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Introdução

O domínio da leitura depende significativamente da capacidade de os leitores compreenderem aquilo que lêem. A compreensão da leitura depende, por sua vez, de diversos conhecimentos e competências, como, por exemplo, o conhecimento ortográfico, que consiste no domínio dos padrões de letras ou convenções do sistema de escrita, o conhecimento de vocabulário, e outras competências relacionadas com a compreensão da linguagem, como a gramática.

O conhecimento de vocabulário influencia o reconhecimento e a compreensão de palavras. O domínio do vocabulário facilita, por isso, a aprendizagem de novas palavras. Esta aprendizagem não se limita, no entanto, ao número de termos que um leitor conhece. Engloba a qualidade desse conhecimento, isto é, a compreensão do significado de diversas palavras e o conhecimento das respectivas características, como o som, a grafia, a morfologia e a sintaxe.

De acordo com a literatura, a promoção do conhecimento de vocabulário nos primeiros anos de vida, nomeadamente no jardim-de-infância, assume um papel fundamental na alfabetização. Porém, pouco tempo (em média, cinco minutos por dia) parece ser, no geral, dedicado a esta tarefa. Ganske e Heller (2022), considerando a relação entre a aprendizagem da leitura e da escrita e o desenvolvimento de vocabulário, referem que a inclusão da instrução de vocabulário no ensino do conhecimento ortográfico (uma abordagem por eles denominada «andar e mascar pastilha elástica ao mesmo tempo»; no original, «walk and chew gum at the same time») pode ser muito benéfica, quer para as crianças, quer para os professores.

 

Estrutura SAIL

De acordo com Ganske e Heller (2022), o objectivo da estrutura SAIL (Survey, Analyze, Interpret, Link), que em português significa «Pesquisa, Análise, Interpretação, Ligação», é muito simplesmente apoiar os professores no ensino simultâneo do vocabulário e do conhecimento ortográfico. Esta estrutura engloba o ensino inicial de uma palavra (vocabulário), por regra através de uma mini-aula, seguida da respectiva aplicação no decurso do ensino do conhecimento ortográfico. Além disso, enfatiza o diálogo e o envolvimento dos alunos.

Aplicação da estrutura

Ganske e Heller (2022) procuraram compreender melhor os benefícios da aplicação da estrutura SAIL à aprendizagem. Para isso, observaram a sua aplicação, por um professor, ao ensino de alunos com pouco conhecimento ortográfico.

O professor tinha 20 anos de experiência. Após uma sessão de formação acerca da abordagem SAIL, trabalhou duas vezes por semana, durante dois meses, com crianças do jardim-de-infância (n = 11) e do primeiro ano do ensino básico (n = 8). As crianças foram divididas em pequenos grupos, cada um constituído por cinco a oito alunos.

Durante cada sessão, o professor realizou uma mini-aula sobre oito palavras previamente seleccionadas. Os alunos dos diferentes grupos aprenderam a mesma palavra em cada semana. Por sua vez, o ensino do conhecimento ortográfico foi ajustado às necessidades de cada grupo.

Ganske e Heller (2022) reuniram informação acerca do conhecimento e desempenho dos alunos no conhecimento ortográfico, vocabulário e capacidade de codificação e de descodificação. Os alunos foram avaliados antes e após a aplicação da abordagem SAIL. Os investigadores recolheram, também, informação acerca das estratégias adoptadas pelo professor.

Resultados

Ganske e Heller (2022) verificaram, essencialmente, que:

  1. Após a aplicação da estrutura SAIL, o desempenho dos alunos no vocabulário e no conhecimento ortográfico aumentou significativamente. O ensino de vocabulário pode, por isso, ser introduzido no estudo dos padrões de letras ou convenções do sistema de escrita (conhecimento ortográfico).
  2. Durante as aulas, o professor adoptou cinco estratégias para apoiar a aprendizagem de vocabulário: i) revisão do vocabulário, para aumentar a exposição e o envolvimento dos alunos com as palavras; ii) exemplos, para explicar aos alunos o significado das palavras; iii) estruturação e elaboração das respostas dos alunos, para estimular o diálogo e a compreensão; iv) criação de  oportunidades, para os alunos usarem ou aplicarem as palavras leccionadas; e v) síntese da aprendizagem. (Nas tabelas 1 e 2 da versão PDF deste artigo, encontram-se as estratégias adoptadas pelo professor, identificadas entre parênteses pelo número romano correspondente).

 

Principais ideias a reter

De acordo com a literatura, o êxito escolar requer mudanças em algumas práticas de ensino. Uma delas é o ensino do vocabulário. O conhecimento de vocabulário desempenha um papel fundamental na leitura e requer instrução explícita. Os resultados obtidos por Ganske e Heller (2022) destacam os seguintes aspectos:

  • O diálogo professor-aluno desempenha um papel fundamental no ensino e aprendizagem.
  • Embora a estrutura SAIL tenha sido aplicada no contexto da instrução do conhecimento ortográfico, a promoção do vocabulário pode ocorrer durante o ensino de outros conteúdos ou disciplinas, como a matemática e as ciências.
  • A aplicação da estrutura SAIL pode ser bastante benéfica para a aprendizagem de alunos com dificuldades de leitura ou que estão a iniciar a escolaridade.

Neste sentido, tal como os autores referem, podemos e devemos «andar e mascar pastilha elástica ao mesmo tempo».

Bibliografia

Ganske, K., & Heller, M. C. (2022). Word knowledge instruction: We can walk and chew gum at the same time. The Reading Teacher, 76(2), 112-121. https://doi.org/10.1002/trtr.2132

AUTORES

João Lopes

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João Arménio Lamego Lopes dirige o projeto AaZ – Ler Melhor, Saber Mais. Licenciado em Psicologia pela Universidade do Porto (1981), Mestre em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento (Universidade do Porto, 1991) e doutorado em Psicologia da Educação pela Universidade do Minho (1996). Professor da Escola de Psicologia da Universidade do Minho desde 1995.

Professor Associado com Agregação, da mesma Universidade (2004). Director do Departamento de Psicologia Aplicada (2015-2019) e do Mestrado em Temas de Psicologia da Educação da UM. Director do Programa de Doutoramento em Psicologia Aplicada para os países da CPLP. Presidente do Conselho Cientifico-Pedagógico da Formação Contínua de professores (2014-2018), representante de Portugal no CERI-OCDE (2015-2017) e membro do Conselho Geral do IAVE (2013-2018).

Soraia Araújo

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Soraia Araújo é doutoranda em Psicologia Aplicada, na Escola de Psicologia da Universidade do Minho. Licenciou-se em Psicologia, em 2018, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e concluiu o Mestrado em Psicologia Aplicada, em 2020, na Universidade do Minho.

Integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho, desde 2019, aquando da realização da sua dissertação de mestrado, intitulada “Formação Contínua de Professores: Necessidades, Participação e Barreiras”. No mesmo grupo de investigação, encontra-se a desenvolver a sua tese de doutoramento sobre as dificuldades de aprendizagem inicial da leitura. Integra, ainda, o Programa AaZ – Ler Melhor, Saber Mais, onde colabora, essencialmente, na escrita de textos de apoio sobre o ensino da leitura, dirigidos a professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico.

Os seus interesses de investigação centram-se na área da Psicologia e da Educação. Especificamente, ensino da leitura e escrita, dificuldades de aprendizagem, perturbações do neurodesenvolvimento, métodos de ensino e formação de professores.

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