A Perspectiva Simples da Leitura (no inglês, Simple View of Reading), proposta em 1986 por Philip Gough e William Tunmer, é um dos mais destacados modelos teóricos da leitura. É um conteúdo central na área do ensino da leitura, constituindo, segundo a literatura, uma ferramenta adequada para transmitir aos professores a importância de duas capacidades fundamentais para a compreensão da leitura: a) a capacidade de descodificação, definida como o conhecimento das correspondências letras-sons (ou grafofonémicas) e b) a capacidade de compreensão da linguagem oral, que engloba a compreensão oral, a sintaxe, o vocabulário e a capacidade de estabelecer inferências. No entanto, a ciência progride. Depois da formulação da Perspectiva Simples da Leitura surgiram novos conhecimentos sobre o desenvolvimento da leitura que, alinhados com o ensino em sala de aula, podem melhorar expressivamente a aprendizagem dos alunos. Duke e Cartwright (2021) analisaram em detalhe três desses progressos:
1. As dificuldades de leitura têm diversas causas e nem todas recaem sobre a descodificação e/ou a compreensão da linguagem oral. De acordo com a Perspectiva Simples da Leitura (Gough & Tunmer, 1986), os leitores podem manifestar dificuldades a) na descodificação de palavras escritas, b) na compreensão da linguagem oral (ou compreensão auditiva) ou (c) em ambas, isto é, na descodificação e na compreensão da linguagem oral. Este modelo postula que, quando os leitores têm capacidade para descodificar correctamente as palavras escritas e compreender aquilo que ouvem, conseguem alcançar uma compreensão efectiva do texto. No entanto, não parece ser bem assim. Nos últimos anos, diversos autores debruçaram-se sobre esta questão, tendo verificado que existem leitores com capacidade de descodificação e de compreensão auditiva que manifestam dificuldades na leitura. Duke e Cartwright (2021) defendem, por esta razão, que a Perspectiva Simples da Leitura não fornece aos professores o conhecimento necessário para apoiarem os alunos que, apesar de evidenciarem capacidades de descodificação e da compreensão da linguagem oral, manifestam dificuldades na compreensão da leitura. Além disso, este modelo não identifica, segundo Duke e Cartwright (2021), factores específicos relacionados com a capacidade de descodificação e de compreensão da linguagem oral que podem estar na origem das dificuldades de leitura. Por exemplo, qual é a causa das dificuldades no reconhecimento de palavras escritas (descodificação)? Um conhecimento ortográfico limitado? Um processamento fonológico deficitário? A Perspectiva Simples da Leitura não dá resposta a estas questões.
2. A descodificação e a compreensão da linguagem oral não influenciam a leitura de forma independente, como proposto na Perspectiva Simples da Leitura. A Perspectiva Simples da Leitura considera que a descodificação e a compreensão da linguagem oral operam de forma independente, não existindo qualquer sobreposição ou influência mútua. Além disso, o modelo considera que a descodificação e a compreensão da linguagem oral ocorrem sequencialmente, conduzindo, tal como Duke e Cartwright (2021) referem, a suposições infundadas de que os leitores devem aprender primeiro a descodificar palavras escritas e somente mais tarde a compreendê-las. A investigação evidenciou, no entanto, que, ao contrário do que a Perspectiva Simples da Leitura pressupõe, a descodificação e a compreensão da linguagem oral estão relacionadas. Por outras palavras, sobrepõem-se. De acordo com Duke e Cartwright (2021), esta sobreposição tem implicações muito importantes para os professores, sugerindo a necessidade de se ter em conta as capacidades de conexão (no inglês, bridging skills), isto é, as capacidades que permitem estabelecer uma ligação entre a descodificação e a compreensão da linguagem oral. Eis alguns exemplos:
Vocabulário. O vocabulário está intimamente relacionado com o reconhecimento de palavras escritas (descodificação) e com a compreensão da linguagem oral. Conhecer o significado das palavras permite ao leitor saber, por exemplo, a pronúncia correcta das palavras de um texto.
Fluência de leitura. A fluência da leitura, ao contrário do vocabulário (que, erradamente, costuma ser associado apenas à compreensão da linguagem oral), é muitas vezes associada apenas à descodificação ou reconhecimento de palavras. A fluência de leitura está, na verdade, relacionada quer com a descodificação, quer com a compreensão da linguagem oral, uma vez que envolve não só a capacidade de reconhecer palavras mas também o conhecimento semântico, sintáctico e de características do texto, como os sinais de pontuação.
Consciência morfológica. De acordo com a literatura, a consciência morfológica influencia directamente a proficiência na leitura. Tal como o vocabulário e a fluência de leitura, está intimamente relacionada com a descodificação e a compreensão da linguagem oral. A consciência morfológica permite ao leitor reconhecer, por exemplo, que as palavras «magia» e «mágico» estão semanticamente relacionadas, apesar de diferirem na pronúncia.
É fundamental que os professores tenham acesso a um modelo teórico que inclua o vocabulário, a fluência de leitura e a consciência morfológica. Além disso, é fundamental que fique claro que o conhecimento do significado das palavras (vocabulário), a capacidade de ler com velocidade, precisão e expressividade (fluência de leitura) e a capacidade de reflectir e manipular a estrutura morfológica das palavras (consciência morfológica) influenciam quer o reconhecimento de palavras escritas, quer a compreensão da linguagem oral.
3. Há factores que desempenham um papel fundamental na leitura, como os processos activos e auto-reguladores, que não são considerados pela Perspectiva Simples da Leitura. A investigação tem demonstrado cada vez mais que os leitores proficientes são bastante activos e estratégicos, sendo também capazes de recorrer a competências executivas para gerir de forma adequada o processo de leitura. De acordo com a literatura, os leitores, além de adquirirem os conhecimentos e competências necessárias para descodificar correctamente palavras escritas e compreender aquilo que ouvem, têm necessariamente de a) adquirir a capacidade de auto-regulação (genericamente definida como a capacidade de controlar e gerir pensamentos, comportamentos e emoções), b) coordenar, de forma activa, os elementos do texto necessários para uma leitura bem-sucedida, c) aplicar estratégias para assegurar que o processo de leitura decorre devidamente, d) manter a motivação para a leitura e, não menos importante, e) envolver-se activamente com o texto. A Perspectiva Simples da Leitura não considera nenhum deles. Duke e Cartwright (2021) defendem, por esta razão, que um modelo de leitura, para ser consistente com as descobertas mais recentes da ciência da leitura, deve incluir de forma explícita a auto-regulação, bem como competências e estratégias passíveis de a desenvolver, tais como:
Competências executivas. As competências executivas são, por definição, processos neurocognitivos auto-reguladores de ordem superior, activados para a realização de tarefas complexas e orientados para a realização de objectivos. Incluem aspectos como a flexibilidade cognitiva, a memória de trabalho, o controlo inibitório, a atenção e o planeamento. De acordo com a literatura, as competências executivas estão directamente relacionadas com a leitura, que consiste numa actividade complexa que requer a) a capacidade de dirigir a atenção para aspectos particulares do texto (atenção), b) o desenvolvimento e a manutenção de um modelo de significado enquanto as palavras do texto são descodificadas (memória de trabalho), c) a eliminação de informação pouco relevante (controlo inibitório), d) mudar, continuamente, os processos-chave envolvidos na leitura (flexibilidade cognitiva), bem como e) planear e gerir a tarefa de leitura (planeamento). Além destas competências, denominadas «competências executivas gerais», as competências executivas específicas, como a flexibilidade cognitiva grafofonológica, assumem um papel fundamental na leitura. A flexibilidade cognitiva grafofonológica consiste muito simplesmente na capacidade de o leitor atender e, simultaneamente, alternar entre as letras-sons das palavras (grafofonológica) e o respectivo significado (semântica). Esta capacidade transcende assim a compreensão da linguagem oral e a descodificação.
Motivação e envolvimento. A motivação e o envolvimento com a leitura reflectem também uma leitura activa e auto-regulada. Além disso, influenciam significativamente o processo de leitura. Alguns estudos referem que quer a motivação, quer o envolvimento, têm mais influência na leitura do que a capacidade de descodificação e de compreensão da linguagem oral.
Estratégias de leitura. De acordo com a literatura, as estratégias de leitura, tal como as competências executivas, a motivação e o envolvimento, constituem um aspecto importante da auto-regulação da leitura. Estas estratégias consistem muito simplesmente em tentativas deliberadas de a) controlar os esforços necessários para descodificar, correctamente, o texto escrito, b) compreender as palavras que o compõem e c) extrair e construir significado por meio da interacção e envolvimento com o texto. Segundo Duke e Cartwright (2021), a investigação tem demonstrado que o ensino de estratégias de compreensão melhora significativamente a leitura dos alunos, mesmo dos que manifestam dificuldades. É por isso fundamental que os professores tenham acesso a um modelo teórico que as incluam.
Perspectiva Activa da Leitura
Com base nos progressos da Ciência da Leitura, Duke e Cartwright (2021) desenvolveram um modelo teórico, denominado Perspectiva Activa da Leitura (no inglês, Active View of Reading Model; Figura 1). Este modelo caracteriza-se essencialmente por:
- Enumerar, de forma explícita, os factores que influenciam significativamente a leitura. A Perspectiva Activa da Leitura integra factores que, além da descodificação e da compreensão da linguagem oral, exercem uma influência significativa na leitura. De acordo com Duke e Cartwright (2021), esta é seguramente uma das características que mais distingue este modelo da Perspectiva Simples da Leitura. Além disso, a Perspectiva Activa considera que as dificuldades de leitura não são explicadas apenas pela baixa capacidade de descodificação e/ou de compreensão da linguagem oral.
- Representar a descodificação e a compreensão da linguagem oral como duas competências sobrepostas, identificando, ainda, os factores que as relacionam (capacidades de conexão).
- Incluir e considerar a auto-regulação como um processo que influencia o reconhecimento de palavras escritas, as capacidades (ou processos) de conexão e a compreensão da linguagem.

Em suma
Duke e Cartwright (2021) desenharam um modelo teórico de desenvolvimento da leitura denominado Perspectiva Activa da Leitura. Este modelo é considerado a extensão da Perspectiva Simples da Leitura, proposta em 1986 por Philip Gough e William Tunmer. Os professores poderão recorrer à Perspectiva Activa para aperfeiçoar o ensino da leitura e consequentemente aumentar a capacidade de leitura dos alunos.
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