As perdas de aprendizagem dos alunos, evidentes nos resultados do PISA 2022, são frequentemente atribuídas à pandemia de Covid-19 e ao consequente encerramento das escolas, nesse período. Será mesmo assim? Ou existem outros fatores, pré e pós-pandemia, que ajudam a explicar o desempenho negativo dos alunos do ensino básico e secundário, nos últimos anos?
A pandemia de Covid-19, provocada pelo vírus SARS-CoV-2, atingiu o mundo no início da segunda década do século XXI, causando mortalidade elevada e perturbações na saúde, na economia e na educação. Até dezembro de 2023, a Organização Mundial da Saúde reportou mais de 750 milhões de infeções em todo o mundo, de que resultaram 7 milhões de mortes. Em Portugal, estima-se que o vírus afetou 5 milhões de pessoas, metade da população do país, registando-se 28 mil óbitos.
Um pouco por todo o mundo, o encerramento das escolas foi uma das medidas globais para conter a propagação do SARS-CoV-2. Em Portugal, o governo, inicialmente hesitante, após as recomendações técnicas da task force do Ministério da Saúde ordenou o primeiro encerramento das escolas para conter a propagação do vírus no dia 16 de março de 2020. O ensino secundário voltou a ter atividades presenciais a 18 de maio, enquanto o ensino básico continuou com o ensino remoto de emergência até ao final do ano letivo. Em janeiro de 2021, devido a uma nova variante mais agressiva do vírus, decretou-se o segundo encerramento das escolas. As atividades presenciais recomeçaram a 15 de março no primeiro ciclo e a 4 de maio nos ciclos do básico e secundário.
Durante o encerramento das escolas, implementaram-se várias medidas para superar as limitações da aprendizagem à distância entretanto adotada. No ensino básico e secundário, o Ministério da Educação implementou infraestruturas de apoio a aulas online e programas de estudo em casa com emissão de aulas via televisão nacional e plataformas digitais. A sociedade civil também se organizou em fóruns de apoio aos professores, dos quais a página «SomosSolução/e-Learning Apoio» no Facebook foi um dos mais ativos.
Pelo mundo inteiro, o encerramento prolongado das escolas resultou em prejuízos significativos de aprendizagem. Estudos independentes indicaram perdas em matemática e leitura, com efeitos mais pronunciados em alunos de baixo desempenho provenientes de famílias de níveis socioeconómicos mais precários. Estima-se que o prejuízo económico associado à perda das aprendizagens será de triliões de euros. Em Portugal, apenas um estudo até agora publicado revelou efeitos prejudiciais nas aprendizagens pré-escolares durante o primeiro confinamento, aumentando as desigualdades socioeconómicas.
Este artigo procura estimar as perdas de aprendizagem no ensino básico e secundário em Portugal, comparando dados pré e pós-Covid e enquadrando-os na política educativa em curso. Também examina as medidas de recuperação das aprendizagens e o seu impacto nos resultados dos alunos, bem como reconhece as perturbações no sistema de ensino, decorrentes de greves e protestos dos professores no período pós-pandemia.
O perfil dos alunos no PISA 2022 e as políticas de educação entre 2000 e 2022
Em 2022, 63% dos alunos portugueses que participaram no teste PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) estavam no 10.º ano. Estes alunos iniciaram o seu percurso educativo no 1.º ano, aos seis anos, durante o ano letivo de 2012/2013. Oitenta e sete por cento deste grupo beneficiou de pelo menos um ano de ensino pré-escolar, seguindo os currículos em 2001 e atualizados em 2012. No 5.º ano, dentro de um novo ciclo de política educativa, ocorreram ajustes curriculares, dando voz aos professores e às associações do sector que criticavam a extensão dos currículos de 2012, com a introdução da «flexibilidade curricular».
Em 2016, ocorreu também uma mudança significativa na avaliação de conhecimentos e competências com a revogação dos exames nacionais dos 4.º e 6.º anos, substituídos por «provas de aferição» no 2.º, 5.º e 8.º anos em disciplinas rotativas. O grupo que participou no PISA 2022 realizou a prova de aferição de matemática e ciências no 5.º ano. Em 2018, substituíram-se os currículos em vigor desde 2012 por currículos focados nas «aprendizagens essenciais». Os alunos enfrentaram perturbações devido ao confinamento escolar gerado pela Covid-19 nos 8.º e 9.º anos, de que resultaram o cancelamento das atividades escolares presenciais e, consequentemente, das provas de aferição do 8.º ano e dos exames do 9.º ano de matemática e português (ver figura 1).
Figura 1. Percurso dos alunos do PISA 2022
Desde 2002, os estudos PISA, TIMSS (Trends in International Mathematics & Science Study) e PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study) têm influenciado as políticas educativas em Portugal. Tal influência esteve na origem de mudanças nos currículos de matemática, ciências e português, aumento das horas e conteúdos de ensino, apoio a famílias e escolas de estratos socioeconómicos mais baixos, promoção da leitura em casa, implementação de metas e objetivos de aprendizagem e responsabilização através de exames nos 4.º, 6.º e 9.º anos. Talvez fruto destas políticas — a coincidência temporal é inegável — e do desenvolvimento social e económico, de que se destacam o maior rendimento médio das famílias e a taxa de escolarização real do ensino secundário, Portugal, partindo dos lugares da base da tabela ordenada do PISA em 2000, ultrapassou a média da OCDE nos exames de 2015. A partir de 2016, a inversão das políticas educativas anteriores, apostadas no reforço dos currículos e dos tempos de ensino, bem como na avaliação sumativa externa de final de ciclo, coincidiu com uma queda nos resultados dos testes internacionais PISA e TIMSS. Considerando as três literacias avaliadas pelo PISA, a média de agravamento dos resultados foi de 1.7 pontos/ano entre 2015 e 2018, enquanto entre 2018 e 2022 a média de decréscimo foi de 3.4 pontos/ano (ver figura 2).
Figura 2. Evolução dos resultados PISA e políticas educativas
O efeito do encerramento das escolas na literacia dos alunos na perspetiva do PISA
A figura 3 destaca a relação entre os dias de encerramento escolar em 2020 e 2021 para países da OCDE com dados oficialmente reportados e as médias das pontuações do PISA 2022 em leitura, matemática e ciências. Não se observou uma tendência clara nos três domínios após a pandemia. Por exemplo, o México, com 428 dias de encerramento, registou uma queda semelhante na literacia em leitura (-5 pontos) semelhante à do Chile (196 dias) ou da Nova Zelândia (48 dias). A Hungria (175 dias) — um dos membros da OCDE com contexto socioeconómico próximo do português — encerrou as escolas durante aproximadamente o mesmo tempo que Portugal (184 dias), mas a sua queda nas três literacias do PISA foi menos de metade da observada no nosso país.
Figura 3. Variação, entre 2021 e 2018, nas literacias de Matemática, Ciências e Leitura, em função da duração do encerramento das escolas nos países da OCDE
A maioria dos alunos da OCDE que realizaram o PISA 2022 estavam então no 10.º ano, e tinham estado no 8.º e 9.º durante os anos da pandemia (2019/2020 e 2020/2021). Diferenças nos currículos, medidas locais de remediação e apoio técnico e educativo a alunos e professores podem explicar variações nas perdas de aprendizagem entre países. Adicionalmente, as estimativas de perdas de aprendizagem devido à pandemia podem ser mascaradas por perdas pré-existentes em muitos dos países que participaram nos estudos internacionais.
O PISA 2022 revelou uma regressão significativa no desempenho académico em todas as nações da OCDE, e Portugal, com 184 dias de encerramento, próximo da média da OCDE, teve perdas substanciais entre 2018 e 2022: -15 pontos em leitura, -20 em matemática e -7 em ciências, superando as médias de degradação dos resultados da OCDE em mais de 5 pontos. Ao comparar perdas entre países com períodos de encerramento escolar semelhante, Portugal destaca-se pela negativa, especialmente em leitura e matemática. Este retrocesso dos conhecimentos e competências dos alunos de 15 anos ocorre em simultâneo com alterações significativas de política educativa a partir de 2016. Poderão estas políticas ter interferido com os impactos da pandemia entre 2018 e 2022?
Evolução das aprendizagens durante a pandemia
Apesar dos desafios criados pelo encerramento das escolas e das dificuldades pedagógicas e técnicas do ensino remoto de emergência durante a pandemia, os alunos foram avaliados pelos professores nos vários anos escolares. A figura 4 mostra as médias para língua portuguesa, matemática e ciências naturais no 9.º ano (o ano académico antes do que se testou no PISA), de 2017/2018 a 2021/2022, juntamente com a percentagem de alunos que não conseguiram alcançar uma nota positiva nestas disciplinas. Houve um aumento geral nas médias nacionais das três disciplinas do ano letivo 2017/2018 (pré-pandemia) para o ano letivo 2021/2022 (pós-pandemia). O aumento mais relevante ocorreu no ano do primeiro confinamento. No entanto, associar esta melhoria ao confinamento é uma interpretação demasiado simplista; provavelmente, tal evolução não resultou do encerramento das escolas, como se chegou a propor na comunicação social.
Os resultados reportados começaram a melhorar após o ano letivo 2018/2019, com a publicação do decreto-lei n.º 55/2018, de 6 de julho, que estabeleceu novos currículos autónomos e flexíveis para o ensino básico e secundário, bem como princípios gerais para a avaliação dos alunos. Essas diretrizes enfatizaram o desenvolvimento de competências centradas no aluno, valorizando o trabalho colaborativo e interdisciplinar no planeamento, execução e avaliação do ensino e da aprendizagem. O artigo 24.º promoveu explicitamente a avaliação formativa como método principal para obter informações privilegiadas e sistemáticas em vários domínios curriculares, envolvendo os alunos no processo de autorregulação da aprendizagem.
Além disso, adotou-se uma lógica de ciclos para a progressão dos alunos no ensino básico: os alunos que compreendem com sucesso os objetivos de aprendizagem para cada ciclo avançam para o ciclo seguinte. Na avaliação dos alunos no 1.º ciclo, o professor responsável pela turma, após consultar outros professores, ou o conselho de turma no 2.º e 3.º ciclos, «pode, em circunstâncias excecionais, decidir reter o aluno no mesmo ano de escolaridade». Pode-se atribuir de forma mais plausível a melhoria nas notas dos alunos após 2018 à desvalorização da avaliação sumativa e à implementação de políticas anti retenção, e não a um efeito fantasioso do confinamento.
Figura 4. Evolução das classificações médias finais e percentagem de reprovações no 9.º ano de escolaridade, entre 2017 e 2021
Recuperação de aprendizagens e avaliação do plano
Portugal implementou medidas de recuperação e avaliação nacional das perdas de aprendizagem. Após a resolução do Conselho de Ministros n.º 53-D/2020, realizou-se um estudo diagnóstico de avaliação computorizada (CBA) logo em janeiro de 2021, avaliando competências de leitura e informação, matemática e ciências no 3.º, 6.º e 9.ºanos. Os resultados destes testes originaram o Plano de Recuperação Escolar 21|23 (PRA), aprovado pela resolução n.º 90/2021, e que se foca em três áreas: ensino e aprendizagem; apoio às comunidades educativas; e compreensão e avaliação das aprendizagens. As medidas incluíram o fortalecimento da autonomia escolar, programas de tutoria, desenvolvimento de planos pessoais, sociais e comunitários para os alunos, e recursos online para professores. Instituiu-se um sistema de monitorização e avaliação, incluindo dados de escolas, exames nacionais e estudos do Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) e da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC).
Em 2023, repetiram-se as mesmas provas computorizadas de 2021 para avaliar a evolução das aprendizagens. Contudo, os dados (ver figura 5) indicam recuperações modestas a nulas nos níveis de proficiência mais baixos e perdas nos níveis mais elevados em leitura e literacia da informação. No caso da matemática, as perdas são mais pronunciadas no 9.º ano nos níveis de proficiência mais baixos. Os resultados nas ciências mostram uma tendência semelhante, com maiores perdas nos níveis mais baixos no 6.º e 9.º ano. No período pós-pandemia também aconteceram greves de professores e protestos pacíficos que poderão ter prejudicado a recuperação da aprendizagem.
Figura 5. Recuperação das aprendizagens, entre 2021 e 2023
Em suma…
Os dados disponíveis dos estudos internacionais e as provas de diagnóstico pré-pandemia vs. pós-pandemia indiciam um prejuízo óbvio de cerca de um ano de escolaridade na aprendizagem dos alunos entre 2018 e 2022. Contudo, como também aconteceu na maioria dos países da OCDE, as perdas de aprendizagem neste período não são apenas atribuíveis aos efeitos do confinamento e à substituição do ensino presencial pelo remoto de emergência. Estas perdas — como mostram os resultados de outros estudos internacionais, nomeadamente o TIMSS 2019 e o PIRLS 2021 — já se observavam antes do encerramento das aulas presenciais resultante da Covid-19. Notavelmente, Portugal era até 2015 o único membro da OCDE que revelava um crescimento positivo na literacia dos seus alunos de 15 anos. Esta tendência inverteu-se de 2015 para 2018, para a leitura e as ciências, e em 2022 para a matemática. Como já se referiu, as estimativas de perda de literacia 2015-2018 foram, em média, de 1.7 pontos PISA/ano, tendo duplicado para 3.4 pontos/ano entre 2018 e 2022. A pandemia da Covid-19 agravou, para o dobro, o efeito negativo da política educativa em curso.
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