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Como decorar uma sala de aula? Criar um ambiente acolhedor e transmitir informação é importante, mas até que ponto podem os estímulos visuais distrair os alunos e perturbar a sua aprendizagem? Um estudo indica que os enfeites nas salas de aula podem desviar a atenção dos alunos e ter um impacto negativo na aprendizagem. Para já, não sabemos se este efeito negativo das decorações irrelevantes se estende a alunos mais velhos do que os participantes neste estudo (cerca de 5 anos de idade), mas é precisamente no caso dos alunos mais novos que as salas de aula tendem a ser mais ornamentadas. Estes resultados não significam que as salas de aula devam ser ambientes estéreis, sem decoração alguma, mas mostram que é necessário ter algum cuidado com o excesso de decorações e estímulos visuais a que os alunos são constantemente expostos.

É importante as salas de aula proporcionarem um ambiente acolhedor e até mesmo divertido, onde os alunos se sintam bem. Especialmente no caso de alunos mais novos, nos jardins de infância e escolas de primeiro ciclo, os professores tendem a decorar as salas de aula com vários estímulos visuais — por exemplo, cartazes com palavras e números coloridos, desenhos dos alunos, posters com animais, mapas. No entanto, o excesso de estímulos visuais numa sala de aula pode distrair os alunos e afetar negativamente a sua aprendizagem.

É esta a conclusão de um estudo conduzido em 2014 por um grupo de investigadores da Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos, e publicado na revista Psychological Science, que testou a influência de estímulos visuais na sala de aula na capacidade de concentração de alunos com cerca de 5 anos.   

Os investigadores transformaram uma sala de laboratório numa sala de aula e variaram a forma como as paredes estavam decoradas (com posters, trabalhos dos alunos, mapas, etc.) ou se estavam praticamente vazias, sem materiais irrelevantes. Após cinco aulas de familiarização com o professor (isto é, um assistente de laboratório) e com a sala, os alunos assistiram a seis aulas curtas sobre seis assuntos: placas tectónicas, ferramentas de pedra, vulcões, o sistema solar, insetos e voo. Os alunos assistiram a três aulas na sala decorada e a três aulas na sala sem decorações. Após cada aula, os alunos responderam a um teste com seis questões às quais tinham de responder selecionando a resposta visual correta. Para além do desempenho nos testes finais, os investigadores mediram também o comportamento dos alunos durante cada aula. Para tal, gravaram as aulas e pediram a quatro observadores independentes que codificassem a direção dos olhares dos alunos durante a aula — quanto tempo passavam a olhar para o professor ou materiais da aula e quanto tempo passavam a olhar noutra direção.

Os resultados indicaram que os alunos passaram significativamente menos tempo a olhar para o professor ou para os materiais da aula quando a sala de aula tinha decorações, ou seja passaram mais tempo distraídos na presença de enfeites do que na sua ausência (38,58% vs. 28,42% do tempo de aula). Especificamente, na sala mais simples, os alunos passaram 3,21% do tempo de aula a olhar à volta. Já na sala decorada, passaram 20,56% do tempo distraídos. Quando estavam na sala de aula não decorada, os alunos distraiam-se mais olhando para os colegas ou sozinhos do que quando estavam na sala de aula decorada. A distração total foi menor na sala não decorada. Estas diferenças atencionais refletiram-se nos resultados nos testes finais: o desempenho nos testes acerca de tópicos aprendidos na sala sem decoração foi 10% superior ao desempenho nos testes sobre temas trabalhados na sala decorada. Comparando o desempenho nos testes finais com o desempenho em pré-testes, os investigadores estimaram que os alunos aprenderam cerca de 33% na sala sem ornamentos e apenas 18% na sala decorada. Análises adicionais indicaram que a pior aprendizagem na sala decorada estava ligada ao tempo que os alunos passaram distraídos. Em 2022, a mesma equipa de investigadores publicou um estudo no qual testaram se a quantidade e a variabilidade de cor dos enfeites em salas de aula reais influenciavam o tempo que os alunos passavam distraídos. Os resultados indicaram que em salas de aula com mais decorações e variabilidade de cor os alunos passavam mais tempo distraídos (Godwin et al., 2022a).

O desempenho nos testes acerca de tópicos aprendidos na sala sem decoração foi 10% superior ao desempenho nos testes sobre temas trabalhados na sala decorada

Uma possível explicação para estes efeitos é dada pela teoria da carga cognitiva — ou cognitive load theory, tal como descrita num estudo publicado em 2020 por Paas & van Merriënboer. De acordo com esta teoria, para além de outros fatores, o ambiente no qual a aprendizagem decorre influencia a quantidade de memória de trabalho disponível para processar a informação a aprender. Assim, os estímulos visuais irrelevantes na sala de aula decorada terão consumido parte dos recursos limitados da memória de trabalho, diminuindo a capacidade de processar os estímulos a apreender.

Em resumo, o ambiente visual no qual os alunos aprendem influencia a sua atenção, o que se reflete na sua aprendizagem — ao dirigirem a sua atenção para os estímulos visuais, os alunos prestam menos atenção à aula. Num estudo de 2022, os investigadores usaram um procedimento semelhante em salas de aula de escolas do ensino básico e mediram a habituação dos alunos aos estímulos visuais durante um período de 15 semanas. Os resultados foram semelhantes aos resultados obtidos em laboratório: os alunos continuaram a mostrar maior distração na sala de aula decorada mesmo depois de estarem habituados à decoração (Godwin et al., 2022b). Estes resultados indicam que a exposição prolongada aos estímulos visuais de uma sala de aula não parece reduzir os efeitos negativos destes estímulos na atenção. No entanto, é necessária mais investigação para determinar se estes efeitos ocorrem noutros grupos etários para além do grupo bastante jovem (cerca de 5 anos de idade) que foi estudado. Em termos práticos, é importante compreender que este estudo não quer dizer que as salas de aula devam ser ambientes estéreis, sem decoração alguma. Porém, é importante que os professores saibam que o excesso de estímulos visuais pode ter efeitos negativos na aprendizagem e utilizem este conhecimento para otimizar a decoração das suas salas de aula. Uma alternativa poderá ser, por exemplo, usar decorações relevantes para os temas a ser estudados.

Referências bibliográficas

Fisher, A. V., Godwin, K. E., & Seltman, H. (2014). Visual environment, attention allocation, and learning in young children: When too much of a good thing may be bad. Psychological Science, 25(7), 1362–1370. https://doi.org/10.1177/0956797614533801

Godwin, K. E., Leroux, A. J., Scupelli, P., & Fisher, A. V. (2022a). Classroom design and children's attention allocation: Beyond the laboratory and into the classroom. Mind, Brain, and Education, 16(3), 239–251. https://doi.org/10.1111/mbe.12345

Godwin, K. E., Leroux, A. J., Seltman, H., Scupelli, P., & Fisher, A. V. (2022b). Effect of repeated exposure to the visual environment on young children's attention. Cognitive Science, 46(1), e13093. https://doi.org/10.1111/cogs.13093

Paas, F., & van Merriënboer, J. J. G. (2020). Cognitive-Load Theory: Methods to Manage Working Memory Load in the Learning of Complex Tasks. Current Directions in Psychological Science29(4), 394-398. https://doi.org/10.1177/0963721420922183

AUTOR

Ludmila D. Nunes é a diretora de conhecimento científico na American Psychological Association (APA). Doutorada em Psicologia pela Universidade de Lisboa, desenvolveu a sua investigação na área de Memória Humana e Aprendizagem na Washington University in St. Louis, na Universidade de Purdue, e na Universidade de Lisboa. 

Além da investigação, deu aulas de Introdução à Psicologia Cognitiva e de Memória Humana na Universidade de Purdue e foi revisora para várias publicações científicas. Até recentemente, foi escritora científica para a Association for Psychological Science (APS).

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