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Por encerrar o 1.º ciclo do ensino básico, o 4.º ano é um importante momento de transição no desenvolvimento dos alunos como leitores: se até ao 4.º ano aprendem a ler, a partir daqui devem ser capazes de ler para aprender. Com a divulgação dos resultados do importante estudo PIRLS 2021, podemos descobrir como evoluiu o desempenho da leitura destes alunos.

O estudo internacional PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study), conduzido pela IEA (International Association for the Evaluation of Educational Achievement), avalia o desempenho na leitura dos alunos do 4.º ano de escolaridade. Com a divulgação dos resultados de 2021, os 20 anos deste estudo — aplicado pela primeira vez em 2001 e realizado de cinco em cinco anos — permitem avaliar as tendências da chamada “literacia de leitura”.

Esta avaliação faz-se com base num quadro de referência desenvolvido conjuntamente pela IEA e pelos países participantes. O estudo inclui um teste de leitura de textos informativos e de textos literários e questionários aplicados ao aluno, à família, aos professores e ao diretor da escola, o que permite enquadrar os resultados dos alunos no seu contexto individual, familiar, de aprendizagem e de escola.

No estudo de 2021, participaram 57 países e regiões/sistemas educativos, além de 8 regiões em análise comparativa. O teste decorreu durante o confinamento da covid-19, com problemas adicionais na recolha dos dados e na avaliação final, pois 14 dos 57 participantes aplicaram o teste já a alunos no 5.º ano.

Resultados globais

Em 2021, para os alunos do 4º ano, os países do Sudeste Asiático e a Federação Russa mantêm a liderança na leitura, seguindo-se a Inglaterra, a Finlândia, a Polónia, a China (Taipei) e a Suécia. Em contrapartida, os últimos lugares da lista são ocupados pelo Brasil, pela República Islâmica do Irão, pela Jordânia, pelo Egito e pela África do Sul.

Portugal está ao nível da Espanha e da Eslovénia, situando-se na 22.ª posição da tabela dos países participantes na primeira fase, com uma média de 520 pontos, significativamente acima do ponto central do PIRLS (500 pontos).

Em Portugal

Portugal participa no PIRLS desde 2011, o que permite analisar a sua evolução ao longo de três ciclos.

Em 2021, os resultados dos alunos portugueses pioraram, mantendo a tendência de decréscimo linear que se observa desde 2011. Portugal registou uma descida significativa de 8 pontos relativamente a 2016, e de 21 pontos relativamente a 2011. O mesmo não aconteceu em Singapura, líder neste e nos ciclos anteriores do estudo. Já a Finlândia segue a mesma tendência de Portugal, com uma descida significativa de 17 pontos no desempenho médio por comparação com o ciclo anterior de 2016.

Evolução dos resultados

Por comparação com 2016, e alunos no 4.º ano, só três países melhoraram o desempenho médio em leitura, oito países mantiveram-no e 21 países pioraram-no. Assim, quase dois terços dos países participantes tiveram uma descida do desempenho entre 2016 e 2021, sugerindo uma influência negativa generalizada da pandemia.

Níveis de leitura

Para caracterizar o desempenho dos alunos, o PIRLS descreve níveis de proficiência hierarquizados numa escala de quatro níveis: baixo (de 400 a 475 pontos), intermédio (de 475 a 550), elevado (de 550 a 625) e avançado (625 ou mais). Existe ainda um nível inferior ao nível baixo, para alunos com pontuações inferiores a 400 pontos.

Em Portugal, aproximadamente 6% dos alunos conseguiram alcançar o nível avançado de leitura, e a mesma percentagem não chegou sequer ao nível básico.

Por comparação com 2016, os dados de 2021 mostram que aumentou a percentagem de alunos nos níveis mais baixos e diminuiu a de alunos nos níveis mais elevados. Apenas, cerca de um quarto dos alunos portugueses atingem o nível médio de Singapura.

A leitura por género

Portugal é o país, de entre os 57 participantes, com menor diferença significativa entre raparigas e rapazes (6 pontos). Em 2021, a média do desempenho das raparigas foi 523 pontos e a dos rapazes foi 517 pontos. Já em 2016 a diferença foi de 2 pontos (o que não é uma diferença significativa). Na maioria dos países, continua a verificar-se a tendência de melhor desempenho das raparigas.

Diferenças socioeconómicas e regionais

A diferença de pontuações dos alunos portugueses com nível socioeconómico elevado (555 pontos) e baixo (488 pontos) foi de 67 pontos, o que, neste tipo de estudos internacionais, se estima corresponder a cerca de dois anos de escolaridade consecutivos e mostra o grande fosso na leitura dos alunos de Portugal.

As escolas privadas (554 pontos) apresentam melhor desempenho que as públicas (515 pontos). Contudo, as análises detalhadas dos fatores que explicavam os desempenhos dos alunos no estudo de 2016 mostraram que a diferença entre o ensino público e o privado desaparece quando se corrigem as diferenças considerando os recursos facilitadores da aprendizagem (e que indicam o nível socioeconómico das famílias), as quais valorizam a aprendizagem da leitura.

Em termos regionais, houve uma grande disparidade no desempenho médio dos alunos. A zona (NUT II) do país com melhor desempenho foi a Madeira (532 pontos), onde nos últimos anos se implementou o projeto de manuais digitais — ainda que só no 2.º e 3.º ciclos e secundário, mas com possível contaminação ao 1.º ciclo. As zonas Norte e Centro e a Área Metropolitana de Lisboa apresentaram um desempenho de 522 pontos, e o Algarve, de 519 pontos. O Alentejo e os Açores registaram médias inferiores a 500 pontos (498 e 497 pontos, respetivamente).

As crianças com elevadas competências precoces de literacia (14% da amostra) tiveram 546 pontos, mais 33 pontos do que as crianças com reduzidas competências precoces (51%), com 513. Os alunos com elevada confiança na sua capacidade de leitura (42%) tiveram em média 554 pontos, ao passo que os que têm confiança reduzida (21%), 465 pontos. Por fim, os alunos de escolas com elevada ênfase no sucesso académico (6%) têm, em média, mais 42 pontos (550) do que os alunos de escolas com pouca ênfase (508). Estes indicadores já tinham sido identificados em Portugal no estudo de 2016 e são um fator comum à maioria dos países.

Efeitos da pandemia

O PIRLS 2021 foi a única avaliação internacional de desempenho educacional que recolheu dados durante a interrupção letiva provocada pelo covid-19, o que a torna uma fonte extremamente rica e valiosa para investigar o impacto da pandemia no ensino e na aprendizagem da leitura.

Em Portugal, a recolha de dados decorreu no período inicialmente planeado, entre 12 de abril e 30 de junho de 2021, durante a fase final da pandemia.

A conclusão generalizada é que o decréscimo observado nos resultados de quase dois terços dos participantes pode explicar-se em parte pelo fecho das escolas durante o confinamento.

Em Portugal, 85% dos alunos, segundo os encarregados de educação, ficaram em casa por causa da covid-19. Destes, só 16% não tiveram a aprendizagem afetada negativamente pelo vírus, 55% sentiram alguma interferência, e 14% foram fortemente afetados.

A descida do desempenho médio dos alunos portugueses entre 2016 e 2021 pode sugerir um impacto negativo da pandemia nos resultados. Observou-se esse impacto nas provas de aferição entre 2018 e 2021 (antes e depois da pandemia): os resultados pioraram no 5.º ano de escolaridade, sobretudo na oralidade e na leitura e educação literária (mais 18,5 e 27,2 pontos percentuais na percentagem de alunos que não sabe/não responde).

Discrepâncias entre o estudo online e em papel

O PIRLS 2021 foi aplicado em formato digital em 25 países, entre eles Portugal. Para alinhar e manter a tendência com os resultados dos anos anteriores, realizou-se um estudo paralelo, designado de invariância de modo — isto é, comparando os resultados em papel com os resultados em suporte digital.

Em Portugal, participaram 6111 alunos no estudo digital, com um desempenho médio de 520 pontos, e 2032 alunos no estudo em papel, com desempenho médio superior (531 pontos). Já em 2016, no estudo de leitura online ePIRLS, os alunos portugueses tinham tido piores resultados online (522) que em papel (528), uma diferença significativa de 6 pontos.

O fosso entre o digital e o papel parece ter quase duplicado, com uma diferença de 11 pontos em 2021. Portugal foi, a par de Taiwan (diferença de 16 pontos), um dos dois participantes em que os resultados em digital foram significativamente inferiores aos do papel. Em três outros, os resultados em digital foram superiores (a Noruega teve mais 16 pontos, a Lituânia, mais 10 pontos, e a Arábia Saudita, mais 31 pontos). Nos outros 20 países, a variação não foi significativa.

Estes estudos paralelos, de invariância de modo, servem para calibrar o valor final apresentado pelo relatório PIRLS. Assim, o valor reportado (520 no caso de Portugal) mantém a comparabilidade com os resultados anteriores, considerando a dificuldade relativa dos dois modos de aplicação e constituindo, por isso, a estatística de referência do relatório.

O que aconteceu e como melhorar

Entre 2016 e 2021, ocorreram várias alterações às medidas educativas específicas da aprendizagem do Português.

Se, por um lado, apenas em 2021 se revogaram os programas e as metas curriculares em vigor desde 2015, em 2016 adotou-se a flexibilidade curricular e, dois anos depois, começaram a aplicar-se as aprendizagens essenciais. Em regra, os grupos disciplinares de Português das escolas e dos agrupamentos decidiram o que deviam ou não ensinar do programa, em orientações que vigoram desde o ano letivo 2016/2017. Nas orientações do pré-escolar desapareceram as recomendações de leituras de histórias. O fim, em 2016, das provas finais de 4.º ano também pode explicar os piores resultados. O efeito das avaliações externas com consequências (como os exames) tem sido, aliás, repetidamente verificado em vários países, entre eles Portugal.

O que se pode fazer para inverter a tendência da literacia de leitura de Portugal? Há variáveis que podem ajudar a melhor o desempenho dos alunos portugueses.

A prática e o incentivo da leitura no seio familiar são dos melhores preditores da literacia alcançada pelas crianças, bem como as práticas precoces de leitura (reconhecer letras, palavras e sons, conseguir reconhecer palavras e associá-las a imagens, etc.), quer em ambiente pré-escolar, quer na família.

Já nas escolas, as práticas focadas na leitura em voz alta, os ditados e a leitura seguida de questões sobre a informação presente nos textos são boas preditoras, bem como a ênfase da escola no sucesso escolar.

Por fim, currículos bem estruturados e avaliações intercalares válidas e fiáveis, que diagnostiquem e corrijam problemas de aprendizagem de leitura, são frequentes nos países que obtêm melhores resultados sistematicamente no PIRLS.

AUTORES

João Marôco (Ph.D., Washington State University) é professor catedrático no ISPA-IU onde leciona disciplinas de Análise Estatística, Métodos de Investigação e Técnicas Avançadas de Análise de Dados; e Professor II na Nord University, Noruega onde desenvolve trabalho de investigação em Burnout e Envolvimento Académico no Ensino Superior.  É consultor do Banco Mundial e da Iniciativa Educação Teresa e Alexandre Soares dos Santos em Estatísticas da Educação. Entre 2014 e 2018 foi vogal do conselho diretivo do IAVE, I.P. onde coordenou os estudos de avaliação por amostragem em larga escala (PISA, TIMSS, PIRLS, ICILS) e o projeto piloto de e-Assessment. Os seus interesses de investigação incluem a avaliação e desenvolvimento de escalas psicométricas, aplicações de regressão, modelação de equações estruturais, avaliação e amostragem em larga escala e classificação nas ciências biológicas, da saúde, sociais e humanas. Atualmente, publicou 450 artigos em revistas nacionais e internacionais com arbitragem científica e quatro livros sobre Análise Estatística, Análise de Equações Estruturais e Avaliação Psicométrica. De acordo com o Google Scholar, o seu trabalho académico foi citado mais de 43 000 vezes (H = 73; i10 = 280). Segundo o AD Scientific Index pertence ao Top 2% dos académicos mais citados em Portugal e do Mundo. Faz parte ainda do top 2% de cientistas mundiais no Ranking da Universidade de Stanford.

Patrícia Costa é professora no ISEC Lisboa - Instituto Superior de Educação e Ciências onde leciona estatística e matemática. É, também, investigadora na área de Estatística da Educação no Centro de Matemática Aplicada à Previsão e Decisão Económica (CEMAPRE). É doutorada na área de Estatística/Psicometria e completou o mestrado e licenciatura na área de Matemática.

A sua investigação foca-se em tópicos de Avaliação Educacional, Estatística Aplicada, Educação Comparativa e Psicometria. A maior parte da investigação que tem feito incide na análise estatística de bases de dados internacionais (por exemplo, PISA, PIAAC, PIRLS, ICCS, TIMSS, TALIS) e na validação de novos instrumentos e inquéritos.

Tem experiência de investigação e de prestação de apoio técnico a decisores políticos no Joint Research Centre (JRC) da Comissão Europeia, onde desenvolveu, entre outros, trabalho relacionado com a utilização e construção de bases de dados. É autora/co-autora de diversos artigos científicos em revistas internacionais, capítulos de livros e relatórios técnicos. Começou a sua vida profissional como professora do Ensino Básico e Secundário e tem experiência na lecionação de Matemática e Estatística no Ensino Superior.

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