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A consciência morfológica é uma das habilidades metalinguísticas essenciais para a aprendizagem da leitura e escrita. Mas, em que consiste, exactamente, a consciência morfológica? Para o saber, é, antes de mais, importante, compreender o que são os morfemas.

Os morfemas são, muito simplesmente, unidades mínimas de significado que compõem palavras escritas e que não podem ser divididas, sem que se altere o significado das palavras. A palavra infelizmente, por exemplo, é composta por três unidades mínimas de significado (três morfemas): “in-”, “feliz” e “mente”. Se um destes morfemas for retirado ou alterado, obtém-se uma nova palavra com um novo significado: por exemplo, se se retirar o morfema “in-”, obtém-se a palavra felizmente.

Esta capacidade de reflectir e manipular a estrutura morfológica das palavras, é denominada consciência morfológica.

A literatura destaca três tipos de consciência morfológica: (i) a composição, que envolve a combinação de dois ou mais morfemas para dar origem a uma palavra (e.g., combinar os morfemas “feliz” e “mente” para formar a palavra felizmente); (ii) a inflexão, que fornece, por exemplo, informações sobre o número (e.g., carro vs. carros) e o tempo verbal (e.g., corre vs. correu) das palavras; e (c) as derivações, que podem alterar a classe das palavras (e.g., partir do verbo executar para o adjectivo executivo ou o substantivo execução).

As trajectórias de desenvolvimento destes tipos de consciência são ligeiramente diferentes. No entanto, o seu desenvolvimento é, de acordo com vários autores, evidente, até ao nono ano de escolaridade.

O efeito da consciência morfológica na compreensão da leitura: a influência da idade e da capacidade de compreensão dos alunos

A evidência científica demonstra a existência de uma relação significativa entre a consciência morfológica e a compreensão da leitura. O efeito da consciência morfológica pode, no entanto, mudar em função da idade e da capacidade de compreensão das crianças. E o que diz a investigação sobre esta questão?

De acordo com a literatura, as crianças são progressivamente expostas à leitura de textos com um grande número de palavras, morfologicamente complexas. A partir dessa perspectiva, vários autores estabeleceram a hipótese de que o efeito da consciência morfológica na compreensão é, muito provavelmente, proporcional ao aperfeiçoamento da leitura.

Porém, embora alguns estudos tenham verificado que, de facto, o efeito da consciência morfológica na compreensão da leitura se fortalece com a idade, as evidências sobre esta questão são, ainda, muito limitadas.

Por sua vez, a evidência quanto à possibilidade de o conhecimento morfológico variar em função da capacidade de compreensão, é também bastante reduzida.

No entanto, a partir do estudo “A quantile regression approach to understanding the relations among morphological awareness, vocabulary, and reading comprehension in adult basic education students”, realizado em 2016, por Elizabeth Tighe e Christopher Schatschneider, sabe-se que a consciência morfológica parece ser a habilidade mais preditiva da compreensão dos leitores menos fluentes, ao passo que o vocabulário parece ser o melhor preditor da compreensão dos leitores mais fluentes.

O estudo de James et al. (2021), que aqui se apresenta, é muito relevante, uma vez que analisa o efeito da consciência morfológica na compreensão da leitura em alunos de diferentes idades e com níveis de compreensão distintos, a fim de determinar quando e para quem a consciência morfológica é de particular importância.

Participaram no estudo 421 alunos de 22 escolas do noroeste de Inglaterra. Os alunos foram divididos em três grupos etários: 6-8, 9-11 e 12-13 anos. Todos os alunos demonstraram uma capacidade de leitura adequada ao respectivo ano de escolaridade.

Não foram incluídos alunos com necessidades educativas especiais. Os alunos foram avaliados individualmente e em grupo, em medidas de consciência morfológica, vocabulário, compreensão da leitura, consciência fonológica, leitura de palavras escritas e, ainda, em medidas de raciocínio não-verbal.

Resultados Gerais

  1.  A idade, consciência morfológica, consciência fonológica, vocabulário, leitura de palavras escritas e o raciocínio verbal explicaram 61%, 42% e 40% da compreensão da leitura dos alunos com 6-8, 9-11 e 12-13 anos, respectivamente. Estes resultados indicam que a compreensão da leitura dos alunos mais novos está mais relacionada com estas variáveis, do que a compreensão da leitura dos alunos mais velhos. James et al. (2021) referem que os resultados podem dever-se, em parte, ao facto de o conhecimento estratégico e o conhecimento prévio exercerem uma influência maior na compreensão das crianças mais velhas.
  2. A idade, em particular, demonstrou ser um preditor significativo da compreensão da leitura dos alunos com idades entre os 9-11 e os 12-13 anos. Tal sugere que os alunos mais velhos são os que têm maior capacidade de compreensão da leitura. Assim, e como previsto na literatura, a idade dos alunos parece ter uma maior influência na leitura quando estes são mais velhos.
  3. Ao contrário do esperado, a consciência morfológica demonstrou ter uma influência crítica na compreensão da leitura, independentemente da capacidade de compreensão dos alunos.

EM SUMA: 

Os resultados evidenciam a importância crítica da consciência morfológica na compreensão da leitura. O ensino da morfologia pode, por isso, promover a capacidade de compreensão dos alunos. Além disso, este ensino pode beneficiar todos os alunos e não apenas os que têm uma capacidade de compreensão mais baixa. Os resultados do estudo sugerem que o efeito da consciência morfológica na leitura é independente do nível de compreensão. Acresce que a consciência morfológica deve ser ensinada desde o início do ensino da leitura até, pelo menos, ao início da adolescência.

Referência bibliográfica

James, E., Currie, N. K., Tong, S. X., & Cain, K. (2021). The relations between morphological awareness and reading comprehension in beginner readers to young adolescents.Journal of Research in Reading, 44(1), 110-130.

AUTORES

João Lopes

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João Arménio Lamego Lopes dirige o projeto AaZ – Ler Melhor, Saber Mais. Licenciado em Psicologia pela Universidade do Porto (1981), Mestre em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento (Universidade do Porto, 1991) e doutorado em Psicologia da Educação pela Universidade do Minho (1996). Professor da Escola de Psicologia da Universidade do Minho desde 1995.

Professor Associado com Agregação, da mesma Universidade (2004). Director do Departamento de Psicologia Aplicada (2015-2019) e do Mestrado em Temas de Psicologia da Educação da UM. Director do Programa de Doutoramento em Psicologia Aplicada para os países da CPLP. Presidente do Conselho Cientifico-Pedagógico da Formação Contínua de professores (2014-2018), representante de Portugal no CERI-OCDE (2015-2017) e membro do Conselho Geral do IAVE (2013-2018).

Soraia Araújo

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Soraia Araújo é doutoranda em Psicologia Aplicada, na Escola de Psicologia da Universidade do Minho. Licenciou-se em Psicologia, em 2018, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e concluiu o Mestrado em Psicologia Aplicada, em 2020, na Universidade do Minho.

Integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho, desde 2019, aquando da realização da sua dissertação de mestrado, intitulada “Formação Contínua de Professores: Necessidades, Participação e Barreiras”. No mesmo grupo de investigação, encontra-se a desenvolver a sua tese de doutoramento sobre as dificuldades de aprendizagem inicial da leitura. Integra, ainda, o Programa AaZ – Ler Melhor, Saber Mais, onde colabora, essencialmente, na escrita de textos de apoio sobre o ensino da leitura, dirigidos a professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico.

Os seus interesses de investigação centram-se na área da Psicologia e da Educação. Especificamente, ensino da leitura e escrita, dificuldades de aprendizagem, perturbações do neurodesenvolvimento, métodos de ensino e formação de professores.

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