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Introdução

O vocabulário desempenha, desde os primeiros anos de vida, um papel determinante no desenvolvimento infantil, sendo um dos primeiros domínios a merecer a atenção de pais, educadores e professores. Contudo, é comum que o enfoque recaia sobre palavras associadas a categorias como «animais», «cores», «objectos», «frutas» e «meios de transporte». Embora este universo seja fundamental para o desenvolvimento da linguagem, existe uma categoria frequentemente relegada para segundo plano: o vocabulário matemático, isto é, o domínio de termos adequados para descrever conceitos, operações e processos matemáticos (Swan, 2018). Termos relacionados com quantidades, como «muito», «pouco», «mais» e «menos», e operações matemáticas, como «somar», «subtrair», «dividir» e «multiplicar», geralmente não recebem atenção antes da entrada na escola primária. De igual modo, termos que descrevem medidas, como «quilograma», «mililitro» e «centímetro», e formas geométricas, como «quadrado», «círculo» e «triângulo», tendem a ser introduzidas tardiamente.

De acordo com a literatura, o vocabulário constitui um precursor fundamental na aquisição de capacidades matemáticas (e. g., Bezuidenhout, 2022; Lin et al., 2021; Méndez et al., 2019; Novita et al., 2024). Por exemplo, Hassinger-Das e colaboradores (2015) verificaram que as crianças do jardim-de-infância que receberam instrução em vocabulário matemático mostraram uma melhoria significativa não só no conhecimento de termos matemáticos, mas também nas capacidades iniciais de numeracia, em comparação com as crianças que não receberam instrução.

Não obstante, é legítimo questionar: deve ensinar-se vocabulário matemático antes de as crianças iniciarem a aprendizagem formal da matemática? Sim. Porquê? A resposta a esta questão é simples. O vocabulário desempenha um papel facilitador na aprendizagem da matemática, ao apoiar as crianças na compreensão e expressão de conceitos matemáticos. Imagine uma criança a comparar o tamanho de dois blocos. Se conhecer o significado de palavras como «maior», «menor» ou «igual», será à partida capaz de perceber a diferença entre eles e expressar o que observa, afirmando, por exemplo: «Este bloco é maior do que aquele.» Além disso, é fundamental ter em atenção o seguinte: a aprendizagem da matemática não tem início no conhecimento dos números. Segundo a literatura, o ponto de partida reside no domínio precoce de conceitos matemáticos, como, por exemplo, «quantidade», «tamanho» e «comparações» (Carey & Jacobson, 2020).

Estudo de Chi-San Ho e colaboradores (2025)

Embora a investigação tenha analisado extensivamente a relação entre vocabulário e matemática, a maioria desses estudos centrou-se no vocabulário geral receptivo ou expressivo. No entanto, apesar de a importância do vocabulário matemático ser amplamente reconhecida, Chi-San Ho e colaboradores (2025) afirmam que poucos estudos exploraram o impacto específico do vocabulário matemático na relação entre o conhecimento vocabular geral e as capacidades matemáticas. Neste sentido, os investigadores procuraram responder à seguinte questão: em que medida o vocabulário matemático medeia a relação entre o conhecimento vocabular geral e a capacidades iniciais de numeracia em crianças do jardim-de-infância?

O estudo envolveu a participação de 180 crianças (média de idades = 4,7 anos) de 19 jardins-de-infância localizados em Hong Kong, na China. O rendimento mensal das famílias das crianças situava-se entre 40 001 e 50 000 HK$ (dólares de Hong Kong, moeda oficial do território, o que corresponde a um intervalo entre 4934,12 € e 6170,60 €. Este valor é ligeiramente superior ao rendimento mediano dos agregados familiares economicamente activos em Hong Kong (35 900 HK$ ≈ 4397,75 €), assim como ao rendimento mediano de todos os agregados familiares da região (28 000 HK$ ≈ 3449,60 €) (Census and Statistics Department, 2023).

As crianças foram avaliadas no conhecimento geral de vocabulário, vocabulário matemático e capacidades matemáticas (i. e., numeracia) (ver Tabela 1). A avaliação foi realizada individualmente, online, via Zoom, por estudantes universitários ou colaboradores de investigação. Cada avaliação teve uma duração de 25 a 45 minutos.

Tabela 1. Avaliação do conhecimento de vocabulário geral, vocabulário matemático e capacidades matemáticas

Resultados e ideias a reter

Tal como esperado, os resultados mostraram que tanto o conhecimento geral de vocabulário quanto o vocabulário matemático estão significativamente relacionados com as capacidades iniciais de matemática. Isto significa que as crianças com vocabulário mais amplo tendem a alcançar um desempenho melhor em matemática do que as crianças com um vocabulário mais limitado. De acordo com a literatura, o conhecimento do significado das palavras apoia as crianças na compreensão de conceitos e operações matemáticas, facilitando a resolução de problemas e, não menos importante, a interpretação das instruções de professores e educadoras.

Os resultados mostraram também que o vocabulário matemático medeia a relação entre o conhecimento geral de vocabulário e as capacidades iniciais de matemática. Segundo os investigadores, este resultado reforça a importância do domínio de termos que descrevam conceitos, operações e processos matemáticos no desenvolvimento da numeracia na primeira infância.

Com base nestes resultados, Chi-San Ho e colaboradores (2025) sublinham a relevância de integrar o ensino do vocabulário matemático nas actividades escolares desde o jardim-de-infância. Isso implica criar um ambiente rico em vocabulário e ensinar explicitamente termos matemáticos. As educadoras podem, por exemplo, incentivar as crianças a medir distâncias, comparar alturas ou descrever as posições espaciais de objectos, utilizando termos como «acima», «abaixo», «ao lado» e «mais longe». Estas práticas não só tornam o vocabulário matemático uma parte natural das experiências das crianças, como também demonstram a sua relevância nas actividades do dia-a-dia. Contudo, as implicações deste estudo não se limitam à escola: estendem-se também aos pais. As interacções entre pais e filhos, especialmente durante actividades como a contagem, devem incluir expressões e conceitos matemáticos essenciais, como «mais», «igual», «somar» e «subtrair». Ao adoptar essa abordagem, os pais apoiam as crianças a desenvolver uma compreensão mais profunda das operações matemáticas desde as primeiras fases de aprendizagem.

Este texto é um resumo do artigo «Relation between general vocabulary knowledge and early numeracy competence: The mediating role of mathematical language», disponível aqui.

Referências bibliográficas

Bezuidenhout, H. S., & Henning, E. (2022). The intersect of early numeracy, vocabulary, executive functions and logical reasoning in Grade R. Pythagoras, 43(1), 1-8. https://doi.org/10.4102/pythagoras.v43i1.646

Carey, L. B., & Jacobson, L. A. (2020, January 23). How do language skills impact math learning? Kennedy Krieger Institute. https://www.kennedykrieger.org/stories/linking-research-classrooms-blog/how-do-language-skills-impact-math-learning

Chi-San Ho, J., Cheung, S. K., McBride, C., Purpura, D. J., Ng, M. C. Y., & Ho, A. P.  L. (2025). Relation between general vocabulary knowledge and early numeracy competence: The mediating role of mathematical language. Journal of Experimental Child Psychology252, 1-13.

https://doi.org/10.1016/j.jecp.2024.106145

Lin, X., Peng, P., & Zeng, J. (2021). Understanding the relation between mathematics vocabulary and mathematics performance: A meta-analysis. The Elementary School Journal, 121(3), 504-540. https://doi.org/10.1086/712504

Méndez, L. I., Hammer, C. S., Lopez, L. M., & Blair, C. (2019). Examining language and early numeracy skills in young Latino dual language learners. Early Childhood Research Quarterly, 46, 252-261. https://doi.org/10.1016/j.ecresq.2018.02.004

Novita, S., Anindhita, V., Wijayanti, P. A. K., Santoso, L. A. B., La Batavee, H., Tampubolon, A. F. J., & Syafitri, A. N. (2024). Relationship between numeracy and vocabulary skills in Indonesian preschool children and the impacts of learning environments. International Journal of Early Childhood, 56(2), 297-314. https://doi.org/10.1007/s13158-023-00356-z

Swan, P. (2018). The impact of vocabulary on numeracy. Australian Primary Mathematics Classroom, 23, 33-39.

AUTORES

Célia Oliveira

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Célia Oliveira é doutorada em Psicologia Experimental e Ciências Cognitivas pela Universidade do Minho, com uma tese sobre o papel de processos atencionais na capacidade de memória operatória. Pela mesma universidade, licenciou-se em Psicologia com pré-especialização em Psicologia Escolar e da Educação, e completou um mestrado em Psicologia Clínica.

Atualmente, é docente na Universidade Lusófona do Porto, onde é responsável por unidades curriculares no domínio da Cognição (Psicologia da Memória e Psicologia da Atenção) e da Psicologia da Educação (Psicologia da Educação e Psicologia Escolar). É membro do HEI-Lab - Digital Human-Environment Interaction Lab, da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, e integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho. Os seus interesses e atividade de investigação contemplam os domínios da aprendizagem, atenção e memória humana.

Detém experiência continuada de prática clínica com crianças e adolescentes, e tem exercido atividades de consultoria científica em projetos de investigação, bem como consultoria técnica em contextos de atuação comunitária.

Soraia Araújo

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Soraia Araújo é doutoranda em Psicologia Aplicada, na Escola de Psicologia da Universidade do Minho. Licenciou-se em Psicologia, em 2018, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e concluiu o Mestrado em Psicologia Aplicada, em 2020, na Universidade do Minho.

Integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho, desde 2019, quando da realização da sua dissertação de mestrado intitulada «Formação Contínua de Professores: Necessidades, Participação e Barreiras». No mesmo grupo de investigação, encontra-se a desenvolver a sua tese de doutoramento sobre as dificuldades de aprendizagem inicial da leitura. Integra, ainda, o programa AaZ – Ler Melhor, Saber Mais, onde colabora, essencialmente, na escrita de textos de apoio sobre o ensino da leitura, dirigidos a professores do 1.º ciclo do ensino básico.

Os seus interesses de investigação centram-se na área da Psicologia e da Educação. Especificamente, ensino da leitura e escrita, dificuldades de aprendizagem, perturbações do neurodesenvolvimento, métodos de ensino e formação de professores.

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