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Os professores são, de longe, o fator escolar que mais influencia o sucesso dos alunos. No entanto, será que temos um processo de recrutamento e seleção inicial que permite a todas as crianças terem um professor na sua sala de aula?

O tema tem ganhado especial importância, uma vez que o nosso sistema de ensino enfrenta um grave problema de falta de professores. De facto, já no início do ano lectivo 2022/2023, estimava-se que cerca de 110 mil alunos não tivessem professor a pelo menos uma disciplina.

Perante a necessidade urgente de repensar o recrutamento dos professores, vale a pena olharmos para a experiência de países com um sistema muito diferente do nosso, como é o caso de Inglaterra.

A diferença mais notória é que todas as escolas, incluindo as públicas, têm autonomia para contratar diretamente os seus professores. Contudo, o contraste entre os dois sistemas é tão gritante que, em Inglaterra, até as qualificações necessárias para se ser professor variam consoante o tipo de escola, seja ela pública, privada ou mista.

Simplificando, podemos dizer que o tipo de escola mais clássico em Inglaterra são as escolas públicas geridas pelas autarquias ou pelo Estado. Todos os professores que ensinam nestas escolas públicas são obrigados a ter uma qualificação (designada por Estatuto de Professor Qualificado, ou Qualified Teacher Status).

De acordo com o relatório TALIS da OCDE, os professores ingleses são, em média, 10 anos mais novos do que os portugueses.

Contudo, há ainda outras escolas públicas, normalmente geridas por privados, com enorme autonomia de gestão: as academias (academies) ou escolas livres (free schools). Estas escolas são geridas por organizações sem fins lucrativos, e representam 39% das escolas primárias e 80% das secundárias no sistema de ensino público inglês (e o governo inglês já afirmou pretender que, até 2030, todas as escolas públicas se tornem academias e se agrupem em consórcios para criar economias de escala, chamados trusts). Este ponto é importante, e talvez até chocante para um português, porque os professores que ensinam nestas escolas — e também os das escolas cem por cento privadas — não estão sequer legalmente obrigados a ser professores qualificados. Apesar disso, como as escolas escolhem livremente os professores e estes querem destacar-se para entrar nas escolas da sua escolha, o que acontece na prática é a maioria dos professores nas academias acabar por ter essa qualificação.

Mas então como é que os professores entram para o sistema de ensino? As vias e os mecanismos são de tal forma amplos e flexíveis, que os Ingleses tratam a formação inicial como um verdadeiro «mercado» de formação inicial de professores (Initial Teacher Training market).

A primeira via possível são as licenciaturas em educação, que duram normalmente de três a quatro anos e garantem a qualificação como professor. Esta foi a via seguida por apenas 14% dos novos professores estagiários em 2020/2021.

De facto, a grande maioria dos novos professores segue antes outro caminho. Depois de concluírem um curso universitário à sua escolha, fazem uma pós-graduação ou um mestrado que os qualifica para a docência, mas estes cursos pós-graduados podem tanto ser feitos nas universidades como diretamente nas escolas. A via universitária é a mais seguida: em regra faz-se um curso de pós-graduação em Educação com a duração de um ano lectivo, com período de colocação numa escola, para obter o Certificado de Formação Pós-Graduada em Educação (PGCE — Postgraduate Certificate in Education).

Se a formação for feita diretamente na escola, os candidatos podem escolher cursos pós-graduados desenhados e implementados por grupos de escolas acreditados pelo Ministério da Educação, a chamada formação inicial de professores em escola (SCITT — School-Centred Initial Teacher Training). No entanto, uma escola individual e não agrupada também pode dar esta formação, podendo assim o candidato ser empregado por ela e receber um ordenado durante a formação.

Em qualquer caso, mesmo que um professor decida prosseguir a formação inicial na escola, a escola também pode estabelecer parceria com uma instituição de ensino superior para o Certificado de Formação Pós-Graduada em Educação. É também importante deixar nota que estão disponíveis várias bolsas e empréstimos para determinados candidatos, com montantes que, dependendo das necessidades e previsões de recrutamento, variam por disciplina. (Por exemplo, em 2022, a bolsa para futuros professores de Matemática ou Química chega aos 27 mil euros, enquanto a de Geografia ronda os 17 mil.)

Portugal enfrenta um problema sério de renovação: até 2030, cerca de 39% dos professores vão atingir a idade da reforma.

Além das universidades e das escolas, o mercado da formação inicial é também muito influenciado por organizações de outra índole, que têm um papel importantíssimo. Talvez a mais marcante seja a Teach First, organização sem fins lucrativos que, desde 2003, recruta professores para o sistema de ensino. Um dos principais focos do programa era o de colocar os futuros professores em regiões mais desfavorecidas, onde habitualmente é mais difícil recrutar e manter professores nos quadros. Atualmente, a Teach First recruta cerca de 5% dos novos professores. Outros esquemas, de menor escala (como o Now Teach), procuram incentivar profissionais experientes de outros setores a mudarem de carreira e a tornarem-se professores.

De acordo com o relatório Teaching and Learning International Survey (TALIS) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), os professores ingleses são, em média, 10 anos mais novos do que os portugueses. De facto, em Inglaterra, apenas 18% dos professores tinham mais de 50 anos: um contraste brutal com a percentagem de 47% acima dos 50 anos em Portugal e a média de 34% nos países da OCDE.

O sistema de ensino português tem certamente algumas vantagens em relação ao inglês — por exemplo, a maior capacidade portuguesa de reter os professores no corpo docente. Com grande número de professores em final de carreira, e dadas as condições do mercado de trabalho, Portugal é mesmo o país da OCDE onde menos professores pensam deixar a profissão nos próximos cinco anos. Ainda assim, os dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) são inequívocos e assustadores. Portugal enfrenta um problema sério de renovação: até 2030, cerca de 39% dos professores vão atingir a idade da reforma.

A revisão do sistema de colocação de professores em Portugal terá de responder a um problema quer de curto, quer de longo prazo. Em ambos os casos, olhar para os resultados e para a evidência de outros países dá-nos sempre um caminho para as boas soluções.

 

Nota: As opiniões expressas neste artigo são exclusivamente do autor e não refletem os princípios ou posições das organizações às quais está associado. O autor é funcionário de uma organização sem fins lucrativos acreditada para dar formação inicial e contínua a professores em Inglaterra.

AUTOR

Miguel Herdade é Director Associado no Ambition Institute no Reino Unido e governador de uma escola primária em Londres. É também Director e co-fundador da Orquestra Sem Fronteiras, em Portugal e Espanha. Tem especial interesse e experiência no financiamento, concepção, e implementação de projectos e organizações sem fins lucrativos que actuam nas áreas de desigualdades educativas e integração social. Foi professor assistente na Nova SBE – School of Business and Economics e co-fundador e Director Executivo da Academia do Johnson, na Amadora. Posteriormente trabalhou no The Challenge/National Citizen Service no Reino Unido.

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