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A fluência de leitura é definida, muito frequentemente, como a capacidade de ler com rapidez e precisão, principalmente através do reconhecimento automático de palavras escritas. No entanto, sabe-se, actualmente, que a fluência de leitura é muito mais do que uma questão de ler com precisão e velocidade.

Para além destas componentes, a fluência de leitura inclui uma terceira componente, que engloba o propósito comunicativo da leitura, e que consiste na capacidade de ler com entoação, fraseamento e expressividade adequados: a prosódia.

A prosódia é descrita, por vários autores, como a “música da fala”. De acordo com a literatura, a prosódia constitui uma capacidade que todos os leitores devem desenvolver. Mas, como desenvolvem as crianças esta capacidade?

Godde et al. (2019) identificaram treze estudos que examinaram, especificamente, esta questão. Estes estudos destacaram quatro variáveis que influenciam, significativamente, o desenvolvimento da prosódia na leitura:

  1. Fluência na leitura: Diversos estudos demonstraram que, para as crianças lerem com prosódia têm, em primeiro lugar, de adquirir capacidades de descodificação e automaticidade. Estas capacidades reduzem a carga cognitiva geral dos leitores, permitindo-lhes direccionar os recursos cognitivos, como a atenção, para a prosódia.
  2. Planear e realizar pausas adequadas: As pausas, e em particular, a sua duração e colocação, contribuem significativamente para uma leitura fluente. De acordo com diversos estudos, a duração das pausas dos leitores fluentes diminui progressivamente com o aperfeiçoamento da leitura. Além disso, à medida que as crianças se tornam automáticas na leitura, aprendem a coordenar a respiração e a perceber quando uma pausa é gramaticalmente correcta, realizando, assim, pausas progressivamente mais adequadas.
  3. Adoptar uma entoação adequada: Diversos autores referem que determinados aspectos da entoação são adquiridos muito cedo. O aumento da entoação no final de frases interrogativas, por exemplo, pode estar presente a partir do terceiro ano de escolaridade e a declinação do tom de voz, em frases declarativas, a partir do quinto ano.
  4. Desenvolver a expressividade: A expressividade é considerada o aspecto da prosódia mais difícil de adquirir e desenvolver. Ainda assim, num estudo que abordou, especificamente, esta questão, verificou-se que alunos do terceiro ano são capazes de enfatizar a leitura através de estratégias várias, como por exemplo, a partir de citações directas e pontos de exclamação.

Diversos estudos verificaram uma variabilidade significativa entre os leitores na leitura com prosódia. Especificamente, verificou-se que o grau de variabilidade entre os leitores fluentes e os leitores não-fluentes pode depender, por exemplo, da complexidade e comprimento do texto. 

Quando um texto é complexo ou longo, a variabilidade entre os dois tipos de leitores tende a ser maior, principalmente em termos de expressividade e pausas não-gramaticais. Os estudos chegaram ainda a outras conclusões, nomeadamente: (a) os leitores menos proficientes fazem mais pausas, sejam estas adequadas ou não; (b) o tom de voz dos leitores menos proficientes tende a ser mais monótono; e (c) à semelhança dos leitores não-fluentes, as crianças com dificuldades de linguagem fazem várias pausas longas e não- gramaticais durante a leitura e a sua velocidade de leitura é menor.

Implicações para a sala de aula:

O ensino da prosódia na leitura levanta duas questões importantes:

  1. Quando: Uma vez que a leitura é o resultado da aquisição e desenvolvimento da capacidade de descodificação, automatização, prosódia e compreensão, a prosódia deve ser ensinada em conjunto com as restantes capacidades de leitura e não separadamente, visto que a separação tende a criar leitores rápidos, mas que não compreendem o que lêem.
  2. Como: Em primeiro lugar, os professores devem seleccionar textos adequados que conduzam as crianças a uma leitura prosódica, como a poesia ou o teatro. Posteriormente, os professores podem adoptar a estratégia de leitura repetida, encorajando as crianças a representar, por exemplo, uma peça de teatro. A leitura repetida, com foco na prosódia, e não na velocidade de leitura, ajuda as crianças a extrair a sintaxe e o significado do texto, melhorando, assim, a sua prosódia. Os professores podem, também, optar pela estratégia de modelagem, uma vez que é mais fácil para as crianças lerem com prosódia quando têm uma ideia no que consiste, exactamente, a leitura prosódica.

PRINCIPAIS IDEIAS A RETER:

  1. A prosódia constitui uma das componentes-chave da fluência de leitura e consiste, genericamente, na capacidade de ler com expressividade, fraseamento e entoação adequados.
  2. O desenvolvimento da prosódia tem início nos primeiros anos de aquisição da leitura e continua até à idade adulta. Depois de as crianças adquirirem a capacidade de descodificação e de automaticidade na leitura, podem centrar-se no posicionamento adequado das pausas, bem como no uso de uma entoação e expressividade adequadas.

Referência Bibliográfica: Godde, E., Bosse, M. L., & Bailly, G. (2019). A review of reading prosody acquisition and development. Reading and Writing, 33(2), 399-426.

Ler com prosódia, como as crianças desenvolvem esta capacidade?

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AUTORES

João Lopes

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João Arménio Lamego Lopes dirige o projeto AaZ – Ler Melhor, Saber Mais. Licenciado em Psicologia pela Universidade do Porto (1981), Mestre em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento (Universidade do Porto, 1991) e doutorado em Psicologia da Educação pela Universidade do Minho (1996). Professor da Escola de Psicologia da Universidade do Minho desde 1995.

Professor Associado com Agregação, da mesma Universidade (2004). Director do Departamento de Psicologia Aplicada (2015-2019) e do Mestrado em Temas de Psicologia da Educação da UM. Director do Programa de Doutoramento em Psicologia Aplicada para os países da CPLP. Presidente do Conselho Cientifico-Pedagógico da Formação Contínua de professores (2014-2018), representante de Portugal no CERI-OCDE (2015-2017) e membro do Conselho Geral do IAVE (2013-2018).

Soraia Araújo

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Soraia Araújo é doutoranda em Psicologia Aplicada, na Escola de Psicologia da Universidade do Minho. Licenciou-se em Psicologia, em 2018, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e concluiu o Mestrado em Psicologia Aplicada, em 2020, na Universidade do Minho.

Integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho, desde 2019, aquando da realização da sua dissertação de mestrado, intitulada “Formação Contínua de Professores: Necessidades, Participação e Barreiras”. No mesmo grupo de investigação, encontra-se a desenvolver a sua tese de doutoramento sobre as dificuldades de aprendizagem inicial da leitura. Integra, ainda, o Programa AaZ – Ler Melhor, Saber Mais, onde colabora, essencialmente, na escrita de textos de apoio sobre o ensino da leitura, dirigidos a professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico.

Os seus interesses de investigação centram-se na área da Psicologia e da Educação. Especificamente, ensino da leitura e escrita, dificuldades de aprendizagem, perturbações do neurodesenvolvimento, métodos de ensino e formação de professores.

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