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Diálogo e retorno: Duas peças-chave para o desenvolvimento da linguagem

O diálogo assume um papel crítico no desenvolvimento da linguagem das crianças. De acordo com a literatura, fazer perguntas é uma das estratégias que, ao estimular a interacção adulto-criança, oferece aos mais novos a oportunidade de comunicar e, consequentemente, desenvolver a linguagem e vocabulário. Igualmente importante é o retorno (no inglês, feedback). Quando os adultos fornecem retorno às crianças, contribuem significativamente para o desenvolvimento do seu conhecimento e vocabulário, permitindo-lhes aprender a utilizar uma linguagem adequada, benéfica para a aprendizagem da leitura e da escrita.

Segundo diversos estudos, os professores parecem fazer mais perguntas fechadas, isto é, que requerem uma resposta breve e simples (e.g., «sim» e «não»), do que perguntas abertas, que estimulem as crianças a reflectir sobre o que lhes foi perguntado e formular uma resposta ampla e explicativa. Além disso, quando fazem uma pergunta aberta, tendem a avançar rapidamente para uma pergunta fechada, antes de as crianças responderem. Por exemplo, o professor pede aos alunos para descreverem o que as crianças de uma imagem estão a fazer e imediatamente depois questiona: «Estão a brincar?»

Reflicta acerca das seguintes questões:

  • Como costuma promover o desenvolvimento linguístico dos seus alunos?
  • Com que frequência faz perguntas abertas?
  • Quanto tempo dá aos alunos para responderem às questões colocadas?
  • Costuma dar retorno aos alunos? Como?

Alguns estudos têm verificado, também, que os professores parecem não dar tempo suficiente aos alunos para desenvolverem uma resposta. Em vez disso, tendem a fazer a mesma pergunta, ou uma questão semelhante, a um aluno diferente. De acordo com Wasik et al. (2022), este tipo de situações não fornece aos alunos a oportunidade de desenvolverem uma resposta descritiva, explicativa e/ou opinativa, potencialmente benéfica para o desenvolvimento da linguagem e vocabulário. No entanto, é fundamental ter em conta que na origem destas situações podem estar factores como o tempo limitado, a necessidade de manter um ritmo acelerado na aula e a preocupação com a possibilidade de as crianças darem uma resposta descontextualizada.

A investigação tem demonstrado que a frequência e a qualidade do retorno dos professores pode influenciar significativamente o desenvolvimento linguístico dos alunos. Considere as diferenças entre as seguintes conversas:

    Conversa 1

    • Professor: O que te leva a afirmar que, na imagem, está apresentado um insecto? 
    • Aluno: As seis pernas.
    • Professor: Certo, bom trabalho!

    Conversa 2

    • Professor: O que te leva a afirmar que, na imagem, está apresentado um insecto? 
    • Aluno: As seis pernas. 
    • Professor: Certo, bom trabalho! Podes dizer-me mais sobre isso? O que vês mais? 
    • Aluno: O tórax.
    • Professor: Certo! O tórax é a parte do meio. Então, diz-me quais são as três partes do corpo que, juntas, constituem um insecto. É um insecto porque... [pausa para a criança pensar e formular uma resposta]
    • Aluno: É um insecto porque tem cabeça, tórax e abdómen.
    • Professor: Muito bem! Obrigada pela tua resposta!

      Em ambas as conversas, o professor inicia o diálogo com o aluno a partir de uma pergunta aberta. Porém, na primeira conversa o professor fornece apenas um elogio. Embora o retorno positivo assuma um papel fundamental, a resposta não envolve a criança num diálogo que lhe permita desenvolver a linguagem. O mesmo não sucede na segunda conversa. O retorno do professor permite à criança, tal como Wasik et al. (2022) referem, utilizar mais linguagem, explicar e aprender.

      De acordo com a investigação mais recente, quando o retorno dos professores se baseia em comentários conceptuais, que vão além de uma simples definição, aumenta significativamente o vocabulário das crianças. Por exemplo, se à pergunta «O menino estava a correr porquê?» o aluno responder «Ele estava a tentar chegar a casa antes de escurecer», o professor poderia replicar: «Sim, exactamente! À medida que o sol se põe, o dia fica mais escuro, por isso, torna-se difícil conseguirmos ver. Podes descrever-me uma situação em que, para ti, é difícil ver no escuro?» Esta resposta permite à criança adquirir informação sobre o que acontece quando escurece e estabelecer uma ligação com o conhecimento prévio e experiências anteriores.

      A reformulação e expansão das respostas assume também um papel crítico no desenvolvimento da linguagem infantil. A reformulação ocorre, muito simplesmente, quando o professor acrescenta informação à resposta do aluno, nomeadamente informação gramatical (informação sintáctica) e dados sobre o significado de uma palavra (informação semântica). Por exemplo, se uma criança disser «Casaco vermelho!», o professor pode responder: «Queres o teu casaco vermelho?» A expansão, por sua vez, ocorre quando o professor desenvolve a resposta da criança para lhe demonstrar como um adulto responderia. Por exemplo, ao referir «Se o teu casaco vermelho ficasse no exterior, ia ficar muito quente», o professor modela estruturas linguísticas mais complexas. Além disso, a reformulação e a expansão podem manter a interacção professor-aluno se seguidas de uma pergunta aberta, tal como: «Podes descrever-me melhor o teu casaco, para ser mais fácil encontrá-lo?»

      Por último, mas não menos importante, a utilização explícita do vocabulário pode aumentar, também, as competências linguísticas das crianças. Por exemplo, se uma criança perguntar pelo casaco vermelho, o professor pode responder: «Queres o teu casaco, que também se pode chamar sobretudo. Sabias que, às vezes, chamamos sobretudo a um casaco?» Assim, o professor, além de reformular a linguagem da criança, dá-lhe a conhecer uma palavra.

      Sete estratégias para promover o desenvolvimento da linguagem na sala de aula:

      1. Espere por uma resposta. Quando colocar uma questão, aguarde pela resposta do aluno. Muitas vezes as crianças não têm tempo para reflectir e formular uma resposta. Modele este comportamento de espera, incentivando as crianças a responder.
      2. Forme pequenos grupos. É mais fácil envolver as crianças em conversas duradouras, sobre diversos temas, quando estão em pequenos grupos (3 a 4 crianças). Além de terem mais oportunidades para interagir com os colegas, os professores podem fornecer retorno mais facilmente, para as encorajar a comunicar com mais frequência.
      3. Faça perguntas de seguimento. Geralmente, o retorno dos adultos consiste num comentário breve e simples, que não estimula o diálogo com as crianças. Depois de a criança responder à sua questão, faça outra pergunta (e.g., «Achas que isso aconteceu porquê?»; «O que pensas sobre isso?»). Uma pergunta de seguimento encorajará as crianças a falar mais.
      4. Coloque questões sobre episódios da vida dos alunos. O retorno pode ajudar as crianças a recorrerem ao conhecimento prévio, isto é, ao conhecimento geral acerca do mundo que as rodeia, respondendo às perguntas colocadas e indo além de uma resposta breve. Para isso, é importante os professores colocarem, por exemplo, questões sobre situações que ocorreram na sala de aula ou em casa, e fazerem comentários sobre acontecimentos futuros relacionados.
      5. Procure saber mais sobre os alunos. Ter conhecimento acerca do que uma pessoa sabe e sente quanto ao que se está a falar constitui uma das partes mais significativas de uma conversa. Além disso, conhecer as crianças, por exemplo, relativamente ao que gostam de fazer nos tempos livres, com que brinquedos preferem brincar e o que mais apreciam na escola, pode ajudar a fornecer um retorno mais adequado e ajustado a cada criança. Faça, por isso, perguntas de seguimento. Estas perguntas vão permitir-lhe saber mais sobre os seus alunos.
      6. Promova uma escuta activa. Ouvir atentamente a resposta das crianças constitui um dos aspectos mais importantes para fornecer um retorno adequado. Em salas de aula movimentadas, ouvir com atenção a resposta dos alunos pode ser um desafio. A escuta activa pode requerer, por isso, prática. Quando interagir com uma criança, procure concentrar-se no que ela está a dizer. A escuta activa irá permitir-lhe fornecer um retorno directamente relacionado com a resposta da criança e prolongar o diálogo.
      7. Seja encorajador e preciso. De modo geral, o retorno visa desenvolver os conhecimentos das crianças e encorajá-las a interagir. Por isso, é muito importante que esteja consciente da sua reacção quando as crianças responderem incorrectamente a uma questão. Deve ajudá-las a adquirir um conhecimento preciso sobre um determinado tema ou actividade, fornecer uma resposta correctiva, eliminar informações falsas e, não menos importante, encorajá-las a continuar a responder. Por exemplo, imagine que uma criança refere que o corpo humano é constituído apenas por duas partes. É importante agradecer-lhe a resposta (e.g., «Muito obrigada pela tua resposta!»), mas recordar-lhe que o corpo humano está dividido em três partes fundamentais (e.g., «Vamos recordar as partes do corpo humano: cabeça, tronco e membros. São três partes, correcto?»).

      Principais ideias a reter:

      Criar oportunidades para desenvolver a linguagem na sala de aula é extremamente importante para as crianças em termos de linguagem e vocabulário, principalmente para as que crescem em ambientes desfavorecidos. Fazer perguntas e fornecer retorno constituem, segundo Wasik et al. (2022), duas peças-chave para estimular o desenvolvimento da linguagem infantil. Porém, os professores nem sempre têm a certeza por onde começar. Wasik et al. (2022) fornecem, por isso, sete estratégias para os professores treinarem e utilizarem:

      1. Aguarde pela resposta dos alunos;
      2. Reúna as crianças em pequenos grupos;
      3. Faça perguntas de seguimento;
      4. Procure estimular as crianças a aprofundar o seu conhecimento e a estabelecer ligações entre o que sabem e o que aprenderam;
      5. Procure conhecer melhor os seus alunos;
      6. Promova uma escuta activa. Ouça atentamente as respostas das crianças;
      7. Encoraje as crianças a responder. Corrija-as quando necessário.

      Bibliografia

      Wasik, B. A., Farrow, J., & Hindman, A. H. (2022). More than «Good Job!»: The critical role of teacher feedback in classroom discourse and language development. The Reading Teacher, 75(6), 733-738. https://doi.org/10.1002/trtr.2112

      AUTORES

      João Lopes

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      João Lopes dirige o projeto AaZ – Ler Melhor, Saber Mais. Licenciado em Psicologia pela Universidade do Porto (1981), mestre em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento (Universidade do Porto, 1991) e doutorado em Psicologia da Educação pela Universidade do Minho (1996). Professor da Escola de Psicologia da Universidade do Minho desde 1995.

      Professor Associado com Agregação, da mesma Universidade (2004). Diretor do Departamento de Psicologia Aplicada (2015-2019) e do mestrado em Temas de Psicologia da Educação da UM. Diretor do programa de doutoramento em Psicologia Aplicada para os países da CPLP. Presidente do Conselho Cientifico-Pedagógico da Formação Contínua de professores (2014-2018), representante de Portugal no CERI-OCDE (2015-2017) e membro do Conselho Geral do IAVE (2013-2018).

      Soraia Araújo

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      Soraia Araújo é doutoranda em Psicologia Aplicada, na Escola de Psicologia da Universidade do Minho. Licenciou-se em Psicologia, em 2018, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e concluiu o Mestrado em Psicologia Aplicada, em 2020, na Universidade do Minho.

      Integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho, desde 2019, quando da realização da sua dissertação de mestrado intitulada «Formação Contínua de Professores: Necessidades, Participação e Barreiras». No mesmo grupo de investigação, encontra-se a desenvolver a sua tese de doutoramento sobre as dificuldades de aprendizagem inicial da leitura. Integra, ainda, o programa AaZ – Ler Melhor, Saber Mais, onde colabora, essencialmente, na escrita de textos de apoio sobre o ensino da leitura, dirigidos a professores do 1.º ciclo do ensino básico.

      Os seus interesses de investigação centram-se na área da Psicologia e da Educação. Especificamente, ensino da leitura e escrita, dificuldades de aprendizagem, perturbações do neurodesenvolvimento, métodos de ensino e formação de professores.

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