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Referência Bibliográfica: Donegan, R. E., & Wanzek, J. (2021). Effects of reading interventions implemented for upper elementary struggling readers: A look at recent research. Reading and Writing, 1-35.

Conceptualização Teórica

O final do primeiro ciclo do ensino básico e o início do segundo, que, no sistema de ensino português, corresponde, respectivamente, ao 4º e 5º ano de escolaridade, constitui um período crítico no desenvolvimento da alfabetização.

Neste período, existe um número significativo de alunos com dificuldades de leitura, em parte, segundo a literatura, porque, à medida que os alunos transitam do primeiro para o segundo ciclo do ensino básico, é esperado que (a) leiam textos com palavras cada vez mais longas e complexas e (b) leiam e compreendam textos expositivos (aos quais podem ter tido pouca exposição prévia).

Estes desafios podem, não só contribuir para a manutenção das dificuldades de leitura dos alunos que as enfrentam desde o início do primeiro ciclo, mas, também, para a emergência tardia de dificuldades em alunos que não as haviam revelado até então.

De acordo com a literatura, as dificuldades de leitura observadas no 4º e 5º ano de escolaridade podem exigir abordagens especializadas e diversificadas.

Estas dificuldades podem, ao contrário das dificuldades observadas no início do primeiro ciclo (que incidem, essencialmente, sobre a leitura de palavras), manifestar-se nas capacidades básicas de leitura, nomeadamente a leitura de palavras, em capacidades mais avançadas, como a compreensão de texto, ou em ambas.

 

O que diz a literatura acerca dos componentes de intervenção nas dificuldades de leitura?

Responder adequadamente às dificuldades de leitura no segundo ciclo, requer: (a) intervenções centradas em capacidades básicas; (b) intervenções centradas em capacidades avançadas; e (c) intervenções que incluam ambas as capacidades (designadas ‘intervenções multicomponentes’). As intervenções centradas em capacidades básicas incluem: (a) instrução fonémica; (b) instrução fonética; e/ou (c) instrução em fluência de leitura.

Segundo a literatura científica, a instrução fonética deve ir além da descodificação de monossílabos e incluir estratégias de descodificação multissilábica, como o uso de sílabas e partes de palavras (por exemplo, afixos), para separar e descodificar palavras mais longas e complexas.

Ainda segundo a literatura, existem dois tipos de intervenção na fluência de leitura que demonstram ser eficazes no desenvolvimento de capacidades básicas de leitura: (i) a leitura repetida, técnica em que os alunos lêem um texto mais de uma vez e recebem retorno da parte do professor; e a (ii) leitura não-repetida, técnica em que os alunos lêem um ou mais textos, apenas uma vez, e, à semelhança da intervenção anterior, recebem retorno da parte do professor.

As intervenções centradas nas capacidades avançadas de leitura incluem: a (a) instrução directa ou explícita de vocabulário, que deve ir além do ensino da definição de palavras e incluir actividades de processamento de significado, como o desenvolvimento de mapas semânticos; e a (b) instrução de estratégias de compreensão, nomeadamente: (i) identificação da ideia principal do texto; (ii) resumo escrito do texto; e (iii) monitorização de estratégias de aprendizagem durante a leitura.

No que diz respeito às intervenções multicomponentes, sabe-se que estas intervenções combinam a instrução de diferentes capacidades de leitura (básicas e avançadas), tornando-a ajustada às necessidades dos alunos mais velhos, que tendem a ter dificuldades em todos ou, pelo menos, num número significativo de domínios de leitura.

 

E a intensidade das intervenções?

Considerar a intensidade das intervenções, nomeadamente a duração, e o número de alunos, assume, à semelhança dos componentes de intervenção referidos, um papel crucial na intervenção nas dificuldades de leitura.

De acordo com a literatura, as intervenções em regime de apoio individual, e com maior duração, podem ser mais eficazes em alunos mais velhos (alunos do segundo e terceiro ciclo do ensino básico e, também, do ensino secundário), do que as intervenções em grupo e com menor duração.

Porém, poucos estudos parecem ter analisado os efeitos das intervenções dirigidas a alunos mais velhos, com durações e tamanhos de grupo diferentes, não havendo, por isso, evidências conclusivas que permitam afirmar que, quer as intervenções individuais, quer as intervenções com maior duração, são as mais eficazes.

 

O estudo de Donegan e Wanzek

Donegan e Wanzek (2021) procuraram actualizar a revisão da literatura conduzida em 2010, por Wanzek e colaboradores. Para isso, as autoras procuraram estudos publicados desde 2007, acerca de intervenções nas dificuldades de leitura, dirigidas a alunos do quarto e quinto ano de escolaridade. As autoras analisaram, também, os efeitos estatísticos das intervenções nos resultados de leitura, nomeadamente, o efeito moderador dos componentes e da intensidade das intervenções.

Para responder a estas questões, as autoras seleccionaram e analisaram, 33 estudos disponíveis. Estes estudos incluíram um total de 47 intervenções, que abrangeram 4565 alunos com dificuldades de leitura, do 4o e 5o ano de escolaridade. 

Vinte intervenções centraram-se na instrução de capacidades básicas e avançadas de leitura (intervenções multicomponentes), dezasseis em capacidades básicas e onze em capacidades avançadas. No que diz respeito à intensidade das intervenções, a maioria teve uma duração superior a 30 horas (n = 17) e foi executada em pequeno grupo (sete alunos no máximo; n = 22), tendo as restantes intervenções incluído sessões de apoio individual.

Principais resultados e conclusões

Donegan e Wanzek (2021) verificaram que as intervenções centradas nas capacidades básicas de leitura aumentaram o desempenho dos alunos na leitura de palavras; e que as intervenções centradas nas capacidades avançadas, aumentaram o desempenho dos alunos na compreensão de texto.

De acordo com as autoras, intervenções cuja instrução incluiu tarefas de descodificação de palavras com mais de duas sílabas, como a análise estrutural que consiste, essencialmente, na divisão e análise das sílabas que constituem uma palavra, mostraram ser particularmente eficazes no aumento do desempenho dos alunos na leitura de palavras.

Do mesmo modo, intervenções que incluíram instrução directa e explícita de estratégias específicas de compreensão, nomeadamente a identificação da ideia principal do texto e a sumarização ou resumo do texto escrito, revelaram eficácia significativa no aumento da compreensão de leitura dos alunos.

Porém, apenas as intervenções multicomponentes aumentaram, significativamente, o desempenho dos alunos na leitura de palavras e na compreensão de texto. Segundo Donegan e Wanzek (2021), este resultado pode estar relacionado com o facto de este tipo de intervenção ser, muito provavelmente, mais adequado às necessidades dos alunos, ao combinar a instrução de capacidades básicas e avançadas de leitura.

No que diz respeito à intensidade das intervenções, Donegan e Wanzek (2021) verificaram que os grupos com menor número de alunos obtiveram melhores resultados na compreensão de texto, do que os grupos com mais alunos.

De acordo com as autoras, grupos mais pequenos podem proporcionar mais oportunidades de interacção com os professores e com os colegas, além de permitirem que os alunos recebam mais retorno e uma instrução diferenciada (quando necessário), que atenda às necessidades individuais.

Por último, verificou-se que as intervenções com maior duração aumentaram o desempenho dos alunos na compreensão de texto.

Porém, à semelhança de estudos anteriores, esse aumento não foi significativo. Como Donegan e Wanzek (2021) referem, embora não existam evidências para afirmar que as intervenções em pequeno grupo ou com mais duração produzam um impacto mais significativo na leitura, há evidências de que esses factores podem ser importantes para intervenções dirigidas a alunos do 4o e 5o ano de escolaridade, com dificuldades de leitura mais graves.

EM SUMA:

  1.  As intervenções multicomponentes parecem melhorar, significativamente, as capacidades básicas e avançadas de leitura dos alunos do 4º e 5º ano de escolaridade, com dificuldades de leitura.
  2. As intervenções em pequeno grupo podem ser as mais eficazes no aumento da capacidade de compreensão de texto.
  3. Não parece existir uma relação significativa entre a duração da intervenção e o respectivo impacto na leitura. No entanto, intervenções com maior duração, quando dirigidas a alunos com dificuldades de leitura graves, são, muito provavelmente, mais adequadas e eficazes, do que intervenções de menor duração.

O impacto das intervenções nas dificuldades de leitura

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AUTORES

Célia Oliveira

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Célia Oliveira é Doutorada em Psicologia Experimental e Ciências Cognitivas pela Universidade do Minho, com uma tese sobre o papel de processos atencionais na Capacidade Memória Operatória. Pela mesma universidade, licenciou-se em Psicologia com pré-especialização em Psicologia Escolar e da Educação, e completou um Mestrado em Psicologia Clínica.

Atualmente é docente na Universidade Lusófona do Porto, onde é responsável por unidades curriculares no domínio da Cognição (Psicologia da Memória e Psicologia da Atenção) e da Psicologia da Educação (Psicologia da Educação e Psicologia Escolar). É membro do HEI-Lab - Digital Human-Environment Interaction Lab, da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, e integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho. Os seus interesses e atividade de investigação contemplam os domínios da Aprendizagem, Atenção e Memória Humana.

Detém experiência continuada de prática clínica com crianças e adolescentes, e tem exercido atividades de consultoria científica em projetos de investigação, bem como consultoria técnica em contextos de atuação comunitária.

João Lopes

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João Arménio Lamego Lopes dirige o projeto AaZ – Ler Melhor, Saber Mais. Licenciado em Psicologia pela Universidade do Porto (1981), Mestre em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento (Universidade do Porto, 1991) e doutorado em Psicologia da Educação pela Universidade do Minho (1996). Professor da Escola de Psicologia da Universidade do Minho desde 1995.

Professor Associado com Agregação, da mesma Universidade (2004). Director do Departamento de Psicologia Aplicada (2015-2019) e do Mestrado em Temas de Psicologia da Educação da UM. Director do Programa de Doutoramento em Psicologia Aplicada para os países da CPLP. Presidente do Conselho Cientifico-Pedagógico da Formação Contínua de professores (2014-2018), representante de Portugal no CERI-OCDE (2015-2017) e membro do Conselho Geral do IAVE (2013-2018).

Soraia Araújo

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Soraia Araújo é doutoranda em Psicologia Aplicada, na Escola de Psicologia da Universidade do Minho. Licenciou-se em Psicologia, em 2018, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e concluiu o Mestrado em Psicologia Aplicada, em 2020, na Universidade do Minho.

Integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho, desde 2019, aquando da realização da sua dissertação de mestrado, intitulada “Formação Contínua de Professores: Necessidades, Participação e Barreiras”. No mesmo grupo de investigação, encontra-se a desenvolver a sua tese de doutoramento sobre as dificuldades de aprendizagem inicial da leitura. Integra, ainda, o Programa AaZ – Ler Melhor, Saber Mais, onde colabora, essencialmente, na escrita de textos de apoio sobre o ensino da leitura, dirigidos a professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico.

Os seus interesses de investigação centram-se na área da Psicologia e da Educação. Especificamente, ensino da leitura e escrita, dificuldades de aprendizagem, perturbações do neurodesenvolvimento, métodos de ensino e formação de professores.

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