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Nas últimas quatro décadas, as tecnologias de informação e comunicação (TIC) transformaram profundamente as nossas vidas. Embora se diga frequentemente que os jovens são «nativos digitais», muitos ainda apresentam baixa proficiência em TIC.

Em resposta a esta realidade, a International Association for the Evaluation of Educational Achievement (IEA) conduz, desde 2013, o International Computer and Information Literacy Study (ICILS), um estudo quinquenal que avalia as competências digitais essenciais para viver e trabalhar em sociedades modernas.

O conceito de literacia de computadores e informação

Neste estudo, define-se literacia de computadores e informação (LCI) como a capacidade de usar computadores para investigar, criar, comunicar e participar em ambientes digitais. O conceito abrange conhecimentos e competências fundamentais para o uso responsável de ferramentas digitais em contextos escolares, domésticos e profissionais, essenciais à cidadania digital. O estudo serve ainda de apoio para os países definirem políticas educativas que ajudem a preparar os estudantes para uma sociedade cada vez mais digital.

A edição de 2023 incluiu um teste de LCI (60 minutos), um teste de pensamento computacional (50 minutos) e questionários de contexto para estudantes e escolas. Participaram nesta edição 34 países, 5 mil escolas, 60 mil professores e 130 mil alunos do 8.º ano de escolaridade. Em Portugal, participaram 3650 alunos de 164 escolas selecionadas em todo o território nacional por um processo aleatório multietapas.

Figura 1. Ambiente do teste ICILS 2023

Resultados do estudo

A Figura 2 mostra o desempenho dos países nesta edição do estudo e a sua evolução em relação a 2018 (clique no mapa para ver os resultados de cada país). A Coreia do Sul ficou em primeiro lugar, com 540 pontos numa escala de 0 a 1000, enquanto o Azerbaijão ficou em último, com 319 pontos. Portugal obteve a 6.ª posição com 510 pontos, abaixo dos 516 pontos de 2018, mas ainda bem acima da média internacional de 476 pontos. Na Europa, apenas a República Checa, Dinamarca e Flandres (Bélgica) ficaram à frente de Portugal. Foi a primeira vez que os alunos portugueses alcançaram os cinco primeiros lugares europeus num estudo internacional de literacia.

Figura 2. Resultados de LCI e pensamento computacional nos 32 países do estudo

 

Globalmente, cerca de 25% dos estudantes ficaram abaixo do nível básico de LCI, enquanto 27% alcançaram o nível 1, 34% o nível 2 e 14% o nível 3, e só 1% atingiram o nível máximo (nível 4) (ver Figura 3). Em Portugal, cerca de 10% dos alunos ficaram abaixo do nível básico, 26% alcançaram o nível 1, 42% o nível 2, 20% o nível 3 e 1% o nível máximo, em linha com a média internacional.

Figura 3. Percentagem de alunos em cada nível de desempenho

 

Avaliação do pensamento computacional

Alguns países, incluindo Portugal, avaliaram ainda o pensamento computacional, isto é, a capacidade de resolver problemas reais com soluções computacionais. Taiwan foi o mais bem classificado, com 549 pontos, enquanto o Uruguai ficou com a pontuação mais baixa, 421 pontos. Portugal, com 484 pontos, granjeou a 12.ª posição entre 21 países: 6% dos alunos portugueses não alcançaram o nível básico de pensamento computacional, enquanto dois terços atingiram pelo menos o nível 2.

Diferenças de género

As raparigas superaram os rapazes em LCI com uma média internacional de 486 pontos, por oposição a 467 nos rapazes — tendência observada em 28 dos 31 países. Em Portugal, a diferença foi de apenas 9 pontos (514 e 505, respetivamente). Em pensamento computacional, os rapazes alcançaram uma pontuação ligeiramente superior (485, por oposição a 482 nas raparigas), com uma diferença de 11 pontos em Portugal (489 e 478 pontos, respetivamente).

A influência dos fatores socioeconómicos no desempenho

Os alunos de famílias com níveis socioeconómicos mais elevados alcançaram pontuações significativamente mais altas tanto em LCI quanto em pensamento computacional. Em Portugal, estudantes com pais de nível académico igual ou superior ao bacharelato obtiveram, em média, mais 40 e 46 pontos em LCI e pensamento computacional, respetivamente, por comparação com aqueles cujos pais têm menor escolaridade.

Também o acesso em casa a dispositivos digitais mostrou uma forte correlação com o desempenho. Em Portugal, os alunos com esse acesso regular e que os utilizam para trabalhos escolares tiveram em média mais 40 e 38 pontos, respetivamente, em LCI e pensamento computacional, do que os alunos que não têm acesso regular. Estes valores estão em linha com a tendência internacional.

Também o bom acesso à internet está correlacionado com desempenhos superiores. Os alunos portugueses que reportaram acesso regular à internet obtiveram mais 21 em LCI do que os colegas que reportaram quebras frequentes de acesso. Além disso, os alunos de escolas privadas superaram significativamente os de escolas públicas, tanto em LCI (554, por comparação com 551) quanto em pensamento computacional (547, por comparação com 475).

O que mudou desde 2018?

Entre os dez países com dados comparáveis entre 2018 e 2023, apenas Itália e Luxemburgo mostraram melhorias significativas. Cinco dos países participantes não apresentaram variações significativas, e três apresentaram resultados significativamente piores. Em Portugal, houve uma diminuição de 6 pontos nesse período, que não é estatisticamente significativa. Observou-se também uma redução de 4% na proporção de alunos que atingiram pelo menos o nível 2 em LCI (63% em 2023, 67% em 2018).

Figura 4. Evolução das pontuações em LCI nos países com dados comparáveis

 

Consideração finais

Embora as competências de literacia digital pareçam ter-se mantido mais estáveis do que outras literacias avaliadas em estudos internacionais antes e após o período pandémico (ver por exemplo PISA 2022: O retrocesso anunciado), os resultados sugerem que o ensino remoto de emergência durante a pandemia não promoveu o esperado avanço nas competências digitais dos alunos. A experiência de ensino online focou-se no uso imediato de ferramentas digitais para atividades educativas, mas a verdadeira literacia de computadores e informação (LCI) e o pensamento computacional exigem uma abordagem mais aprofundada e diversificada.

Para as fortalecer, as políticas educativas devem, desde o 1.º ciclo, integrar nos currículos a literacia digital e o pensamento computacional, com atividades que vão além do uso básico da tecnologia e promovam a análise e criação digital.

São essenciais investimentos na formação contínua dos professores em metodologias digitais e na redução de desigualdades no acesso a dispositivos e à internet nos alunos desfavorecidos. Programas dirigidos especificamente a rapazes podem mitigar as diferenças de desempenho observadas, e parcerias com o setor tecnológico proporcionam experiências práticas valiosas.

Monitorizar regularmente a literacia digital ajudará a identificar necessidades e melhorias, e a promoção de cidadania digital e segurança online incentivará o uso responsável das TIC, preparando melhor os alunos para os desafios de uma sociedade cada vez mais digital.

AUTOR

João Marôco (Ph.D., Washington State University) é professor catedrático no ISPA-IU onde leciona disciplinas de Análise Estatística, Métodos de Investigação e Técnicas Avançadas de Análise de Dados; e Professor II na Nord University, Noruega onde desenvolve trabalho de investigação em Burnout e Envolvimento Académico no Ensino Superior.  É consultor do Banco Mundial e da Iniciativa Educação Teresa e Alexandre Soares dos Santos em Estatísticas da Educação. Entre 2014 e 2018 foi vogal do conselho diretivo do IAVE, I.P. onde coordenou os estudos de avaliação por amostragem em larga escala (PISA, TIMSS, PIRLS, ICILS) e o projeto piloto de e-Assessment. Os seus interesses de investigação incluem a avaliação e desenvolvimento de escalas psicométricas, aplicações de regressão, modelação de equações estruturais, avaliação e amostragem em larga escala e classificação nas ciências biológicas, da saúde, sociais e humanas. Atualmente, publicou 450 artigos em revistas nacionais e internacionais com arbitragem científica e quatro livros sobre Análise Estatística, Análise de Equações Estruturais e Avaliação Psicométrica. De acordo com o Google Scholar, o seu trabalho académico foi citado mais de 43 000 vezes (H = 73; i10 = 280). Segundo o AD Scientific Index pertence ao Top 2% dos académicos mais citados em Portugal e do Mundo. Faz parte ainda do top 2% de cientistas mundiais no Ranking da Universidade de Stanford.

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