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Introdução

Um número considerável de crianças do ensino básico enfrenta dificuldades em aprender a ler e/ou escrever (Moll et al., 2014), o que constitui um risco tanto para o sucesso académico como para a sua saúde mental (Livingston et al., 2018; McArthur et al., 2021). Vários estudos (e.g. Carroll et al., 2005; Mammarella et al., 2016; Novita et al., 2019) indicam que crianças com dificuldades de aprendizagem têm uma maior propensão para apresentar problemas de ansiedade, especialmente no contexto escolar, devido ao medo do fracasso e da crítica dos colegas (Kargiotidis et al., 2021; Moll & Landerl, 2009). Além disso, a ansiedade interfere nos processos atencionais necessários para a aprendizagem (Eysenck et al., 2007). Uma vez que crianças com sintomas de ansiedade tendem a focar a sua atenção em pensamentos derrotistas (e.g., «O que vão pensar os meus colegas se me ouvirem a ler mal?»), frequentemente não conseguem manter a concentração para realizar com êxito as tarefas. Neste sentido, crianças com dificuldades de aprendizagem e com ansiedade são também mais propensas a apresentar problemas de atenção (McArthur et al., 2021).

Estudo de Kargiotidis e Manolitsis (2024)

O estudo longitudinal de Kargiotidis e Manolitsis (2024) investigou se crianças com dificuldades de leitura e/ou escrita no 2.º e 3.º ano de escolaridade apresentariam níveis mais altos de ansiedade social e de ansiedade generalizada no 5.º ano, tendo em conta a influência da desatenção e de diferentes subtipos de dificuldades.

Participaram no estudo 121 crianças (53 meninas e 68 meninos), avaliadas do 2.º ao 5.º ano de escolaridade, em escolas localizadas na Grécia. Nenhuma criança tinha diagnóstico formal de perturbação intelectual, neurodesenvolvimental ou sensorial, e todas apresentavam inteligência não-verbal típica.

As crianças foram avaliadas: a) no 2.º e 3.º ano por assistentes de investigação treinados (estudantes de pós-graduação em Psicologia ou Educação) e b) no 5.º ano pelos seus professores.

No início do 2.º ano e no final do 3.º ano, avaliaram-se as capacidades de leitura e escrita das crianças numa sessão individual e numa sessão em grupo. Nas sessões individuais, avaliou-se a precisão da leitura de palavras e a fluência na leitura e escrita. Nas sessões em grupo, mediu-se a compreensão da leitura em grupos de aproximadamente 10 crianças. No 5.º ano, foi administrado aos professores um questionário para avaliar os níveis de ansiedade e desatenção das crianças. Com base no desempenho nas provas de leitura e escrita, no início do 2.º ano e no final do 3.º ano, classificaram-se as crianças em dois grupos: 1) com dificuldades de aprendizagem e 2) com aprendizagem típica. Para efeitos de análise, dividiu-se ainda o grupo das dificuldades de aprendizagem em três subgrupos, em função do subtipo de dificuldades apresentadas: a) dificuldades de leitura e escrita; b) dificuldades de escrita; ou c) dificuldades de leitura.

Conforme esperado, as crianças com dificuldades de aprendizagem tiveram um desempenho significativamente menor, em todas as medidas, comparativamente às crianças com aprendizagem típica.

Tabela 1. Medidas e respetivas escalas de avaliação

Variável (constructo) Medida /Instrumento
Inteligência não-verbal
  • Matrizes progressivas coloridas de Raven
Precisão da leitura de palavras
  • Descodificação de palavras: 57 palavras
  • Descodificação de pseudopalavras: 40 palavras (escala de leitura grega)
Fluência da leitura
  • Fluência de leitura de texto: 247 palavras (escala de leitura grega)
Compreensão da leitura
  • Teste de avaliação da capacidade de leitura: 42 frases
Escrita
  • Teste de escrita: 60 palavras
Ansiedade
  • School Anxiety Scale-Teacher Report (Lyneham et al., 2008)
Desatenção
  • SNAP-IV (Swanson, Nolan and Pelham Rating Scale) — Subescala de «desatenção» da Escala SNAPP-IV para classificação da Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção (PHDA) (adapt. Swanson et al., 2012)

Principais Resultados:

1. Comparação dos grupos (com e sem dificuldades de aprendizagem no 2.º e 3.º anos) relativamente à ansiedade social e generalizada no 5.º ano.

No 5.º ano, as crianças com dificuldades de aprendizagem foram classificadas pelos seus professores como tendo mais ansiedade social do que as crianças com aprendizagem típica, e este resultado observou-se independentemente dos níveis de desatenção. As crianças com dificuldades de aprendizagem mostraram maior hesitação em participar em actividades de grupo ou em fazer perguntas em sala de aula, por medo de serem criticadas negativamente pelos seus colegas.

Embora se esperasse que crianças com dificuldades de aprendizagem fossem classificadas pelos seus professores como apresentando níveis mais altos de ansiedade generalizada e social, comparativamente às crianças sem dificuldades, os resultados apenas revelaram diferenças na ansiedade social. As crianças com dificuldades de aprendizagem podem sentir-se particularmente ansiosas nos primeiros anos de escolaridade, quando têm de participar em actividades de grupo ou responder a uma pergunta na presença dos colegas, o que pode explicar a razão pela qual neste estudo os problemas de aprendizagem surgem significativamente associados à ansiedade social e não à ansiedade generalizada.

2. Comparação dos grupos (com e sem dificuldades de aprendizagem no 2.º e 3.º anos) relativamente à ansiedade social e generalizada no 5.º ano, em função dos tipos de dificuldades de aprendizagem (leitura e escrita, leitura ou escrita).

No 5.º ano, as crianças com dificuldades de aprendizagem de leitura e escrita nos 2.º e 3.º anos apresentaram níveis mais elevados de ansiedade social do que as crianças sem dificuldades e do que as crianças com dificuldades apenas na leitura ou na escrita, independentemente dos níveis de desatenção. As crianças com dificuldades na leitura e escrita apresentaram maior propensão para sentir ansiedade em situações de interacção social, como ler em voz alta ou responder a perguntas na presença dos colegas. Já os sintomas de ansiedade generalizada não diferiram significativamente entre os grupos quando considerado o impacto da desatenção. Ou seja, as diferenças de ansiedade generalizada foram mais bem explicadas pelos níveis de desatenção do que pelas dificuldades de aprendizagem.

Isto indica que a ansiedade generalizada em crianças com dificuldades de leitura e escrita pode ser mediada, em parte, pela desatenção. Esta foi fortemente correlacionada tanto com a ansiedade social quanto com a ansiedade generalizada. Independentemente dos níveis de desatenção, as crianças com dificuldades combinadas de leitura e escrita continuaram a apresentar níveis significativamente mais elevados de ansiedade social em comparação com as crianças com os restantes subtipos de dificuldades (leitura ou escrita) e as crianças sem dificuldades. Estes resultados são suportados pela investigação, que aponta para um maior risco de associação entre dificuldades de aprendizagem de leitura e escrita e dificuldades noutros domínios cognitivos e de aprendizagem, como é o caso da matemática (Slot et al., 2016). Por conseguinte, poderia argumentar-se que, devido às dificuldades mais generalizadas que as crianças com défices de leitura e escrita enfrentam, estas podem sentir-se particularmente ansiosas quando têm de participar em actividades escolares que requerem interacção social ou exposição pessoal.

Conclusão

Globalmente, os resultados permitem concluir que as dificuldades de aprendizagem podem afectar negativamente a saúde mental das crianças. De acordo com Kargiotidis e Manolitsis (2024), as crianças com dificuldades de aprendizagem de leitura e escrita no 2.º e 3.º ano de escolaridade sentiram mais ansiedade social no 5.º ano do que crianças sem dificuldades ou com dificuldades apenas na leitura ou na escrita, independentemente dos níveis de desatenção. Ou seja, independentemente dos efeitos de outros factores importantes como a desatenção, verificou-se uma associação longitudinal entre dificuldades iniciais de aprendizagem da leitura e escrita e um maior risco de desenvolvimento a médio prazo de sintomas de ansiedade social.

Por esta razão, os autores defendem que as intervenções com crianças com dificuldades de aprendizagem devem abordar quer os aspectos académicos, quer dimensões socio-emocionais, como a auto-estima, as habilidades sociais e a redução da ansiedade.

Referência bibliográfica

Kargiotidis, A., & Manolitsis, G. (2024). Are children with early literacy difficulties at risk for anxiety disorders in late childhood? Annals of Dyslexia, 74(1), 82–96. https://doi.org/10.1007/s11881-023-00291-7

AUTORES

Célia Oliveira

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Célia Oliveira é Doutorada em Psicologia Experimental e Ciências Cognitivas pela Universidade do Minho, com uma tese sobre o papel de processos atencionais na Capacidade Memória Operatória. Pela mesma universidade, licenciou-se em Psicologia com pré-especialização em Psicologia Escolar e da Educação, e completou um Mestrado em Psicologia Clínica.

Atualmente é docente na Universidade Lusófona do Porto, onde é responsável por unidades curriculares no domínio da Cognição (Psicologia da Memória e Psicologia da Atenção) e da Psicologia da Educação (Psicologia da Educação e Psicologia Escolar). É membro do HEI-Lab - Digital Human-Environment Interaction Lab, da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, e integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho. Os seus interesses e atividade de investigação contemplam os domínios da Aprendizagem, Atenção e Memória Humana.

Detém experiência continuada de prática clínica com crianças e adolescentes, e tem exercido atividades de consultoria científica em projetos de investigação, bem como consultoria técnica em contextos de atuação comunitária.

Marta Pereira

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Marta Pereira está a realizar o Estágio Profissional de Acesso à Ordem dos Psicólogos Portugueses.

É licenciada em Psicologia (2022) pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e mestre em Psicologia da Educação (2024) pela Universidade do Minho.

Desde 2022, integra o Grupo de Investigação em Problemas de Comportamento e Aprendizagem, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho, onde realizou a sua dissertação de mestrado intitulada “Satisfação Profissional e Atribuições Relativamente à Indisciplina: Um Estudo com Professores do Ensino Básico”.

Além disso, colabora no Programa AaZ – Ler Melhor, Saber Mais, contribuindo na avaliação dos alunos apoiados e na escrita de textos de apoio.

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