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A capacidade de nomear, o mais rapidamente possível, estímulos visuais familiares, como letras, cores, dígitos e objectos (nomeação rápida), é, de acordo com a evidência científica, uma forte preditora da fluência de leitura. Autores como Bowers e Wolf (1993) colocam, inclusive, a hipótese, de a nomeação rápida estar relacionada com a leitura, devido à influência que exerce sobre o conhecimento ortográfico.
 

Se as letras de uma palavra não forem identificadas rapidamente, não serão activadas com a celeridade necessária à sua unitização (isto é, as letras não serão codificadas como unidades individuais).

Consequentemente, os leitores não terão conhecimento de padrões de letras que ocorrem, frequentemente, na leitura, a qualidade das representações ortográficas será reduzida, e a capacidade de leitura ficará significativamente comprometida (principalmente a fluência de leitura).
Embora a hipótese proposta por Bowers e Wolf (1993) seja considerada, na literatura, proeminente, há três questões que continuam por esclarecer: a) não se sabe se as tarefas de nomeação rápida, a tarefa alfanumérica (e.g., nomear dígitos, letras) e não-alfanumérica (e.g., nomear cores), predizem, na mesma medida, o conhecimento ortográfico; b) não se sabe se a nomeação rápida influencia os dois tipos de conhecimento ortográfico (lexical e sub-lexical); e c) não se sabe quais são as competências de processamento - unitização, consciência fonémica e/ou velocidade - envolvidas na relação entre a nomeação rápida e o conhecimento ortográfico. Martinez et al. (2021) procuram responder a estas questões:

  • Analisando a relação entre a nomeação rápida (alfanumérica e não-alfanumérica) e o conhecimento ortográfico, através de quatro medidas: conhecimento ortográfico lexical e sub-lexical; precisão; e tempo de resposta (velocidade);
  • Analisando quais as competências de processamento (unitização, consciência fonémica e velocidade) que medeiam a relação entre a nomeação rápida e o conhecimento ortográfico.

Participaram no estudo 114 alunos do terceiro ano de escolaridade, de três escolas primárias, localizadas no México. A língua materna de todos os alunos era o Espanhol e nenhum tinha um diagnóstico formal de dificuldades sensoriais, intelectuais, ou comportamentais. Com base nos resultados de diversos estudos, os autores testaram as seguintes hipóteses:

  • Hipótese 1: A influência da nomeação rápida na fluência de leitura é, parcialmente, mediada pelo conhecimento ortográfico;
  • Hipótese 2: A nomeação rápida está mais relacionada com o conhecimento ortográfico lexical, do que com o conhecimento ortográfico sub-lexical. Está, também, mais relacionada com o tempo de resposta, do que com a precisão do conhecimento ortográfico;
  • Hipótese 3: A influência da nomeação rápida no conhecimento ortográfico será, parcialmente, mediada pelas competências de processamento (unitização, consciência fonémica e velocidade).

Os alunos foram avaliados individualmente, durante o horário escolar, por avaliadores devidamente treinados. A avaliação ocorreu numa única sessão, com a duração de, aproximadamente, 35 minutos. Foram avaliadas a capacidade de nomeação rápida de dígitos (tarefa alfanumérica) e objectos (tarefa não-alfanumérica), o conhecimento ortográfico, o processamento de multi-elementos, a consciência fonémica, a velocidade de processamento, e a fluência de leitura de todos os alunos.

 

Resultados:

  1. O conhecimento ortográfico mediou, parcialmente, o efeito da nomeação rápida na fluência de leitura, tendo a Hipótese 1 sido, assim, confirmada. Os autores verificaram, ainda, que, à excepção da associação entre a nomeação rápida de dígitos e a precisão, as tarefas de nomeação rápida (alfanumérica e não-alfanumérica) correlacionam-se significativamente com as medidas de conhecimento ortográfico (conhecimento ortográfico lexical e sub-lexical; precisão; e tempo de resposta).
  2. A Hipótese 2 foi rejeitada. Ao contrário do esperado pelos autores, não se verificaram diferenças significativas entre as associações nomeação rápida - conhecimento ortográfico lexical e nomeação rápida - conhecimento ortográfico sub-lexical. Para Martinez et al. (2021), este resultado é interessante, do ponto de vista teórico. Manis et al. (1999) sugeriram que a nomeação rápida beneficia da capacidade de as crianças processarem a representação ortográfica de uma palavra, como uma única unidade. Embora os resultados de Martinez et al. (2021) não apontem nesse sentido, reconhecem que eles podem reflectir, ainda que parcialmente, a natureza da ortografia em que as crianças estavam a aprender a ler (Espanhol). De acordo com a teoria psicolinguística denominada “Grain Size Theory” (Ziegler & Goswami, 2005), as crianças, dependendo da consistência ortográfica da língua, podem ler mediante unidades de tamanho diferentes. No caso do Espanhol, uma ortografia consistente, as crianças não dependem, necessariamente, de representações ortográficas para ler palavras correctamente, sendo o conhecimento ortográfico sub-lexical suficiente. Martinez et al. (2021), não encontraram, também, diferenças significativas entre as associações nomeação rápida - precisão do conhecimento ortográfico e nomeação rápida - tempo de resposta do conhecimento ortográfico. Este resultado sugere que a velocidade, por si só, não justifica a relação entre a nomeação rápida e o conhecimento ortográfico (um argumento que é, ainda, apoiado, pelo facto de a velocidade de processamento não ter mediado essa relação; Resultado 3).
  3. Independentemente da nomeação rápida, ou do conhecimento ortográfico das crianças, apenas a consciência fonémica mostrou mediar, parcialmente, a relação da nomeação rápida com o conhecimento ortográfico. A Hipótese 3 foi, assim, rejeitada. Este resultado, para além de ir ao encontro dos resultados de estudos anteriores, pode ser explicado pela “Hipótese de Auto-Aprendizagem” (Share, 1995, 2004), de acordo com a qual as representações ortográficas específicas resultam, essencialmente, do envolvimento do leitor nas tarefas de recodificação fonológica de padrões de letras que ainda desconhece. Esta hipótese defende, ainda, que, para a recodificação fonológica ocorrer, o leitor deve aceder e recuperar, rapidamente, as representações fonológicas dos grafemas. Segundo Martinez et al. (2021), esta formulação coincide com a noção de nomeação rápida, enquanto medida de velocidade de acesso às representações fonológicas, armazenadas na memória de longo prazo. Os autores defendem, que, pelo menos neste estudo, a nomeação rápida pode ter desempenhado um papel muito importante: por um lado, o baixo desempenho na nomeação rápida pode prejudicar a eficiência da recodificação fonológica, afectando o desenvolvimento do conhecimento ortográfico lexical e sub-lexical; por outro lado, o alto desempenho na nomeação rápida pode não fornecer benefícios adicionais para a tarefa de recodificação fonológica.

O processamento de multi-elementos (unitização) e a velocidade de processamento, não explicam a relação entre a nomeação rápida e o conhecimento ortográfico. Estes resultados sugerem que a competência de unitização, proposta por Bowers e Wolf (1993), é fonológica, e não visual (como proposto pela “Hipótese de Auto-Aprendizagem” de Share (1995).

Esta explicação é, ainda, apoiada por, pelo menos, dois estudos: a) num estudo realizado em 1999, Bowers e colaboradores verificaram que as crianças com dificuldades na nomeação rápida, tiveram um desempenho igual ao das crianças sem dificuldades, quando instadas a recordar palavras compostas por quatro letras, bem como pseudo-palavras pronunciáveis.

Porém, quando instadas a recordar pseudo-palavras não-pronunciáveis, de quatro letras (como, tnzw), as crianças com dificuldades na nomeação rápida tiveram um desempenho pior.

Isto sugere que as crianças com défices na velocidade de nomeação, não tiveram dificuldade em aceder à representação ortográfica das palavras ou pseudo-palavras pronunciáveis, mas, sim, em aceder às representações fonológicas de letras individuais; b) Martens e de Jong (2006), verificaram que a condição “CaSe MiXiNg”, na qual o uso de letras minúsculas e maiúsculas altera as características de várias letras em cada palavra, prejudica a velocidade de leitura, mas não o desempenho na tarefa de nomeação rápida.

Assim, Martinez et al. (2021) reconhecem, mais uma vez, que os resultados podem dever-se à ortografia da língua dos participantes. Uma vez que em ortografias consistentes, como o Espanhol, cada letra corresponde a, aproximadamente, um fonema, o processo de unitização pode ocorrer, muito simplesmente, ao nível do fonema.

 EM SUMA:

A capacidade de nomeação rápida está relacionada com o conhecimento ortográfico, sendo essa relação mediada, parcialmente, pela consciência fonémica. O conhecimento ortográfico não é, assim, a razão pela qual a nomeação rápida se relaciona com a fluência de leitura. Se o conhecimento ortográfico resulta de um processo de unitização, esse é, então, um processo fonológico-visual, no qual a fonologia assume um papel crítico.


Referência Bibliográfica: Dolean, D. D., Lervåg, A., Visu-Petra, L., & Melby-Lervåg, M. (2021). Language skills, and not executive functions, predict the development of reading comprehension of early readers: Evidence from an orthographically transparent language. Reading and Writing, 1-22.

Como é que a nomeação rápida influencia o conhecimento ortogáfico

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AUTORES

João Lopes

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João Arménio Lamego Lopes dirige o projeto AaZ – Ler Melhor, Saber Mais. Licenciado em Psicologia pela Universidade do Porto (1981), Mestre em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento (Universidade do Porto, 1991) e doutorado em Psicologia da Educação pela Universidade do Minho (1996). Professor da Escola de Psicologia da Universidade do Minho desde 1995.

Professor Associado com Agregação, da mesma Universidade (2004). Director do Departamento de Psicologia Aplicada (2015-2019) e do Mestrado em Temas de Psicologia da Educação da UM. Director do Programa de Doutoramento em Psicologia Aplicada para os países da CPLP. Presidente do Conselho Cientifico-Pedagógico da Formação Contínua de professores (2014-2018), representante de Portugal no CERI-OCDE (2015-2017) e membro do Conselho Geral do IAVE (2013-2018).

Soraia Araújo

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Soraia Araújo é doutoranda em Psicologia Aplicada, na Escola de Psicologia da Universidade do Minho. Licenciou-se em Psicologia, em 2018, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e concluiu o Mestrado em Psicologia Aplicada, em 2020, na Universidade do Minho.

Integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho, desde 2019, aquando da realização da sua dissertação de mestrado, intitulada “Formação Contínua de Professores: Necessidades, Participação e Barreiras”. No mesmo grupo de investigação, encontra-se a desenvolver a sua tese de doutoramento sobre as dificuldades de aprendizagem inicial da leitura. Integra, ainda, o Programa AaZ – Ler Melhor, Saber Mais, onde colabora, essencialmente, na escrita de textos de apoio sobre o ensino da leitura, dirigidos a professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico.

Os seus interesses de investigação centram-se na área da Psicologia e da Educação. Especificamente, ensino da leitura e escrita, dificuldades de aprendizagem, perturbações do neurodesenvolvimento, métodos de ensino e formação de professores.

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