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Sou uma pessoa cuja carreira assenta na minha capacidade de pensar e de comunicar o que penso, por isso tenho com a reflexão uma relação de amor-ódio.

Há dias em que me sinto muito motivada para tentar resolver problemas complicados e ler investigação interessante e valiosa. Na maior parte dos dias, tenho muita vontade de falar sobre estes temas com outras pessoas. Há mesmo alturas em que tenho gosto em escrever sobre estes assuntos. Mas também há muitos dias em que sinto exausta e sobrecarregada. Se alguém me pedir que pense mais um pouco, tenho vontade de chorar. Por vezes sinto que a minha opinião se esgotou. Que não tenho nada a acrescentar. E não faço ideia sobre o que poderá ser o jantar. De acordo com uma meta-análise recente, «The unpleasantness of thinking: A meta-analytic review of the association between mental effort and negative affect» [Pensar é desagradável: uma revisão meta-analítica da ligação entre o esforço mental e os sentimentos negativos], não sou a única a sentir-me assim.

Há já muito tempo que a investigação em psicologia sugere que pessoas e animais não gostam, por norma, de fazer mais do que o necessário. Costumamos referir-nos a este fenómeno como «a lei do menor esforço». Esta «lei» surgiu na sequência da investigação sobre comportamento animal durante as décadas de 1930 e 1940, que concluiu que, geralmente — e quando têm hipótese de escolha — os animais esforçam-se o menos possível.

Há muito tempo que a investigação em psicologia sugere que pessoas e animais não gostam, por norma, de fazer mais do que o necessário. Costumamos referir-nos a este fenómeno como «a lei do menor esforço»

Estudos posteriores sobre o raciocínio humano e a tomada de decisão, como o de Tversky e Khaneman, mostraram que as pessoas preferem seguir regras heurísticas (ou de aproximação) em vez de algoritmos complexos. Segundo este estudo, publicado em 1974, os processos heurísticos são simples, logo, mais acessíveis, e obtêm resultados corretos na maioria das vezes. Já os algoritmos são processos complexos, logo, mais trabalhosos, que obtém sempre resultados corretos. Graças a estudos mais recentes, como o de Richter, Gendollo e Wright, sabemos também que tendemos a reservar o esforço mental para momentos em que as recompensas sejam alcançáveis e suficientemente valiosas. Quando nos são apresentadas opções que requerem diferentes níveis de esforço, há uma variedade de fatores que influenciam a nossa escolha de aceitar ou executar qualquer coisa que requeira maior afinco. A meta-análise de David, Vassena e Bijleveld aponta fatores como o sono, o cansaço e a informação sobre a recompensa como determinantes para essa decisão. Todas estas conclusões reforçam a ideia de que o esforço cognitivo (ou seja, o «pensamento») consome muitos recursos, e gostamos sempre de preservar os recursos de que dispomos.

Pensar é trabalhoso, mas será desagradável?

Os dados são um pouco contraditórios. Por um lado, tendemos a exigir recompensas para pensar com mais afinco, o que sugere que o esforço de pensar pode não ser gratificante por si só. Por outro lado, a investigação sobre a «necessidade de cognição» sugere que existe uma variação na forma como as pessoas procuram e se envolvem em atividades cognitivas. A investigação sobre este tema revelou que as pessoas com uma pontuação mais elevada na «necessidade de cognição» tendem a considerar as tarefas cognitivas mais agradáveis.

Para compreender melhor a relação entre o esforço mental e o sentimento negativo, David, Vassena e Bijleveld realizaram uma meta-análise de 170 estudos sobre o esforço mental. Estes cientistas sopesaram uma série de fatores para perceber quais podem afetar esta relação. Será o grau de educação importante? Talvez as pessoas com formação académica mais longa tenham uma maior necessidade de cognição e não a considerem desagradável. E qual a importância da experiência e da competência? Talvez as pessoas aprendam com o tempo a gostar de tarefas que exigem mais esforço. Qual o papel do feedback? Muitas tarefas foram «gamificadas» de forma a permitir medir o progresso ou obter um certo número de pontos, tornando-as semelhantes a um jogo com diferentes níveis. Talvez isto torne mais agradáveis as tarefas exigentes. David, Vassena e Bijleveld analisaram um total de 15 fatores distintos.

Tendemos a reservar o esforço mental para momentos em que as recompensas sejam alcançáveis e suficientemente valiosas. Quando nos são apresentadas opções que requerem diferentes níveis de esforço, há uma variedade de fatores que influenciam a nossa escolha de aceitar ou executar qualquer coisa que requeira maior afinco

De forma algo surpreendente, destes 15 fatores, apenas um mostrou ter um efeito significativo: o facto de o estudo ter sido realizado na Ásia ou na América do Norte/Europa. A localização geográfica foi o único fator determinante. Nem o nível de educação, nem a experiência, nem mesmo a gamificação se mostraram relevantes. Todos os estudos encontraram uma forte relação entre o esforço mental e o sentimento negativo: em média, por cada ponto de aumento no esforço, houve um aumento de 0,85 no sentimento negativo. Não gostamos mesmo nada de pensar. No entanto, esse esforço foi visto como mais desagradável por pessoas oriundas de países norte-americanos ou europeus do que de países asiáticos. A interpretação deste resultado realça algumas das complexidades da psicologia cultural. É possível que a exposição ao esforço mental e o valor atribuído a esse esforço sejam diferentes nos países asiáticos quando comparados com os países da América do Norte e da Europa. Por exemplo, os autores destacam as horas que os estudantes do ensino secundário na China passam a fazer trabalhos de casa e a predominância de centros de estudo intensivo e explicações no Japão. É também possível que a tradução de termos como «esforço» e «aborrecido» tenham conotações diferentes nessas línguas, o que influenciou as respostas ao inquérito (todos os estudos incluídos na meta-análise utilizaram o mesmo inquérito para medir o esforço mental, incluindo as versões traduzidas). Ainda assim, e embora a medida do efeito negativo seja um pouco inferior nos países asiáticos, as pessoas continuaram a considerar o esforço mental dissuasivo.

Defendo que reconhecer que qualquer reflexão exige recursos — e que esta necessidade é sobremaneira evidente quando se trata de pensamento crítico ou de aprendizagem — pode ajudar-nos a reformular os debates sobre educação. Já escrevi anteriormente sobre o impacto da oferta de pequenos-almoços e almoços nas escolas. O cérebro precisa de energia para pensar: se perto de 20% das nossas calorias são por norma consumidas pelo cérebro, tarefas cognitivas mais exigentes queimam ainda mais calorias. Quando vemos alunos distraídos ou a cair de sono nas aulas, podemos pensar que lhes falta empenho ou motivação. Ainda que estes fatores influenciem certamente a forma como os estudantes se comportam nas aulas, também vale a pena perceber se os alunos têm comido e dormido o suficiente para conseguirem enfrentar um dia muito exigente em termos cognitivos.

O cérebro precisa de energia para pensar: se perto de 20% das nossas calorias são por norma consumidas pelo cérebro, tarefas cognitivas mais exigentes queimam ainda mais calorias

Acredito também que reconhecer que pensar é difícil e exige recursos pode ajudar a dissipar parte da vergonha e do estigma sentido pelos estudantes com bons resultados quando enfrentam dificuldades académicas. Uma das perguntas mais comuns que os alunos de Medicina me fazem é: Quanto tempo devo conseguir estudar antes de precisar de fazer um intervalo? Quatro horas? Cinco? Claro que a resposta é que há muitos fatores a ter em conta. A nossa saúde física e mental afeta a nossa capacidade de pensar. Se um aluno tem dormido e comido bem, e feito exercício físico, é provável que consiga estudar durante mais tempo e de forma mais produtiva. Se estiver cansado ou maldisposto, ficará cansado mais facilmente e precisará de mais pausas. A motivação e o talento de um estudante não são suficientes para o fazer singrar, caso não desfrute também do descanso e do aporte energético de que precisa. Pensar é difícil e é normal precisar de pausas para dar alento ao corpo e ao espírito.

Pensar é difícil. E, mesmo assim, continuamos a fazê-lo. Porquê? Um dos meus temas preferidos é o pensamento crítico. O livro que por norma escolho para falar sobre este assunto chama-se Thought and Knowledge, de Diane Halpern. Um dos motes do livro é o facto de o pensamento crítico ser ao mesmo tempo uma disposição, ou uma vontade de nos envolvermos e de fazermos um esforço, e um conjunto de capacidades cognitivas. Sinto alguma frustração com o pressuposto de que a emoção e a lógica são incompatíveis. Que ser emotivo é separado ou diferente de ser racional. Como se, ao eliminarmos todos os sentimentos, fosse possível eliminar quaisquer preconceitos. O que esta investigação e a investigação sobre o pensamento crítico me sugerem é que a razão pela qual continuamos a pensar — e a pensar de forma crítica e estratégica — é porque nos preocupamos. Não o fazemos porque é fácil. Fazemo-lo porque nos preocupamos com alguma coisa. Porque nos preocupamos com as pessoas, com o ambiente e com o mundo à nossa volta. Preocupamo-nos tanto, que ultrapassamos a contrariedade de pensar para conseguirmos resolver problemas, estabelecer ligações e apoiar quem nos rodeia.

Este texto é uma tradução e adaptação do artigo «Thinking is Hard», disponível aqui. Resulta de uma parceria editorial com as Learning Scientists. 

AUTOR

Althea Need Kaminske

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Althea Need Kaminske (antes Bauernschmidt) é professora associada na Universidade St Bonaventure. Juntou-se à equipa Learning Scientists em 2018.

Althea é doutorada pela Universidade de Purdue e licenciada em Psicologia e Linguística pela Universidade de Indiana (Força Hoosiers!). Um tema que atravessa toda a sua investigação é a aplicação da psicologia cognitiva na educação. Althea baseia a sua investigação em questões como: Qual é a forma mais eficaz, e realista, de professores e alunos aplicarem a prática da recuperação na sala de aula? Como é que os telemóveis e outros meios afetam a atenção e a memória? Althea é co-autora de Five Teaching and Learning Myths - Debunked (Cinco mitos do ensino e da aprendizagem - desmascarados, numa tradução livre para português) e co-diretora do Centro para a Atenção, Aprendizagem, e Memória da Universidade St. Bonaventure. Quando não está a dar aulas, Althea gosta de cozinhar, fazer caminhadas, e jogar Dungeons and Dragons.

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