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O aparecimento inesperado da pandemia obrigou os especialistas em saúde pública e os governos de vários países, a adoptar uma série de medidas de contenção para combater a propagação da doença. O encerramento temporário das escolas foi uma delas.

De acordo com o relatório da ONU, publicado em Abril de 2020, 188 países encerraram as instituições de ensino. Pais, professores, alunos, enfim, todos os envolvidos na educação escolar, viram-se obrigados a adaptarem-se a uma nova realidade: o ensino à distância. 

O impacto do encerramento das escolas na aprendizagem tem sido alvo de particular atenção pelos especialistas e pela sociedade em geral.

As investigações acerca desta questão sublinham que a aprendizagem dos alunos durante a pandemia tem sido menor do que em anos anteriores (uma ideia intitulada de perda ou prejuízo na aprendizagem). No entanto, as repercussões da interrupção das aulas presenciais, na aprendizagem dos alunos que frequentam o primeiro, segundo, ou o terceiro ano do 1º Ciclo do Ensino Básico, têm sido menos estudadas.

O contributo de Domingue et al. (2021), do Centro de Investigação PACE, é muito relevante, uma vez que os investigadores mediram o efeito da pandemia na aprendizagem da leitura dos alunos mais novos. Para isso, recorreram aos dados fornecidos pela plataforma Literably, que avalia a fluência de leitura no ensino primário - isto é, a capacidade de os alunos lerem um texto com precisão, velocidade e expressividade.

As avaliações foram realizadas, em média, três vezes por ano, em mais de 100 agrupamentos de escolas dos Estados Unidos. Devido à pandemia, as avaliações, em 2020, foram realizadas à distância. Foram analisados mais de 250 mil resultados. Estes resultados permitiram aos investigadores analisar o desenvolvimento da fluência de leitura ao longo das várias fases da pandemia, bem como verificar em que altura do ano (Primavera ou Outono) as perdas na aprendizagem foram mais acentuadas.

 

Qual o impacto do encerramento das escolas na leitura?

Domingue et al. (2021) recorreram aos resultados das avaliações da leitura realizadas antes da pandemia (ano lectivo 2018/2019), para estabelecerem uma linha de base para a evolução “típica” da fluência de leitura, num ano lectivo normal. Com base nessa linha, os investigadores compararam a evolução dos alunos no ano pré-pandémico com a evolução registada no período de pandemia. A análise dos resultados permitiu tirar três conclusões importantes:

A evolução da fluência de leitura estagnou no início da pandemia (Primavera de 2020), tendo sido os alunos do 2º e do 3º ano os mais afectados

O grupo de investigadores examinou, numa primeira fase, a evolução da fluência de leitura dos alunos que iniciaram o ensino primário no ano lectivo 2018/2019. Como é possível verificar na Figura 1, a evolução da fluência desses alunos (que frequentam, no presente ano lectivo, o terceiro ano; linha azul) foi bastante estável até ao início da pandemia (linha vermelha).

Na Primavera de 2020, quando os alunos frequentaram o segundo ano, o aumento na fluência de leitura estagnou, dado o encerramento temporário das escolas. Esta interrupção nos progressos permaneceu durante o Verão (coluna cinzenta). Como é possível verificar a partir da comparação da trajectória de evolução observada (linha azul), com a trajectória estimada (linha amarela), estes alunos sofreram, claramente, uma perda na aprendizagem da leitura em consequência da covid-19.

Figura 1 
Evolução da fluência de leitura dos alunos ao longo de três anos lectivos.

Os investigadores compararam, posteriormente, a evolução da fluência de leitura dos alunos, no ano lectivo 2018/2019, com a evolução dos alunos afectados pela pandemia (ano lectivo 2019/2020). Esta análise permitiu obter dados mais precisos acerca do impacto do encerramento das escolas na leitura (Figura 2).

Decorre da figura abaixo que, no ano afectado pela covid-19 (linha azul), os alunos do primeiro, segundo e terceiro ano, demonstraram, até ao início da pandemia (linha vermelha), uma trajectória de evolução semelhante à dos alunos do ano lectivo 2018/2019 (linha amarela).

Após o encerramento das escolas (Primavera de 2020), a fluência de leitura diminuiu, quer na Primavera quer no Verão.

Quando os alunos regressaram ao ensino presencial, no Outono, a sua fluência de leitura aumentou novamente, embora este aumento não tenha sido suficiente para recuperar as perdas registadas no início da pandemia (como veremos a seguir). Importa ainda referir que os alunos do segundo e do terceiro ano foram, sem dúvida, os mais afectados pela interrupção do ensino presencial.

Figura 2 
Evolução da fluência de leitura ao longo de 15 meses (antes e durante a pandemia).

  • A fluência de leitura aumentou quando os alunos regressaram ao ensino presencial (Outono de 2020). Porém, este aumento não foi suficiente para compensar as perdas registadas no início da pandemia

Domingue et al. (2021) analisaram a evolução da fluência de leitura, registada no Outono de 2019 e de 2020 (Figura 3). Como é possível verificar através das barras azuis (que representam a evolução dos alunos nos primeiros noventa dias do ano lectivo 2020/2021), os alunos do primeiro ano de escolaridade apresentaram uma fluência de leitura semelhante à dos alunos que frequentaram o mesmo ano antes da pandemia (ano lectivo 2019/2020; barra amarela).

O mesmo não se verificou nos alunos do segundo, terceiro e quarto ano. A evolução desses alunos foi mais baixa do que a dos alunos matriculados nos mesmos anos de escolaridade em 2019/2020, embora as diferenças não tenham sido significativas.

Como foi referido, os alunos aumentaram a sua fluência de leitura no Outono de 2020, embora esse aumento tenha sido insuficiente para compensar as perdas na leitura decorrentes do encerramento das escolas.

No segundo e terceiro ano de escolaridade, essas perdas deixaram os alunos 7.3 e 7.7 palavras lidas por minuto, respectivamente, abaixo do número esperado (representando 26% e 33% da melhoria expectável num ano). Contudo, é importante ter presente que há razões para acreditar que estes resultados são valores subestimados da perda que os alunos efectivamente tiveram na leitura, dado que muitos não foram avaliados na Primavera de 2020.

Figura 3 
Evolução da fluência de leitura no Outono de 2019 e de 2020.

  • O impacto do encerramento das escolas não foi igual para todos os alunos. Os que frequentam escolas de baixo desempenho (do inglês, “lower achieving schools”) estão a ficar para trás, e os que não foram avaliados, correm maior risco de sofrer uma perda significativa na aprendizagem da leitura

Os investigadores sublinham duas questões importantes, embora preocupantes, acerca de como a pandemia afectou os alunos de forma desigual. Em primeiro lugar, é possível que os alunos matriculados em escolas de baixo desempenho (classificadas no percentil dez da escala de desempenho) estejam em desvantagem.

No Outono de 2020, a evolução da fluência de leitura desses alunos foi menor do que a evolução dos alunos que frequentam escolas com melhor desempenho (percentil noventa; Figura 4). Como é possível verificar na figura abaixo, a inclinação das linhas representativas das escolas de alto desempenho (linhas verdes) são mais inclinadas do que as das escolas que se encontram no percentil dez (linhas laranja).

É possível que os alunos das escolas de alto desempenho, que frequentam o primeiro, segundo e terceiro ano, leiam mais 20.4, 19.1 e 13.4 palavras por minuto, respectivamente, no Outono; por outro lado, é esperado que os alunos do primeiro ao terceiro ano, matriculados nas escolas de baixo desempenho, leiam mais 12.5, 10.5 e 8.6 palavras por minuto, respectivamente.

Em geral, a interrupção na evolução da fluência de leitura não é observada nos anos lectivos normais (não-pandémicos). Por essa razão, Domingue et al. (2021) sugerem que as diferenças observadas entre escolas surgiram, muito provavelmente, como consequência da pandemia.

Figura 4 
Comparação da evolução da fluência de leitura dos alunos que frequentam escolas de alto desempenho e dos que frequentam escolas de baixo desempenho.

Em segundo lugar, é provável que os alunos que não realizaram a avaliação da leitura no Outono de 2020 estejam, também, em desvantagem. Os investigadores estimam que cerca de 10% dos alunos inscritos no ano lectivo 2019/2020, não foram avaliados. Caso esses alunos tenham tido dificuldades em aceder à avaliação à distância (e.g., por falta de acesso à Internet ou a equipamentos electrónicos, como os computadores), podem, da mesma forma, não ter conseguido aderir ao ensino digital.

De acordo com a evidência, os alunos com menos poder económico faltaram com mais frequência ao ensino digital, ou, simplesmente, não se matricularam no ano lectivo afectado pela pandemia.

Como Domingue et al. (2021) referem, essas evidências levantam questões importantes acerca da equidade entre os alunos, no que respeita ao acesso à avaliação, bem como às oportunidades de ensino.

 

Conclusão

De um modo geral, Domingue et al. (2021) verificaram que o encerramento das escolas afectou o desenvolvimento da fluência de leitura, principalmente dos alunos que frequentaram o segundo e o terceiro ano de escolaridade, em 2020. O desempenho desses alunos na leitura ficou, aproximadamente, 30% abaixo do esperado num ano normal (não- pandémico). No entanto, e como os autores fazem notar, os resultados podem subestimar as perdas que os alunos efectivamente tiveram na aprendizagem, uma vez que muitos não foram avaliados.

Os resultados não deixam de ser preocupantes dada a importância crítica da leitura no sucesso escolar, e as consequências da pandemia na aprendizagem, caso os alunos não sejam devidamente apoiados.

Os professores desempenharam um papel fulcral: a aprendizagem dos alunos ocorreu, maioritariamente, no Outono de 2020, quando se regressou ao ensino presencial. Isto demonstra o notável esforço de todos os professores que, mesmo com as contínuas interrupções e incertezas provocadas pela pandemia, continuaram a procurar as melhores práticas de ensino.

É de salientar o papel fundamental dos decisores políticos na alocação dos recursos necessários a um apoio educativo adequado, principalmente dos alunos com maiores necessidades. Alguns desses recursos incluem o financiamento, bem como a definição de políticas e o desenvolvimento de estruturas adequadas de apoio, que permitam aos professores colocar em prática as estratégias de ensino que beneficiam a aprendizagem.


Referência Bibliográfica: Domingue, B. W., Hough, H. J., Lang, D., & Yeatman, J. (2021). Changing patterns of growth in oral reading fluency during the COVID-19 pandemic. Policy Analysis for California Education.

Educação e Covid-19, o impacto do encerramento das escolas na leitura

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AUTORES

João Lopes

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João Lopes dirige o projeto AaZ – Ler Melhor, Saber Mais. Licenciado em Psicologia pela Universidade do Porto (1981), mestre em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento (Universidade do Porto, 1991) e doutorado em Psicologia da Educação pela Universidade do Minho (1996). Professor da Escola de Psicologia da Universidade do Minho desde 1995.

Professor Associado com Agregação, da mesma Universidade (2004). Diretor do Departamento de Psicologia Aplicada (2015-2019) e do mestrado em Temas de Psicologia da Educação da UM. Diretor do programa de doutoramento em Psicologia Aplicada para os países da CPLP. Presidente do Conselho Cientifico-Pedagógico da Formação Contínua de professores (2014-2018), representante de Portugal no CERI-OCDE (2015-2017) e membro do Conselho Geral do IAVE (2013-2018).

Soraia Araújo

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Soraia Araújo é doutoranda em Psicologia Aplicada, na Escola de Psicologia da Universidade do Minho. Licenciou-se em Psicologia, em 2018, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e concluiu o Mestrado em Psicologia Aplicada, em 2020, na Universidade do Minho.

Integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho, desde 2019, quando da realização da sua dissertação de mestrado intitulada «Formação Contínua de Professores: Necessidades, Participação e Barreiras». No mesmo grupo de investigação, encontra-se a desenvolver a sua tese de doutoramento sobre as dificuldades de aprendizagem inicial da leitura. Integra, ainda, o programa AaZ – Ler Melhor, Saber Mais, onde colabora, essencialmente, na escrita de textos de apoio sobre o ensino da leitura, dirigidos a professores do 1.º ciclo do ensino básico.

Os seus interesses de investigação centram-se na área da Psicologia e da Educação. Especificamente, ensino da leitura e escrita, dificuldades de aprendizagem, perturbações do neurodesenvolvimento, métodos de ensino e formação de professores.

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