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Recomendo muitas vezes aos meus alunos que leiam em voz alta o que escreveram, para que lhes seja mais fácil detetar erros de redação. Não tinha provas que fundamentassem este conselho… até hoje. Num estudo de C. Cushing e G. E. Bodner publicado em 2022, examinou-se se a leitura em voz alta nos ajuda mais a apanhar erros de escrita do que a leitura silenciosa ou a leitura com um tipo de letra disfluente.

Recomendo muitas vezes a quem escreve (os meus alunos) que, ao reler o que escreveu, leia em voz alta, o que ajuda a detetar erros de redação. Não tinha provas que fundamentassem este conselho… até hoje.

Num estudo de C. Cushing e G. E. Bodner publicado em 2022, examinou-se se a leitura em voz alta nos ajuda mais a apanhar erros de escrita do que a leitura silenciosa ou a leitura com um tipo de letra disfluente. Perguntar-me-ão: o que é um tipo de letra disfluente? Eis o exemplo usado neste estudo:

 

sans-forgetica

Imagem de Cushing & Bodner (2022)

Porquê a disfluência?

Têm-se feito vários estudos para indagar se a leitura com um tipo de letra disfluente, como a Forgetica, poderia melhorar a aprendizagem mediante uma estratégia de dificuldades desejáveis — isto é, a leitura em esforço resulta em maior retenção de longo prazo. Em 2018, uma meta-análise de H. Xie, Z. Zhou e Q. Liu demonstrou que uma fonte disfluente não resulta em melhor aprendizagem, mas talvez a hipótese ainda fizesse sentido na revisão de texto. De facto, um tipo de letra disfluente obriga-nos a desacelerar a leitura e, como tal, não podemos recorrer aos processos automáticos que habitualmente nos ajudam a ignorar os erros.

 

Como se testou a hipótese?

Reuniram-se três grupos de pessoas: quem lê em silêncio, quem lê em voz alta e quem lê num tipo de letra disfluente. Apesar de o estudo abranger dois ensaios, descrevo apenas o segundo, pois tem resultados mais fáceis de entender. Na escrita real há erros de tipologias muito diferentes, mas o estudo centrou-se nos erros com menor probabilidade de deteção na habitual verificação ortográfica e gramatical, a saber, alguns erros de gramática e de escolha lexical.

Cada texto lido tinha só de um a cinco erros, de maneira que, em regra, a leitura decorria com maior fluência.

 

E o que se descobriu?

Ler em voz alta era muito melhor do que ler em silêncio ou com um tipo de letra disfluente. Comprovava-se assim ser bom o conselho dado aos meus alunos. Mas esta não foi a única conclusão. No estudo, também se perguntou às pessoas, antes da leitura, que condição julgavam ser a melhor para rever; depois da revisão, perguntou-se que estratégia julgavam ter sido a que lhes tinha corrido melhor. Recorde-se que as pessoas do estudo leram os três tipos de passagens repetidas vezes para detetar erros em todas elas. Não poderia haver dúvidas de que a leitura em voz alta tinha corrido melhor.

 

 

Responderam, contudo, que não faziam ideia. Deram igual classificação à leitura silenciosa e à leitura em voz alta antes de reverem (o que é compreensível), mas também depois de terem feito uma revisão bem melhor na leitura em voz alta (o que já não se compreende tão bem).

 

 

O resultado apresentado depois da revisão parece-me bastante excecional e demonstra a força da crença e da mente humanas. Os resultados expostos em muitas das estratégias que promovemos são contraintuitivos. Reler parece-nos funcionar melhor do que a prática de recuperação. Achamos que aprendemos mais quando estudamos por blocos do que de maneira intercalada. No entanto, não podemos confiar no que nos diz a intuição ou o instinto. Devemos confiar nos dados — e os dados dizem-nos que, se queremos rever bem o que escrevemos, devemos fazê-lo em voz alta.

 

Artigo adaptado no âmbito de uma parceria com The Learning Scientists. Original disponível aqui.

Bibliografia

Cushing, C., & Bodner, G. E. (2022). Reading aloud improves proofreading (but using Sans Forgetica font does not). Journal of Applied Research in Memory and Cognition, 11(3), 427-436. https://doi.org/10.1037/mac0000011

Xie, H., Zhou, Z., & Liu, Q. (2018). Null effects of perceptual disfluency on learning outcomes in a text-based educational context: A meta-analysis. Educational Psychology Review, 30(3), 745-771. https://doi.org/10.1007/s10648-018-9442-x

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