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Saber ler e escrever são, inegavelmente, duas competências essenciais para uma participação activa nas sociedades modernas. De acordo com a evidência científica, são várias as capacidades linguísticas e cognitivas que se encontram associadas à aquisição da leitura e escrita, nomeadamente a inteligência e a consciência fonológica.

A inteligência e a consciência fonológica estão, segundo diversos estudos, entre os principais requisitos para aprender a ler e escrever. Porém, há outros factores, como o conhecimento ortográfico, associados à aprendizagem da leitura e escrita.

 

Conhecimento ortográfico: Conceptualização

Ter um bom conhecimento ortográfico constitui uma condição muitíssimo importante para adquirir uma leitura e escrita fluentes. De acordo com diversos autores, este conhecimento assume um papel fundamental na identificação e produção de palavras escritas, sendo adquirido através da exposição repetida a estas unidades.

Em que consiste, exactamente, o conhecimento ortográfico? De acordo com Zarić et al. (2021), existem, na literatura, diferentes definições de conhecimento ortográfico. Porém, este conhecimento é genericamente definido como o conhecimento dos leitores acerca dos padrões de letras ou convenções de um sistema de escrita.

Além disso, o conhecimento ortográfico é multidimensional, sendo constituído por dois sub-tipos de conhecimento: a) o conhecimento ortográfico específico, definido como o conhecimento da grafia exacta das palavras; e b) o conhecimento ortográfico geral, definido como o conhecimento dos padrões de letras possíveis num sistema de escrita, incluindo as dependências sequenciais (quais letras podem seguir outras letras), as redundâncias estruturais (combinações de letras possíveis) e as frequências de posição (quais combinações de letras ocorrem frequentemente e raramente).

Estudo de Zarić e colaboradores: Enquadramento, propósito e participantes

De acordo com Zarić et al. (2021), a generalidade dos estudos acerca do papel do conhecimento ortográfico (geral e específico) na aquisição da leitura e escrita foram realizados em línguas opacas, existindo apenas um pequeno número de estudos em línguas mais transparentes, como o Alemão.

Segundo os mesmos autores, poucos estudos analisaram, também, o papel do conhecimento ortográfico na aquisição da leitura e escrita, em simultâneo com a inteligência e a consciência fonológica. 

Além disso, os poucos estudos realizados até à data, acerca desta temática, chegaram a conclusões diferentes, não estando claro: a) se o conhecimento ortográfico geral e específico, para além da inteligência e da consciência fonológica, contribuem, significativamente, para a proficiência na leitura e escrita; e b) se o conhecimento ortográfico geral e específico contribuem, na mesma medida, para o desempenho na leitura e escrita.
Considerando as limitações apresentadas, Zarić et al. (2021) tiveram como objectivos:

  1. Analisar se o conhecimento ortográfico, geral e específico, contribuem, significativamente, para o desempenho na leitura e escrita, para além da inteligência e da consciência fonológica; 
  2. Verificar se existem diferenças entre o valor preditivo do conhecimento ortográfico geral e do conhecimento ortográfico específico, no desempenho na leitura e escrita.

Para tentar responder a estes objectivos, o grupo de investigadores avaliou a leitura (de palavras, frases e textos), escrita, inteligência, consciência fonológica e o conhecimento ortográfico (geral e específico) de 66 alunos de uma escola primária, localizada em Frankfurt, na Alemanha. 

Os alunos tinham, em média, nove anos de idade e foram avaliados, em pequeno grupo, durante dois dias (45 minutos em cada dia).

Resultados

 O conhecimento ortográfico mostrou predizer, significativamente, o desempenho dos alunos na escrita, bem como na leitura de palavras, frases e textos. No entanto, o conhecimento ortográfico específico parece desempenhar um papel mais importante na leitura de frases e textos, do que o conhecimento ortográfico geral. Além disso, os resultados mostraram que o conhecimento ortográfico é um melhor preditor da leitura e escrita, do que a inteligência e a consciência fonológica.

De acordo com a literatura, é possível que os dois sub-tipos de conhecimento ortográfico sejam preditores significativos do desempenho na leitura e escrita, uma vez que:

  • o conhecimento ortográfico específico apoia o reconhecimento directo de palavras familiares, sendo estas lidas de forma automática, permitindo, assim, que o leitor as processe com rapidez e obtenha uma maior compreensão da leitura (de frases e textos, principalmente); além disso, este tipo de conhecimento permite a escrita directa de palavras, a partir da representação específica das mesmas, armazenada no léxico mental; o conhecimento ortográfico específico apoia, ainda, a leitura e escrita de palavras desconhecidas, através da sua semelhança com palavras familiares, já consolidadas e armazenadas no léxico mental;
  • o conhecimento ortográfico geral contribui, de duas formas, para o desempenho na leitura e escrita: i) as representações das palavras são estabelecidas na memória, através da ligação da grafia de uma determinada palavra, com a respectiva pronúncia e significado. Essa ligação é, também, influenciada pelo conhecimento dos leitores acerca dos padrões ortográficos recorrentes, bem como das consistências e regularidades em palavras diferentes. De acordo com a literatura, os leitores, ao aprenderem esses padrões, tornam-se capazes de estabelecer conexões, memorizando palavras específicas. Neste sentido, o conhecimento ortográfico geral desempenha um papel muito importante no estabelecimento das conexões necessárias para desenvolver representações específicas das palavras na memória, apoiando, assim, a leitura de nível inferior (isto é, a leitura de palavras); ii) o conhecimento dos padrões recorrentes de letras pode fornecer informações sobre como uma determinada palavra escrita pode ser lida, e como uma palavra falada, pode ser escrita. O conhecimento ortográfico geral pode, assim, fornecer um apoio fundamental na leitura e escrita, principalmente de palavras desconhecidas.

 A influência do conhecimento ortográfico específico mostrou ser maior na escrita (28%), do que na leitura (leitura de palavras: 17%; leitura de frases: 15%; e leitura de textos: 8%).

Os resultados mostraram, ainda, que tal como o conhecimento ortográfico específico, a influência do conhecimento ortográfico geral é maior na escrita (13%) do que na leitura (leitura de palavras: 9%; leitura de frases: 8%; e leitura de textos: 5%). De acordo com Zarić et al. (2021), estes resultados podem indicar que, pelo menos no Alemão, o conhecimento ortográfico geral e específico desempenham um papel mais importante na escrita, do que na leitura.

PRINCIPAIS IDEIAS A RETER:

  1. O conhecimento ortográfico é um melhor preditor do desempenho na leitura e escrita, do que a inteligência e a consciência fonológica.
  2.  O conhecimento ortográfico prediz, significativamente, o desempenho na leitura e escrita. No entanto, a influência de ambos os tipos de conhecimento ortográfico é maior na escrita, do que na leitura. Além disso, a influência do conhecimento ortográfico geral, quando considerada em simultâneo com o conhecimento ortográfico específico, pode não ser tão relevante, quanto a influência do conhecimento da grafia exacta das palavras na leitura de frases e textos.

Referência Bibliográfica: Zarić, J., Hasselhorn, M., & Nagler, T. (2021). Orthographic knowledge predicts reading and spelling skills over and above general intelligence and phonological awareness. European Journal of Psychology of Education, 36(1), 21-43.

Conhecimento ortográfico vs. inteligência e consciência fonológica

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AUTORES

João Lopes

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João Arménio Lamego Lopes dirige o projeto AaZ – Ler Melhor, Saber Mais. Licenciado em Psicologia pela Universidade do Porto (1981), Mestre em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento (Universidade do Porto, 1991) e doutorado em Psicologia da Educação pela Universidade do Minho (1996). Professor da Escola de Psicologia da Universidade do Minho desde 1995.

Professor Associado com Agregação, da mesma Universidade (2004). Director do Departamento de Psicologia Aplicada (2015-2019) e do Mestrado em Temas de Psicologia da Educação da UM. Director do Programa de Doutoramento em Psicologia Aplicada para os países da CPLP. Presidente do Conselho Cientifico-Pedagógico da Formação Contínua de professores (2014-2018), representante de Portugal no CERI-OCDE (2015-2017) e membro do Conselho Geral do IAVE (2013-2018).

Soraia Araújo

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Soraia Araújo é doutoranda em Psicologia Aplicada, na Escola de Psicologia da Universidade do Minho. Licenciou-se em Psicologia, em 2018, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e concluiu o Mestrado em Psicologia Aplicada, em 2020, na Universidade do Minho.

Integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho, desde 2019, aquando da realização da sua dissertação de mestrado, intitulada “Formação Contínua de Professores: Necessidades, Participação e Barreiras”. No mesmo grupo de investigação, encontra-se a desenvolver a sua tese de doutoramento sobre as dificuldades de aprendizagem inicial da leitura. Integra, ainda, o Programa AaZ – Ler Melhor, Saber Mais, onde colabora, essencialmente, na escrita de textos de apoio sobre o ensino da leitura, dirigidos a professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico.

Os seus interesses de investigação centram-se na área da Psicologia e da Educação. Especificamente, ensino da leitura e escrita, dificuldades de aprendizagem, perturbações do neurodesenvolvimento, métodos de ensino e formação de professores.

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