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Em maio de 2020, num contexto dominado pela pandemia do COVID-19, foram publicados os resultados da avaliação em literacia financeira do PISA 2018. Na sua primeira participação, os alunos portugueses de 15 anos igualaram a média da OCDE. Estarão os nossos jovens preparados para lidar com uma nova crise financeira?

A literacia financeira é fundamental nas sociedades contemporâneas. A complexidade dos produtos financeiros, a importância das poupanças, créditos e correspondentes riscos de incumprimento, o planeamento da reforma, a estabilidade micro e macroeconómica, entre outros, atestam a importância da literacia financeira para o cidadão e para as instituições2. A generalidade dos jovens portugueses mostra ser capaz de lidar com estes desafios, no entanto, existem grandes disparidades regionais. Entre os participantes neste estudo do PISA, a Estónia é o país a seguir, já que alcançou os melhores resultados. Algo que também já tinha conseguido na avaliação global do PISA 2018 (nas literacias de matemática, leitura e ciências).

Em termos globais, a literacia financeira dos jovens de 15 anos, tal como avaliada pelo PISA, manteve-se estável entre 2012 e 2018, tendo recuperado da descida de 20 pontos registada em 2015. O desempenho médio da literacia financeira da Estónia (547 pontos) foi superior ao de todos os outros países/economias participantes. A Finlândia (537) e as Províncias Canadianas (532 pontos) ocuparam as duas outras posições do pódio. Na sua primeira participação, Portugal ficou posicionado na média da OCDE (505 pontos), ao nível da Austrália (511 pontos) e Estados Unidos da América (506 pontos) e significativamente acima da Espanha (492 pontos) e da Itália (472 pontos). As posições do fundo da tabela são ocupadas pelo Brasil (420 pontos), Peru (411 pontos), Geórgia (403 pontos) e Indonésia (388 pontos).
 

Cerca de 85% dos estudantes dos países/economias da OCDE, atingiram pelo menos o nível 2 de proficiência em literacia financeira. Em Portugal, o mesmo nível foi alcançado por 86% dos alunos. Neste nível são capazes de aplicar conhecimentos sobre produtos financeiros comuns e termos financeiros usados em situações do dia a dia com relevo para eles próprios, além de serem capazes de reconhecer o valor de um orçamento simples. No entanto, em cinco países parceiros da OCDE, como por exemplo o Brasil, mais de um em cada três estudantes não atingiu o nível 2 de proficiência. Na OCDE, apenas 10,5% dos estudantes atingiram o nível mais alto de proficiência em literacia financeira (nível 5), em contraste com os 8,6% de alunos portugueses ou os 19% de estónios. Estes alunos conseguem analisar produtos financeiros complexos tendo em consideração documentos financeiros que não são imediatamente óbvios. Quase um em cada cinco estudantes na Estónia e na Finlândia apresentou nível 5 de proficiência.

 

Em média, nos países/economias da OCDE, os rapazes tiveram uma pontuação ligeiramente superior à das raparigas – mais 2 pontos. Em Portugal esta diferença foi de apenas um ponto (não significativo). Contudo, depois de descontar o efeito do desempenho em matemática e em leitura na literacia financeira, os rapazes superaram as raparigas em 10 pontos.

Estudantes com melhores condições socioeconómicas obtiveram melhores resultados do que os estudantes de meios mais desfavorecidos, sendo a diferença entre estes dois grupos equivalente a um nível de proficiência. Os imigrantes obtiveram uma pontuação em média 30 pontos menor que os não imigrantes (nos países/economias da OCDE). Contudo, esta diferença foi reduzida para cinco pontos quando se considerou o efeito das literacias de matemática e de leitura sobre a literacia financeira.

Cerca de três quartos dos estudantes de todos os países/economias participantes mencionaram que verificavam o troco que recebiam e sabiam quanto dinheiro tinham nos 12 meses anteriores à realização do PISA. Estes alunos obtiveram mais 50 pontos do que aqueles que não verificaram o troco nem sabiam quanto dinheiro tinham. Cerca de 94% dos estudantes reportaram que obtêm informações juntos dos seus pais sobre assuntos relacionados com dinheiro. Mais de 8 em cada 10 relataram que conseguem interpretar detalhes importantes em documentos financeiros do quotidiano. Cerca de 54% dos estudantes possuem algum tipo de conta bancária e 45% têm um cartão bancário. Em Portugal, 45% dos alunos revelou ter conta bancária, uma percentagem que ascende a 55% em Espanha e a 89% na Finlândia. Os estudantes da Austrália, Províncias Canadianas, Estónia e Finlândia revelaram-se particularmente propensos a possuir este tipo de produtos financeiros por oposição aos do Brasil, Peru e Sérvia. Os dados revelaram que 73% dos alunos fizeram compras online nos últimos 12 meses (seja sozinhos ou acompanhados por um membro da família) e que 39% reportaram ter efetuado um pagamento eletrónico através do telemóvel nos últimos 12 meses. Dos participantes, 69% indicaram que comparam “sempre” ou “às vezes” os preços dos produtos em lojas físicas com os das lojas online, enquanto que 52% afirmaram que gostam de falar sobre assuntos relacionados com dinheiro.

O que aprendem os jovens portugueses sobre finanças?

Em Portugal, a importância da literacia financeira foi reconhecida em 2011 com o lançamento, pelo Banco de Portugal, a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e o Instituto de Seguros de Portugal, do Plano Nacional de Formação Financeira3,4,5. Este plano abrange todas as faixas etárias, com especial ênfase nas escolas. As Competências-Chave para a Literacia Financeira, estabelecidas em 2013, forneceram diretrizes para o desenvolvimento da literacia financeira nas escolas e de acordo com as etapas da educação (jardim de infância, ensino básico e secundário). Em 2014, foi lançado um programa de formação de professores e foram produzidos novos manuais para o ensino da literacia financeira. Estes manuais foram disponibilizados no ensino básico em 2015.

Na estreia, Portugal chega à média da OCDE

Os alunos portugueses obtiveram uma pontuação média de 505 pontos, o mesmo valor da média da OCDE no domínio da literacia financeira, o que corresponde à 7.ª posição da escala ordenada dos 20 países e regiões participantes na edição de 2018. Estes resultados colocam-nos a par dos alunos dos Estados Unidos da América, Austrália e Letónia; significativamente acima da Rússia, Espanha, Itália, República Eslovaca, Lituânia, Sérvia, Chile, Bulgária, Brasil, Peru, Geórgia e Indonésia; e significativamente abaixo da Polónia, Províncias Canadianas, Finlândia e Estónia.

A análise comparativa dos resultados por regiões NUTS III colocou a Região de Leiria (531 pontos) e o Médio Tejo (522 pontos) significativamente acima da média nacional (505 pontos). Em contraste, o Alto Alentejo (448 pontos) e a Região Autónoma dos Açores (462 pontos) foram as regiões com resultados mais fracos de entre as posicionadas significativamente abaixo da média nacional (Alentejo Litoral, Baixo Alentejo, Alto Alentejo, Tâmega e Sousa, Alto Tâmega e Terras de Trás-os-Montes).

14% ficaram aquém das capacidades básicas de literacia financeira

Quase 21% dos alunos portugueses revelaram conhecimentos sobre produtos e termos financeiros comuns (nível 2 de proficiência), enquanto 14% não alcançaram este nível (básico) de literacia financeira. Cerca de um em cada três (32,6%) alunos portugueses são capazes de antever consequências das decisões financeiras que tomarem e podem fazer planos financeiros simples em contextos familiares (nível 3 de proficiência). Um quarto (25,4%) compreendem conceitos e produtos financeiros menos comuns a contextos que serão relevantes à medida que avançam para a idade adulta, como, por exemplo, a gestão de contas bancárias (nível 4 de proficiência). Finalmente, menos de um em cada 10 alunos (8,3%) alcançaram o nível máximo de literacia tendo demonstrado capacidade para resolver problemas não rotineiros, descrever os possíveis resultados de decisões financeiras, mostrando uma compreensão do cenário financeiro mais amplo, como o imposto sobre o rendimento.

A análise regional, por NUTS III, revela, porém, fortes assimetrias. Por exemplo, no Alto Alentejo um em cada três alunos amostrados (33%) não revelou competências básicas (inferior ao nível 2). Em contraste, na região de Leiria ou Médio Tejo, a percentagem que não alcançou este nível foi inferior a 1%. No outro extremo da escala de proficiência, 14% dos alunos da Região de Coimbra, alcançou o nível máximo da literacia. Já no Alto Alentejo, Baixo Alentejo e Região Autónoma dos Açores apenas 2% dos alunos amostrados alcançou este nível.
 

Como avalia o PISA a literacia financeira?

No PISA 2018, além da literacia matemática, literacia de leitura e literacia científica foi avaliada a literacia financeira dos alunos de 15 anos. A literacia financeira é um domínio optativo, tendo a sua primeira avaliação em 2012. Em 2018, realizou-se o terceiro ciclo de avaliação da literacia financeira, e a primeira participação de Portugal neste domínio. Ao todo, participaram 21 países/economias: Austrália, Brasil, Bulgária, Províncias Canadianas (Colúmbia Britânica, Manitoba, Nova Brunswick, Terra Nova e Labrador, Nova Escócia, Ontário e Ilha do Príncipe Eduardo), Chile, Estónia, Finlândia, Geórgia, Indonésia, Itália, Letónia, Lituânia, Holanda, Peru, Polónia, Portugal, Federação Russa, Sérvia, República Eslovaca, Espanha e Estados Unidos da América. Contudo, problemas de subamostragem dos alunos com desempenhos mais fracos da Holanda ditaram a exclusão deste participante nas comparações internacionais e do cálculo da média da OCDE.

A literacia financeira avalia em que medida os alunos participantes adquiriram conhecimentos essenciais, dentro e fora da escola, que lhes permitam tomar decisões e estabelecer planos financeiros.

Assim, no PISA, a literacia financeira é definida como o conhecimento e entendimento de conceitos e riscos financeiros, bem como as capacidades, motivação e confiança na tomada de decisão em contextos financeiros diversos, com o objetivo de melhorar o bem-estar financeiro dos indivíduos e da sociedade de modo a permitir a participação ativa e informada na vida económica1. O teste foi composto por conteúdos relacionados com dinheiro e transações, planeamento e gestão de finanças, risco e recompensa, e o panorama financeiro. A escala foi definida na primeira edição do estudo com média de 500 pontos e desvio-padrão de 100 pontos. Em 2018, participaram nesta componente do PISA 117 mil alunos, que representaram uma população de 13,5 milhões de alunos de 15 anos dos países/economias que avaliaram este domínio. A amostra portuguesa foi constituída por 4568 alunos de 15 anos a frequentar uma qualquer modalidade de ensino oficial, em 189 escolas selecionados aleatoriamente em todo o território nacional por um processo de amostragem aleatória multi-etapa (estratificada por regiões NUTS III e natureza administrativa das escolas).

Em suma… mais de 3 em cada 4 jovens portugueses têm o conhecimento mínimo para lidar com as questões financeiras do dia-a-dia, mas existem fortes assimetrias regionais.

Em termos globais, os resultados observados no domínio da literacia financeira são amplamente consistentes com os resultados de edições anteriores. Contudo, esta edição vai além das avaliações anteriores em termos dos comportamentos e atitudes dos alunos em relação à educação financeira na escola e a questões financeiras (incluindo dinheiro digital). Os estudantes de 15 anos que realizaram a avaliação do PISA 2018 terminarão o ensino obrigatório em breve e devem levar em conta a incerteza ao tomar decisões sobre a sua educação futura e os seus percursos profissionais6. A proficiência em literacia financeira ajudará os alunos a tomarem decisões responsáveis e bem informadas. Os jovens portugueses, na sua larga maioria, parecem razoavelmente preparados para responder ativamente aos desafios financeiros que se avizinham. Contudo, observam-se fortes assimetrias regionais que é necessário atenuar.

Referências:

1 OECD, «PISA 2018 results: Are students smart about money? Vol. IV», Paris, France: OECD Publishing; 2020.

2 Banco de Portugal, editor, «Relatório de Supervisão Comportamental 2018», Lisboa, Portugal, 2019.

3 Banco de Portugal, Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, Instituto de Seguros de Portugal, editores, «Plano de Nacional de Formação Financeira 2011-2015», 2011.

4 Banco de Portugal, Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, editores, «Plano Nacional de Formação Financeira 2016-2020», Lisboa, Portugal; 2016.

5 Conselho Nacional de Supervisores Financeiros, editor, «Plano Nacional de Formação Financeira: Programa de atividades 2019», Lisboa, Portugal, 2019.

6 OECD, «Are students smart about money? PISA in Focus», Paris, France: OECD Publishing, 2020. Report No.: 106.
 

AUTORES

João Marôco (Ph.D., Washington State University) é professor catedrático no ISPA-IU onde leciona disciplinas de Análise Estatística, Métodos de Investigação e Técnicas Avançadas de Análise de Dados; e Professor II na Nord University, Noruega onde desenvolve trabalho de investigação em Burnout e Envolvimento Académico no Ensino Superior.  É consultor do Banco Mundial e da Iniciativa Educação Teresa e Alexandre Soares dos Santos em Estatísticas da Educação. Entre 2014 e 2018 foi vogal do conselho diretivo do IAVE, I.P. onde coordenou os estudos de avaliação por amostragem em larga escala (PISA, TIMSS, PIRLS, ICILS) e o projeto piloto de e-Assessment. Os seus interesses de investigação incluem a avaliação e desenvolvimento de escalas psicométricas, aplicações de regressão, modelação de equações estruturais, avaliação e amostragem em larga escala e classificação nas ciências biológicas, da saúde, sociais e humanas. Atualmente, publicou 450 artigos em revistas nacionais e internacionais com arbitragem científica e quatro livros sobre Análise Estatística, Análise de Equações Estruturais e Avaliação Psicométrica. De acordo com o Google Scholar, o seu trabalho académico foi citado mais de 43 000 vezes (H = 73; i10 = 280). Segundo o AD Scientific Index pertence ao Top 2% dos académicos mais citados em Portugal e do Mundo. Faz parte ainda do top 2% de cientistas mundiais no Ranking da Universidade de Stanford.

Jorge Sinval é um psicometrista que trabalha como professor assistente convidado no ISPA - Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida, e na ISCTE Business School do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa. Ensina análise estatística, psicometria, desenho de investigação e análise de dados nos diferentes ciclos de estudos (licenciatura, mestrado e doutoramento). É investigador de pós-doutoramento na Business Research Unit (ISCTE-IUL) e no William James Center for Research (ISPA). Tem duplo doutoramento pela Universidade de São Paulo (Doutor em Ciência) e pela Universidade do Porto (Doutor em Psicologia).

Obteve o seu mestrado em psicologia (com especialização em psicologia do trabalho e das organizações) pela Universidade Católica Portuguesa. A sua licenciatura em psicologia foi conseguida na Universidade Católica Portuguesa. Atualmente está matriculado no segundo ano do mestrado em epidemiologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Os seus interesses de investigação incluem psicometria, psicologia organizacional, epidemiologia e estudos internacionais em larga escala (por exemplo, TIMSS, PISA e PIRLS). Sendo autor Cochrane, também se interessa muito por saúde ocupacional, estando a desenvolver com uma equipa internacional de coautores uma revisão sistemática sobre as intervenções para melhorar o recovery do trabalho. Está particularmente interessado em duas técnicas estatísticas: análise de equações estruturais Bayesianas e Meta-Análise em Rede; usando R como a sua linguagem de programação estatística preferida. Colabora em vários projetos. Sendo um deles, o consórcio Burnout Assessment Tool (BAT), onde pertence à equipa portuguesa responsável pela sua adaptação a Portugal.

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