A pobreza infantil e a desigualdade são dois dos elementos mais marcantes do sistema de ensino português. Hoje voltamos a Inglaterra para conhecer a subvenção por aluno, uma das políticas mais interessantes no combate à desigualdade.
O contexto social em que nascemos tem enorme impacto no nosso sucesso escolar. Em Portugal, quando olhamos para os alunos aos 15 anos, vemos que a diferença de conhecimentos entre os alunos mais ricos e os mais pobres equivale a um atraso de cerca de dois anos na aprendizagem. É um fosso muito profundo e, talvez por isso, um elemento bastante marcante do sistema de ensino português.
Nem tudo, porém, são desgraças. A verdade é que o nosso sistema de ensino tem tido um avanço notável. Quase todos os jovens conseguem hoje aceder ao ensino secundário e concluí-lo, feito ainda há poucas décadas apenas ao alcance de uma minoria. Além disso, esse alargamento da escola não se fez à custa da diminuição da qualidade. Pelo contrário, nas comparações internacionais estabelecidas nos exames PISA, com oscilações, a pontuação dos alunos portugueses em 2018 era ainda substancialmente superior à do ano 2000, quando Portugal ocupava o último lugar da tabela da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
Apesar deste sucesso, um olhar mais atento revela outra realidade mais sombria e triste: a incapacidade de reduzir a distância entre ricos e pobres nas nossas escolas nos últimos 20 anos.
Ainda assim, a desigualdade nas escolas não é, obviamente, um exclusivo português. Por isso, hoje queria olhar para uma política de educação particularmente interessante em Inglaterra, o país onde trabalho há vários anos e que também tem níveis de desigualdade bastante altos. Olhando de novo para os dados referidos do PISA, podemos dizer, em traços largos, que a desigualdade entre ricos e pobres nas escolas inglesas é de cerca de metade da que encontramos em Portugal.
A pobreza e a desigualdade têm muitas causas, e são um tema particularmente complexo. Logo, infelizmente, não é possível encontrar uma solução mágica para as escolas conseguirem garantir que todas as crianças tenham bons resultados. No entanto, quando me mudei para Inglaterra, uma política chamou-me a atenção. Os Ingleses chamam-lhe pupil premium. Não conheço nenhuma tradução do termo para português e por isso resolvi chamar-lhe «subvenção por aluno».
Ao contrário da ação social escolar, a subvenção por aluno não é paga às famílias, mas diretamente às escolas.
A ideia, relativamente simples, é cada escola receber financiamento extra por cada aluno desfavorecido que tenha. Esta política pública tem dois objetivos claros.
O primeiro é ajudar a fechar o fosso entre ricos e pobres. Logicamente, os alunos mais desfavorecidos enfrentam barreiras que os outros não têm de enfrentar. Por isso, a premissa lógica é que os alunos mais pobres tenham, em média, um custo superior aos outros alunos. Isto acontece por ser necessário mais apoio académico e maior orientação dos professores, bem como materiais escolares ou outros recursos que esses alunos não têm em casa. Portanto, a resposta óbvia, à luz da justiça social, seria investir mais em quem mais precisa.
O segundo objetivo é garantir que se incentivam as escolas a receber alunos de contextos sociais mais desfavorecidos e a não os segregar.
De que falamos exatamente quando nos referimos a alunos desfavorecidos? A maioria desses alunos é elegível para refeições escolares gratuitas, uma medida de baixo rendimento das famílias vagamente equivalente à ação social escolar em Portugal. Contudo, um dos pormenores mais relevantes desta subvenção por aluno é ter em conta que a pobreza não é um fenómeno estático e que as famílias entram e saem do limiar da pobreza com alguma regularidade, por exemplo, porque os pais têm relações laborais pouco estáveis ou rendimentos sazonais. Para acautelar essas situações, a subvenção por aluno aplica-se a qualquer aluno elegível para refeições escolares gratuitas em qualquer momento dos seis anos antecedentes, mesmo que tenha havido uma interrupção desse benefício por qualquer período.
Outro ponto importante é que, ao contrário da ação social escolar, a subvenção por aluno não é paga às famílias, mas diretamente às escolas. Em 2022-2023, esta política dá a cada escola, por ano, o equivalente a cerca de 1580 euros por aluno no ensino primário e 1125 euros no ensino secundário. As escolas têm uma autonomia extraordinária na aplicação destes fundos precisamente para fazer face às especificidades dos alunos e do contexto escolar.
Como tal, o montante tanto pode ser usado, por exemplo, para contratar mais docentes ou comprar material escolar, mas também em atividades extracurriculares ou ainda em intervenções específicas para alunos.
Financiar melhor as escolas que mais precisam, dando-lhes autonomia para investir no que for melhor para os seus alunos, é uma política pública descomplicada e justa.
De facto, ao longo destes anos, vi muitas escolas usarem a subvenção por aluno de maneira eficaz e à medida das necessidades dos seus alunos. Lembro-me bem de uma escola do Sul de Londres que decidiu investir em grupos de tutorias (a que muitas vezes chamamos «explicações») para os alunos com maiores dificuldades. Não muito longe, noutra escola onde se detetou um problema de envolvimento dos alunos das suas famílias, usou-se parte do financiamento para desenvolver uma estratégia de comunicação e apoio aos pais e às mães dos alunos. A recomendação central do governo, com base em evidência da famosa Education Endowment Foundation, é que as escolas usem parte deste financiamento para desenvolverem a qualidade e a componente letiva dos professores.
Esta é uma política bastante clara e popular em Inglaterra. Apesar disso, por se aplicar a todas as escolas do país e não haver um grupo de controlo, é difícil medir o seu verdadeiro impacto ou estabelecer uma relação causal com períodos de aumento ou diminuição do fosso entre alunos ricos e pobres nas escolas inglesas.
Financiar melhor as escolas que mais precisam, dando-lhes autonomia para investir no que for melhor para os seus alunos, é uma política pública descomplicada e justa. Poderia ser muito útil para combater a desigualdade num país como Portugal.
* As opiniões expressas neste artigo são exclusivamente do autor e não refletem os princípios ou posições das organizações às quais está associado. O autor é funcionário de uma organização sem fins lucrativos acreditada para dar formação inicial e contínua a professores em Inglaterra.
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