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Um dos principais objetivos da abertura de vias profissionalizantes no sistema de ensino é facilitar a transição entre a escola e o mercado de trabalho, criando diferentes caminhos e currículos que permitam obter uma qualificação profissional e, em muitos casos, a conclusão do ensino obrigatório.

A opção de seguir uma via profissionalizantea significa que, à entrada do mercado de trabalho, o aluno estará potencialmente mais bem treinado para uma determinada tarefa específica. Contudo, à medida que o trabalhador vai evoluindo na sua carreira, tal pode significar uma excessiva especialização, que se poderá traduzir numa menor adaptabilidade a um mercado de trabalho em constante mutação. A medição dos efeitos por detrás deste trade-off é um exercício particularmente complicado, uma vez que a escolha de uma via profissionalizante induz um problema de seleção, ou seja, as razões que levaram os alunos a escolher esta via profissionalizante são difíceis de distinguir do efeito direto do currículo e aprendizagem nestas vias de ensino. Um estudo recente1 conseguiu usar informação acerca de 14 países participantes no IALTS (International Adult Literacy Survey), observando indivíduos com formação profissional e outros com formação geral em diversos momentos das suas carreiras profissionais.

Concluiu-se que os trabalhadores vindos de uma via geral enfrentam uma desvantagem inicial no emprego, mas que essa se inverte ao longo da carreira: a médio/longo prazo têm uma probabilidade mais elevada de estarem empregados do que aqueles que seguiram uma via profissionalizante. Este padrão é mais acentuado nos países que têm um currículo marcadamente direcionado para o ensino de uma ocupação específica numa empresa – apprenticeship –, como é o caso da Alemanha, Dinamarca e Suíça, por oposição aos restantes países que, mesmo dentro das vias profissionalizantes, apresentam um currículo com maior abrangência – vocational.

Este facto está bem ilustrado na figura abaixo onde, por exemplo, podemos observar que, para um trabalhador com cerca de 25 anos, a probabilidade de estar empregado tendo seguido uma via geral é inferior em cerca de 20 pontos percentuais nos três países do apprenticeship e em cerca de 8 pontos percentuais nos restantes. No entanto, esta diferença entre aqueles que estudaram numa via profissionalizante e os que estudaram na geral inverte-se ao longo da carreira. A partir dos 35 anos, passam a ser os trabalhadores que seguiram uma via geral aqueles que têm maior probabilidade de estarem empregados.

Este padrão entre os trabalhadores com formação profissionalizante e os de uma via geral espelha-se não só na probabilidade de estar empregado, mas também no salário. Para o caso alemão (ver figura ao lado), observamos que, por volta dos 25 anos, o trabalhador que seguiu uma via profissionalizante tem um ganho salarial à volta dos 20%. Porém, este ganho desaparece aos 31 anos, passando a vantagem para o lado do trabalhador que seguiu uma via académica, atingindo o pico aos 51 anos. A figura representa ainda o impacto na probabilidade de emprego no caso alemão, reforçando a conclusão patente na figura anterior.

Partindo de uma outra base de dados internacional, organizada pela OCDE, e que cobre trabalhadores de diferentes países – o PIAAC (Programme for the International Assessment of Adult Competencies) –, Hampf e Woessmann (2017) observam um perfil semelhante em termos de emprego ao longo da vida entre trabalhadores do ensino profissionalizante e do geral, sendo esta evidência também mais forte para os países com um sistema mais orientado para a formação específica.

Três estudos realizados para a Suécia, Portugal e Reino Unido analisaram esta mesma questão usando dados longitudinais, ou seja, dados através dos quais é possível seguir os mesmos trabalhadores ao longo do seu percurso profissional, observando os seus salários e empregos em diferentes momentos temporais. Este tipo de informação permite comparar as trajetórias de salários para os indivíduos com ensino profissional e geral, confirmando que existe uma vantagem a curto prazo em favor das vias profissionalizantes, vantagem essa que passa a ser, a longo prazo, a favor dos cursos de via geral. Nos resultados para a Suécia, Golsteyn & Stenberg2 mostram que a vantagem inicial para os homens se transforma numa desvantagem após dez anos, sendo que para as mulheres esta inversão acontece bastante mais cedo. Por sua vez, Brunello & Rocco3, usando dados longitudinais para o Reino Unido, observam a mesma vantagem no início da carreira dos trabalhadores que seguiram uma via profissionalizante. No entanto, no contexto inglês essa vantagem nunca se chega a inverter, apesar de se reduzir ao longo do tempo.

No caso português, os possíveis efeitos negativos de enveredar por uma via profissionalizante, que são observados a médio e longo prazo na carreira do trabalhador, têm-se diluído. Por exemplo, aos 30 anos, os trabalhadores nascidos entre 1971 e 1979 apresentam uma diferença de cerca de -4,2 % nos seus salários relativamente aos trabalhadores que estudaram numa via geral. Contudo, os trabalhadores nascidos, mais tarde, entre 1980 e 1993, com os mesmos 30 anos, têm um prémio, em média positivo, de cerca de +0,4%4. Os resultados que indicam um salário mais baixo para os trabalhadores que seguiram uma via profissionalizante devem-se, na sua grande maioria, ao facto de estes trabalhadores acabarem a trabalhar, em média, em empresas com níveis salariais mais baixos, e não ao facto de terem características inatas que os tornam menos produtivos.

Assim, a menor diferença que se tem vindo a observar ao longo do tempo entre trabalhadores que seguiram a via profissionalizante e a geral deve-se ao facto de os trabalhadores com formação profissionalizante terem progressivamente acesso a empresas com uma política salarial mais vantajosa.

É importante referir que a inscrição dos alunos numa via profissionalizante se deve a múltiplas condicionantes, nomeadamente aquelas relacionadas com o desempenho académico ao longo do percurso escolar. Na análise feita por Hartog et al. (2019) para Portugal, usando dados do OTES (Observatório de Trajetos dos Estudantes do Ensino Secundário), à entrada do ensino secundário, quando comparados com os alunos que seguiram a via geral, os alunos que seguem a via profissionalizante têm de facto um desempenho mais baixo. Contudo, quando comparados com aqueles que na via geral revelam não pretender continuar por uma via universitária, uma parte substantiva deste diferencial anula-se, nomeadamente a nível da Matemática. O mesmo se verifica quando analisamos diversas variáveis a nível sociodemográfico.

Estes resultados chamam a atenção para um dos fatores a ter em consideração na definição de políticas educativas: as vias profissionalizantes são, por vezes, a melhor escolha para muitos alunos, dadas as suas características, escolhas e percurso escolar. Mas a criação de vias alternativas à via de ensino académica/geral deve atender não só aos benefícios relativos de curto prazo, de combate ao desemprego jovem e insucesso escolar, como também equacionar todo o ciclo de vida e de rendimentos do trabalhador, em que se observa uma possível desvantagem a longo prazo. Neste sentido, o debate em torno do currículo das vias profissionalizantes deve ponderar o necessário equilíbrio entre uma componente geral e uma componente especializada, por forma a que, mais tarde, o trabalhador tenha a elasticidade suficiente para se adaptar às mudanças que o mercado laboral vai enfrentando.

Notas

Em Portugal, a qualificação «profissionalizante» abrange os diversos Cursos de Educação e Formação (CEF), Cursos Técnicos, Cursos Profissionais de nível 2 e 3, Cursos Tecnológicos, Cursos Vocacionais, e Cursos de Aprendizagem.

Referências

1 Hanushek, Eric A., Schwerdt, Guido, Woessmann, Ludger, e Zhang, Lei, «General education, vocational education, and labor-market outcomes over the life-cycle», Journal of Human Resources, 52 (1), 2017, pp. 48-87.

2 Golsteyn, Bart, e Stenberg, Anders, «Earnings over the life course: General versus vocational education», Journal of Human Capital, 11 (2), 2017, pp. 167-212.

3 Brunello, Giorgio, e Rocco, Lorenzo, «The labor market effects of academic and vocational education over the life cycle: Evidence based on a British cohort», Journal of Human Capital, 11 (1), 2017, pp. 106-166.

4 Hartog, Joop, Raposo, Pedro S., e Reis, Hugo, «Vocational High School Graduate Wage Gap: The Role of Cognitive Skills and Firms», CESifo Working Paper Series 7075, CESifo Group Munich, 2019.

5 Battiston, Alice, Patrignani, Pietro, Hedges, Sophie, e Conolon, Gavan, «Labour market outcomes disaggregated by subject area using the Longitudinal Education Outcomes (LEO) data», CVER Discussion Paper Series, 021, 2019.

AUTORES

Hugo Reis é economista investigador no departamento de estudos económicos (área de estudos estruturais) no Banco de Portugal, professor auxiliar convidado na Universidade Católica Portuguesa, membro da unidade de investigação da CATÓLICA-LISBON e do IZA - Institute for the Study of Labor. 

Detém um Doutoramento em economia pela UCL - University College London, sob a supervisão de Pedro Carneiro e Orazio Attanasio, e foi consultor no Development Economics Research Group do Banco Mundial.

Os seus tópicos de investigação incluem economia de educação, avaliação de programas, mercado de trabalho, microeconometria e desenvolvimento económico, temas em que tem diversos trabalhos desenvolvidos e publicados em revistas científicas peer-reviewed internacionais, incluindo a International Economic Review.

Pedro Freitas é doutorando em Economia na Nova School of Business and Economics (Nova SBE), instituição onde é membro do Nova Center for the Economics of Education e onde obteve a sua licenciatura e MPhil em Economia. A sua investigação foca-se em tópicos de Economia da Educação e Capital Humano, tais como: medidas de valor acrescentado de professores, diferenciais entre notas internas e externas, externalidades de capital humano no mercado de trabalho ou as razões por detrás da progressão nos testes PISA. O seu trabalho usa bases de microdados compreensivas tanto do mercado de trabalho como do sistema de ensino português. Esteve igualmente envolvido na avaliação de impacto de diferentes projetos educacionais desenvolvidos em Portugal. Foi aluno visitante no departamento de economia da University College of London (UCL) e no departamento de estudos do Banco de Portugal. É assistente convidado na Nova SBE de diversas cadeiras de licenciatura e mestrado. 

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