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Os resultados do TIMSS 2023 mostram uma queda preocupante no desempenho dos alunos portugueses em Matemática e Ciências, especialmente no 8.º ano, onde Portugal está em último lugar entre os 15 países europeus que participaram neste estudo. A pandemia e as desigualdades entre escolas públicas e privadas agravaram ainda mais os problemas no sistema educativo, tornando urgente a implementação de políticas baseadas em factos para mitigar estes efeitos e recuperar dos efeitos negativos das «aprendizagens essenciais».

O TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study) é um estudo internacional realizado pela IEA e pelo TIMSS & PIRLS International Study Center que avalia o desempenho de alunos do 4.º e 8.º anos em Matemática e Ciências. A edição de 2023, a oitava desde o início desta recolha, marcou a transição para um formato totalmente digital, com questões interativas e tarefas de resolução de problemas e investigação, refletindo o crescente uso da tecnologia no ensino [1]. Com um formato quase longitudinal, o TIMSS avalia a mesma coorte de alunos em torno dos 10 e dos 14 anos, permitindo identificar necessidades de intervenção curricular e medir a eficácia das estratégias adotadas. O estudo avalia conteúdos de Matemática (números, medida e geometria, dados) e Ciências (ciências da vida, ciências físicas, geociências), e recolhe dados contextuais através de questionários aplicados a alunos, professores, famílias e diretores de escolas.

A evolução dos resultados de Portugal no TIMSS

Na primeira participação, em 1995, os alunos portugueses obtiveram 442 pontos em Matemática e 452 pontos em Ciências na prova do 4.º ano. No 8.º ano, as pontuações respetivas foram 451 e 473, numa escala de 0 a 1000 pontos, com uma média internacional de 500 e um desvio-padrão de 100. Estes resultados colocaram Portugal no final da tabela entre os então 26 países participantes [3].

Após uma ausência de 16 anos, Portugal voltou a participar no TIMSS em 2011, mas apenas com o 4.º ano. Nessa edição, os alunos portugueses alcançaram resultados que os posicionaram no primeiro terço da tabela dos 52 participantes, tanto em Matemática quanto em Ciências.

Em 2015, os alunos portugueses tiveram o seu melhor desempenho de sempre em Matemática, com 541 pontos. Este resultado representou uma subida no ranking internacional, deixando Portugal à frente de países que são uma referência em educação, como a Finlândia (531 pontos) ou a Alemanha (522 pontos). No entanto, depois de 2015, tal como noutras avaliações internacionais, como o PISA e o PIRLS, o desempenho dos alunos portugueses começou a decrescer. Em 2019, registou-se em Matemática uma redução de 16 pontos em relação a 2015, e em 2023 verificou-se uma nova queda de 8 pontos face ao ciclo anterior.

Em Ciências, o desempenho dos alunos portugueses tem vindo a baixar de forma mais consistente desde 2011, embora a variação de apenas 4 pontos entre 2015 e 2019 não tenha sido relevante. Em 2023, contudo, registou-se uma melhoria de 7 pontos na literacia científica, sugerindo uma possível recuperação.

Portugal participou com o 8.º ano apenas nas últimas duas edições do TIMSS. Entre 2019 e 2023, observou-se uma deterioração dos resultados em ambas as disciplinas: uma redução de 25 pontos em Matemática, o equivalente a um ano de escolaridade na métrica da OCDE, e uma diminuição de 13 pontos em Ciências.

Gráfico 1. Evolução das pontuações médias dos alunos portugueses no TIMSS

Comparando com outros países europeus, os resultados portugueses em Matemática do 4.º ano ficaram acima de doze dos 32 países participantes. No entanto, os alunos portugueses do 8.º ano ficaram em último lugar entre os 15 países europeus que participaram no estudo.

TIMSS 2023: Um mundo pós-Covid

Em 2023, 59 países participaram com o 4.º ano e 44 com o 8.º, com um total de mais de meio milhão de alunos. Em Portugal, foram avaliados 5214 alunos do 4.º ano e 5414 do oitavo. Globalmente, 9% dos alunos do 4.º ano não atingiram o nível mínimo em Matemática, e 10% em Ciências. Em Portugal, estas percentagens foram ligeiramente melhores (9% e 7%, respetivamente). Quanto ao 8.º ano, 19% de todos os alunos ficaram abaixo do nível mínimo em Matemática e 20% em Ciências, com resultados portugueses semelhantes a Matemática (19%), mas melhores a Ciências (10%). O mapa seguinte apresenta estes resultados [2].

Gráfico 2. Resultados mundiais TIMSS 2023

A tendência geral de pioria dos resultados nos dois anos de escolaridade relativamente a 2019 traduziu-se num acréscimo da percentagem de alunos que não alcançou sequer o nível mais baixo de conhecimentos e na redução da percentagem de alunos com níveis de desempenho intermédio e elevado. Trinta por cento dos alunos do 4.º ano estão no nível de competências baixo ou inferior a Matemática; no 8.º ano esta percentagem é 51%. Um em cada dois alunos não consegue mais do que realizar operações matemáticas básicas com números inteiros e gráficos. Em Ciências, o panorama é ligeiramente melhor: 36% dos alunos do 8.º ano e 30% dos do quarto estão no nível baixo ou inferior, demonstrando compreensão limitada de conceitos básicos e evidências científicas. (Ver Gráfico 3).

Gráfico 3. Percentagem de alunos em cada nível de desempenho

O percurso dos alunos do TIMSS 2023: impacto da pandemia e das políticas educativas

A coorte de alunos portugueses do 4.º ano que participou no TIMSS 2023 foi afetada pelo encerramento das escolas devido ao confinamento provocado pela Covid-19. Estas crianças tiveram as escolas encerradas durante 62 dias do seu primeiro ano de escolaridade: isto correspondeu a uma perda de 34% dos 180 dias habituais. No segundo ano, enfrentaram mais 25 dias de encerramento, equivalendo a 14% do ano letivo. Para mitigar estas perdas, os terceiros e quartos anos seguiram «planos de recuperação das aprendizagens». Os alunos do 8.º ano também sofreram com as interrupções. As escolas estiveram encerradas durante 62 dias no seu quinto ano e 35 dias no sexto. Esses alunos beneficiaram de «planos de recuperação das aprendizagens» no sétimo e no oitavo ano. Os alunos de ambas as coortes não realizaram provas de aferição durante o período escolar e estiveram sujeitos às orientações curriculares baseadas nas aprendizagens essenciais e na flexibilidade curricular. Tal como a coorte de 2019, os alunos de 2023 não realizaram provas finais de ciclo e não beneficiaram das atividades de apoio ao estudo, que haviam sido eliminadas em 2016 (ver Figura 1, adaptada e atualizada de [4]).

Figura 1. Percurso escolar dos alunos do 4.º ano que realizaram o TIMSS 2023 

Ao comparar a evolução da coorte de alunos do TIMSS, observa-se uma perda significativa entre o 4.º (2019) e o 8.º ano (2023). Em Matemática, a percentagem de alunos que não alcançaram sequer o nível básico quase quadruplicou, passando de 5% para 19%. Simultaneamente, a percentagem de alunos com desempenho elevado diminuiu de 30% para 16%. Em Ciências, a descida foi menos acentuada, com uma redução de 2 a 7 pontos percentuais nos níveis de desempenho elevado e intermédio.

Na comparação dos subsistemas de ensino privado e público, as escolas privadas destacam-se. Na Matemática do 4.º ano, os alunos de escolas privadas atingiram 557 pontos contra 511 pontos dos alunos das escolas públicas. Esta distância de 46 pontos é quase equivalente a dois anos de escolaridade. Em Ciências, a diferença foi semelhante (544 vs. 505). No 8.º ano, esta disparidade aumentou: em Matemática, os alunos das escolas privadas alcançaram 541 pontos, enquanto os do público ficaram com 469; em Ciências, os valores foram 562 e 500 pontos, respetivamente. Esta discrepância está associada aos recursos facilitadores de aprendizagem, como demonstrado noutros estudos [5]. Em Matemática, a diferença de desempenho entre alunos com muitos e com poucos recursos foi de 91 pontos no 8.º ano (524 vs. 433), equivalente a quase quatro anos de escolaridade. No 4.º ano, a diferença foi de 79 pontos (555 vs. 476), o que corresponde a cerca de três anos de escolaridade. Em Ciências, as divergências são menores, mas ainda relevantes: no 4.º ano, os alunos com muitos recursos obtiveram 68 pontos a mais (544 vs. 476), enquanto no oitavo ano a diferença aumentou para 87 pontos (551 vs. 464).

Nas escolas em que os diretores atribuem uma importância «muito elevada» ao sucesso escolar, os alunos apresentam melhores resultados. No 8.º ano, a variação em Matemática entre estas escolas e aquelas onde o sucesso tem uma importância «moderada» foi de 55 pontos (524 vs. 516), enquanto em Ciências foi de 46 pontos. No 4.º ano, as diferenças foram menores: 16 pontos em Matemática e 13 pontos em Ciências.

E agora?

Os resultados do TIMSS 2023, assim como os do PIRLS 2021 e do PISA 2022, indicam uma deterioração preocupante no sistema educativo nacional. O impacto da pandemia, que causou o encerramento prolongado das escolas e a transição para o ensino à distância, contribui para essa tendência. Durante esse período, os alunos perderam dias letivos essenciais, o que afetou a aquisição de conhecimentos e competências. No entanto, a pandemia não pode ser a única explicação para os problemas atuais. Além de ter consequências para os alunos, a eliminação das provas finais de ciclo enfraqueceu os mecanismos de monitorização e dificultou a identificação precoce de dificuldades. A redução das atividades de apoio ao estudo e a implementação da flexibilidade curricular e das aprendizagens essenciais conduziram à diminuição da profundidade no ensino, agravando as lacunas em Matemática e Ciências. Por outro lado, a literacia em Ciências no 4.º ano apresenta sinais de recuperação, o que pode ser atribuído à maior visibilidade de questões científicas, como a pandemia e as alterações climáticas. Isto sugere que a discussão em sociedade e os meios de comunicação social podem ter um impacto positivo na aprendizagem dos alunos.

Portugal tem a capacidade de recuperar, mas para tal é necessário adotar políticas educativas baseadas em factos, planeamento estratégico e um compromisso coletivo.

Referências bibliográficas

[1] IEA (2024). TIMSS: Trends in International Mathematics and Science Study https://www.iea.nl/studies/iea/timss#section-608. Consultado em 04/12/2024

[2] IES > NCES (2024) TIMSS data https://nces.ed.gov/timss/idetimss/. Consultado em 03/12/2024.

[3] IEA TIMSS & PIRLS International Study Center (2024). TIMSS 2023 International Results in Mathematics and Science. https://timss2023.org/results/. Consultado em 05/12/2024.

[4] Marôco, J. (2018). O Bom Leitor: Preditores da Literacia de Leitura dos Alunos Portugueses no PIRLS 2016: Revista Portuguesa De Educação31(2), 115–131. https://doi.org/10.21814/rpe.13768

[5] Marôco, J. (2025). Portugal: COVID-19 Learning Losses Through the Lenses of ILSA and Local Low Stake Assessments. In: Crato, N., Patrinos, H.A. (eds) Improving National Education Systems After COVID-19. Evaluating Education: Normative Systems and Institutional Practices. Springer, Cham. https://doi.org/10.1007/978-3-031-69284-0_10

 

AUTOR

João Marôco (Ph.D., Washington State University) é professor catedrático no ISPA-IU onde leciona disciplinas de Análise Estatística, Métodos de Investigação e Técnicas Avançadas de Análise de Dados; e Professor II na Nord University, Noruega onde desenvolve trabalho de investigação em Burnout e Envolvimento Académico no Ensino Superior.  É consultor do Banco Mundial e da Iniciativa Educação Teresa e Alexandre Soares dos Santos em Estatísticas da Educação. Entre 2014 e 2018 foi vogal do conselho diretivo do IAVE, I.P. onde coordenou os estudos de avaliação por amostragem em larga escala (PISA, TIMSS, PIRLS, ICILS) e o projeto piloto de e-Assessment. Os seus interesses de investigação incluem a avaliação e desenvolvimento de escalas psicométricas, aplicações de regressão, modelação de equações estruturais, avaliação e amostragem em larga escala e classificação nas ciências biológicas, da saúde, sociais e humanas. Atualmente, publicou 450 artigos em revistas nacionais e internacionais com arbitragem científica e quatro livros sobre Análise Estatística, Análise de Equações Estruturais e Avaliação Psicométrica. De acordo com o Google Scholar, o seu trabalho académico foi citado mais de 43 000 vezes (H = 73; i10 = 280). Segundo o AD Scientific Index pertence ao Top 2% dos académicos mais citados em Portugal e do Mundo. Faz parte ainda do top 2% de cientistas mundiais no Ranking da Universidade de Stanford.

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