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Fundamentação Teórica

Escrever correctamente assume um papel crítico na educação escolar, bem como na participação activa nas sociedades modernas. A percentagem de alunos com dificuldades na escrita está, no entanto, longe de ser tranquilizadora. No Reino Unido, por exemplo, a percentagem ronda os 20%.

De acordo com a literatura, a escrita dos alunos com dificuldades ao nível da escrita caracteriza-se, essencialmente, pelo elevado número de erros ortográficos e gramaticais, ausência ou colocação incorrecta de pontuação, reduzida diversidade lexical, frases curtas e/ou incompletas, e pela baixa qualidade dos textos escritos.

Conhecer as capacidades que fundamentam a aquisição da escrita, é essencial para o desenvolvimento de intervenções eficazes. Os modelos iniciais acerca da aquisição e desenvolvimento da escrita, identificam a transcrição e o desenvolvimento de ideias como componentes-chave da escrita, para além de outros aspectos importantes, como a memória de trabalho.

Mais recentemente, os modelos têm integrado outros factores: a) factores proximais, que têm um impacto directo na produção de textos, como a ortografia; e b) factores distais, que influenciam, indirectamente, o processo de escrita, como a leitura e a linguagem oral (sendo que os alunos com dificuldades ao nível da escrita têm, geralmente, dificuldades também nestas áreas).

O papel da leitura e da linguagem oral, nas intervenções na escrita permanece, ainda hoje, pouco estudado. Sabe-se, no entanto, que a capacidade de leitura está, intimamente, associada à capacidade de escrita, podendo, assim, influenciá-la, directa e indirectamente, através da ortografia.

Segundo a literatura, em comparação com os leitores proficientes, os leitores com mais dificuldades, escrevem textos com mais erros ortográficos, com menos diversidade lexical, e com uma qualidade de composição reduzida. Além disso, as crianças com problemas ao nível da linguagem demonstram, geralmente, dificuldades significativas na escrita, o que evidencia que a linguagem apoia a escrita, quer de palavras, quer de frases e textos.

 

Estudo de Walter e colaboradores: Enquadramento, propósito e participantes

Walter et al. (2021) consideraram duas intervenções: a) a intervenção “combinação de frases” (intervenção-alvo), que consiste em ensinar os alunos a combinar, no mínimo, duas frases simples, para formar uma frase gramaticalmente correcta; e b) a intervenção “ortográfico-morfológica” (intervenção alternativa), que se centra no ensino da morfologia.

Os investigadores procuraram dar resposta a algumas limitações apontadas na literatura, acerca da intervenção nas dificuldades de aprendizagem da escrita. Em primeiro lugar, não se sabe se as intervenções ao nível da palavra (e.g., intervenção “ortográfico-morfológica”) são mais eficazes do que as intervenções ao nível da frase (e.g., intervenção “combinação de frases”).

De acordo com a literatura, as intervenções ao nível da frase podem ser demasiado desafiantes para as crianças com dificuldades na escrita, podendo as intervenções ao nível da palavra ser, por isso, mais adequadas.

Em segundo lugar, apesar de a intervenção “combinação de frases” ser considerada eficaz, pouco se sabe acerca do efeito moderador da leitura e da linguagem oral nessa intervenção. Tendo em conta estes pressupostos, Walter et al. (2021) propuseram-se:

  1. Avaliar a eficácia da intervenção “combinação de frases”, em comparação com a intervenção “ortográfico-morfológica” e com ausência de intervenção (através de um grupo de controlo);
  2. Analisar a influência da leitura e da linguagem oral na resposta dos alunos à intervenção “combinação de frases”.

Os investigadores seleccionaram, aleatoriamente, alunos com idades entre os 7 e os 10 anos, de três escolas do Reino Unido. Todos os alunos realizaram, num primeiro momento (pré-teste), o teste “Progress in English”, que inclui um teste de gramática e tarefas de escrita e de compreensão da leitura, o que permitiu identificar os alunos com dificuldades na escrita.

Considerou-se que os alunos tinham dificuldades quando o resultado estava 20% abaixo do dos colegas de turma. Foram, assim, identificados 71 alunos. Estes alunos foram, posteriormente, avaliados em expressão oral, compreensão da leitura e leitura de palavras isoladas. Não se tendo registado diferenças significativas entre estes alunos, quer na capacidade de leitura, quer na capacidade de linguagem, eles foram distribuídos aleatoriamente pelos grupos do estudo.

 

Após a intervenção, foi avaliada a capacidade de combinação de frases, a escrita de palavras isoladas e a capacidade de escrita dos alunos, através do teste “Curriculum-based Measures of Writing” (CBM-W) (pós-teste – momento 2). 

Neste teste, foi avaliada a qualidade da composição, precisão (e.g., proporção de sequências de palavras escritas correctamente), produtividade (e.g., número de palavras e frases escritas), e diversidade lexical. Após três meses, os alunos foram novamente avaliados nestas áreas (pós-teste - momento 3).

As sessões de intervenção “combinação de frases” e “ortográfico-morfológica” ocorreram duas vezes por semana, durante oito semanas, em sessões de pequeno grupo (4-6 alunos). Cada sessão teve uma duração de, aproximadamente, 30 minutos. Todas as sessões foram coordenadas por um investigador devidamente treinado.

Resultados

No momento 2, os alunos do grupo de intervenção-alvo, apresentaram melhorias mais significativas na combinação de frases, do que os alunos do grupo de intervenção alternativa e do grupo de controlo. O mesmo não se verificou na intervenção “ortográfico-morfológica”. Porém, ao contrário do que Walter et al. (2021) esperavam, no momento 3, a diferença entre os grupos de intervenção, relativamente à capacidade de combinação de frases, não foi significativa.

Além disso, ambas as intervenções não tiveram um efeito significativo na qualidade de composição textual. No entanto, apesar de a intervenção “ortográfico- morfológica” não ter promovido melhorias significativas na escrita, os resultados permitiram verificar que os alunos do grupo de intervenção alternativa passaram a escrever textos com mais diversidade lexical, do que as crianças do grupo de controlo.

Os investigadores discutiram os resultados com base em dois pontos importantes:

  1. Eficácia da intervenção: Tal como em estudos anteriores, a intervenção “combinação de frases” mostrou ser mais eficaz do que a intervenção “ortográfico-morfológica”. No entanto, a ausência de melhorias significativas nos textos escritos, em termos de qualidade, precisão e produtividade, sugere que o foco na combinação de frases não é, por si só, suficiente para os alunos com dificuldades ao nível da escrita. De acordo com Walter et al. (2021), estes resultados podem estar relacionados com (a) a duração da intervenção, que teve cerca de 400 minutos, por comparação com os cerca de 750 minutos de intervenção no estudo de Saddler e Graham’s (2005); e com (b) as capacidades básicas dos alunos: os alunos com mais capacidades ao nível da escrita, foram os que mais progrediram na componente “combinação de frases”, sugerindo que são os que, provavelmente, mais beneficiam com a intervenção. Os dados, embora limitados, acerca do efeito da intervenção “ortográfico-morfológica” na diversidade lexical de textos escritos, sugerem que a intervenção pode ter tido alguns efeitos positivos ao nível da produção de texto. Segundo os investigadores, essa melhoria pode ter resultado do aumento da confiança dos alunos na escrita de palavras desconhecidas, ou da exposição a novas palavras.
  2. O papel da leitura e da linguagem oral: Os resultados mostraram que a capacidade de escrita, de leitura, e de combinação de frases, no momento 1, foram as que melhor predisseram o desempenho na combinação de frases, no momento 2. Porém, no momento 3, a evolução na escrita foi melhor predita pela compreensão auditiva, ortografia e combinação de frases, o que confirma a importância da linguagem oral na aprendizagem.

Os leitores menos proficientes, com uma capacidade razoável de compreensão auditiva, parecem ter respondido, mais efectivamente, à intervenção “combinação de frases”, enquanto os alunos com baixa capacidade de linguagem oral, mostraram ser resistentes à mesma.

De acordo com a literatura, os alunos com linguagem oral limitada têm, geralmente, dificuldades ao nível das palavras e frases, o que poderá explicar a resistência à intervenção. Além disso, os autores verificaram melhorias na capacidade de descodificação, a qual pode ter resultado da exposição à leitura, durante a intervenção.

A capacidade de leitura assume, portanto, um papel importante na resposta inicial à intervenção “combinação de frases”.

No entanto, a linguagem oral medida, neste estudo, pela compreensão auditiva, mostrou ser a melhor preditora das melhorias a longo-prazo, o que vai ao encontro de estudos anteriores acerca do desenvolvimento da capacidade de escrita, e da importância da compreensão na combinação de frases.

Por último, a influência da ortografia no momento 2 e 3, sugere que a intervenção “combinação de frases” é, muito provavelmente, mais adequada para alunos sem dificuldades significativas ao nível da escrita. Para as crianças com mais dificuldades, poderá ser mais benéfica uma intervenção combinada, visando múltiplas capacidades, a fim de apoiar o desenvolvimento de capacidades ao nível da ortografia.

EM SUMA:

  1. A intervenção “combinação de frases” parece melhorar a escrita das crianças com dificuldades nesta área. Porém, a intervenção pode ter de assumir um carácter longo e intensivo, de forma a influenciar, positivamente, a escrita de texto. É, no entanto, importante realçar que a intervenção “combinação de frases” pode não ser adequada para crianças com dificuldades de linguagem e que não demonstram, ainda, um nível de escrita que lhes permita escrever frases com facilidade. Para as crianças com dificuldades significativas na escrita, uma intervenção combinada, incidindo sobre múltiplas capacidades, poderá ser a opção mais adequada.

Referência Bibliográfica: Dolean, D. D., Lervåg, A., Visu-Petra, L., & Melby-Lervåg, M. (2021). Language skills, and not executive functions, predict the development of reading comprehension of early readers: Evidence from an orthographically transparent language. Reading and Writing, 1-22.

Intervir nas dificuldades de aprendizagem da escrita

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AUTORES

João Lopes

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João Arménio Lamego Lopes dirige o projeto AaZ – Ler Melhor, Saber Mais. Licenciado em Psicologia pela Universidade do Porto (1981), Mestre em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento (Universidade do Porto, 1991) e doutorado em Psicologia da Educação pela Universidade do Minho (1996). Professor da Escola de Psicologia da Universidade do Minho desde 1995.

Professor Associado com Agregação, da mesma Universidade (2004). Director do Departamento de Psicologia Aplicada (2015-2019) e do Mestrado em Temas de Psicologia da Educação da UM. Director do Programa de Doutoramento em Psicologia Aplicada para os países da CPLP. Presidente do Conselho Cientifico-Pedagógico da Formação Contínua de professores (2014-2018), representante de Portugal no CERI-OCDE (2015-2017) e membro do Conselho Geral do IAVE (2013-2018).

Soraia Araújo

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Soraia Araújo é doutoranda em Psicologia Aplicada, na Escola de Psicologia da Universidade do Minho. Licenciou-se em Psicologia, em 2018, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e concluiu o Mestrado em Psicologia Aplicada, em 2020, na Universidade do Minho.

Integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho, desde 2019, aquando da realização da sua dissertação de mestrado, intitulada “Formação Contínua de Professores: Necessidades, Participação e Barreiras”. No mesmo grupo de investigação, encontra-se a desenvolver a sua tese de doutoramento sobre as dificuldades de aprendizagem inicial da leitura. Integra, ainda, o Programa AaZ – Ler Melhor, Saber Mais, onde colabora, essencialmente, na escrita de textos de apoio sobre o ensino da leitura, dirigidos a professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico.

Os seus interesses de investigação centram-se na área da Psicologia e da Educação. Especificamente, ensino da leitura e escrita, dificuldades de aprendizagem, perturbações do neurodesenvolvimento, métodos de ensino e formação de professores.

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