 Hughes, C. A., & Lee, J.-Y., «Effective Approaches for Scheduling and Formatting Practice: Distributed, Cumulative, and Interleaved Practice», Teaching Exceptional Children, 51(6), 2019, pp. 411-423.

4 Kang, S. H., «The benefits of interleaved practice for learning», em From the Laboratory to the Classroom, Routledge, 2016, pp. 91-105.

5 Foster, N. L., Mueller, M. L., Was, C., Rawson, K. A., & Dunlosky, J., «Why does interleaving improve math learning? The contributions of discriminative contrast and distributed practice», Memory & cognition, 47(6), 2019, pp. 1088-1101.

6 Rohrer, D., Dedrick, R. F., Hartwig, M. K., & Cheung, C. N., «A randomized controlled trial of interleaved mathematics practice», Journal of Educational Psychology, Advance online publication, 2019.

7 Nemeth, L., Werker, K., Arend, J., Vogel, S., & Lipowsky, F., «Interleaved Learning in Elementary School Mathematics: Effects on the Flexible and Adaptive Use of Subtraction Strategies», Frontiers in psychology, 10, 2019, 86.

8 Rohrer, D., Dedrick, R. F., & Stershic, S., «Interleaved practice improves mathematics learning», Journal of Educational Psychology, 107(3), 2015, pp.  900-908.

9 Nakata, T., & Suzuki, Y., «Mixing Grammar Exercises Facilitates Long‐Term Retention: Effects of Blocking, Interleaving, and Increasing Practice», The Modern Language Journal, Advance online publication, 2019.

10 Pan, S. C., Tajran, J., Lovelett, J., Osuna, J., & Rickard, T. C., «Does interleaved practice enhance foreign language learning? The effects of training schedule on Spanish verb conjugation skills», Journal of Educational Psychology, Advance online publication, 2019. 

11 Eglington, L. G., & Kang, S. H., «Interleaved presentation benefits science category learning», Journal of Applied Research in Memory and Cognition, 6(4), 2017, pp. 475-485.

12 Carter, C. E., & Grahn, J. A., «Optimizing music learning: exploring how blocked and interleaved practice schedules affect advanced performance», Frontiers in psychology, 7, 2016, 1251.

13 Ziegler, E., & Stern, E., «Delayed benefits of learning elementary algebraic transformations through contrasted comparisons», Learning and Instruction, 33, 2014, pp. 131-146.

14 Birnbaum, M. S., Kornell, N., Bjork, E. L., & Bjork, R. A., «Why interleaving enhances inductive learning: The roles of discrimination and retrieval», Memory & cognition, 41(3), 2013, pp. 392-402.

15 Kornell, N., & Bjork, R. A., «Learning concepts and categories: Is spacing the “enemy of induction”?», Psychological science, 19(6), 2008, pp. 585-592.

AUTOR

Célia Oliveira é Doutorada em Psicologia Experimental e Ciências Cognitivas pela Universidade do Minho, com uma tese sobre o papel de processos atencionais na Capacidade Memória Operatória. Pela mesma universidade, licenciou-se em Psicologia com pré-especialização em Psicologia Escolar e da Educação, e completou um Mestrado em Psicologia Clínica.

Atualmente é docente na Universidade Lusófona do Porto, onde é responsável por unidades curriculares no domínio da Cognição (Psicologia da Memória e Psicologia da Atenção) e da Psicologia da Educação (Psicologia da Educação e Psicologia Escolar). É membro do HEI-Lab - Digital Human-Environment Interaction Lab, da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, e integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho. Os seus interesses e atividade de investigação contemplam os domínios da Aprendizagem, Atenção e Memória Humana.

Detém experiência continuada de prática clínica com crianças e adolescentes, e tem exercido atividades de consultoria científica em projetos de investigação, bem como consultoria técnica em contextos de atuação comunitária.

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