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Se há um facto impressionante nos dados educativos dos últimos 50 anos é a forma acelerada como a escolarização se massificou. Ultrapassado o desafio do acesso, é necessário discutir a qualidade da educação.

No início dos anos 2000, cerca de 30% das crianças nos países mais pobres não estavam inscritas no 1.º ciclo do ensino básico. Contudo, mesmo nestes contextos mais desfavorecidos, a taxa de escolarização aos 10 anos aproximou-se rapidamente dos 100% em anos mais recentes. Estima-se que, nestes contextos mais desfavorecidos, a escolaridade média tenha aumentado de dois para sete anos entre 1950 e 2010. Esta é uma das grandes vitórias das políticas públicas de educação: a larga maioria das crianças vai à escola.

Ultrapassado o desafio do acesso, é necessário discutir a qualidade da educação que está a ser oferecida a estas crianças e jovens. E aqui encontramos muitos mais desafios. Nos países mais pobres, estima-se que 53% dos alunos de 10 anos não consigam ler e compreender um texto de baixa dificuldade – um valor que pode atingir os 87% na África subsariana. Um recente estudo publicado na revista Nature reuniu dados de vários testes padronizados e comparáveis realizados desde 1960 em diferentes geografias e concluiu que os resultados dos alunos à saída do 1.º ciclo estão estagnados desde o início dos anos 2000. Ou seja, em média, as crianças de 10 anos não aprendem hoje mais do que aprendiam há 20 anos e isto acontece um pouco por todo o mundo.

Uma análise semelhante compilou dados de testes internacionais como o PISA e o TIMSS para concluir que dois terços dos jovens a nível mundial não atingem os padrões mínimos de proficiência estabelecidos pela OCDE. Estes níveis definem patamares de leitura e compreensão de informação básica assim como outras competências essenciais para o dia a dia, sem as quais é difícil alcançar conhecimentos mais complexos. Na Europa e na América do Norte, estima-se que um em cada quatro alunos não atinja este nível mínimo de conhecimento. E estes dados não refletem ainda os efeitos pós-pandemia. Nos Estados Unidos, o teste NAEP — que mede desde os anos 70 a literacia e a numeracia dos alunos aos 13 anos — voltou a mostrar uma queda nos resultados médios em 2023, após uma descida já registada em 2022, no período pós-pandemia. Observou-se um padrão semelhante na Europa, com a acentuada queda dos resultados no PISA 2022.

Por isso mesmo é cada vez mais relevante não apenas medir a escolaridade dos alunos medida em anos, mas ponderar para a qualidade da aprendizagem durante esse período. Esta dimensão de qualidade é absolutamente essencial, pois os dados mostram que o que mais se correlaciona com o crescimento económico dos países e com os futuros salários não é apenas o número de anos que estes passam na escola, mas sim a qualidade da aprendizagem.

Perante estes dados, é necessário agir para que o tempo na escola seja um período efetivo de consolidação de conhecimento. É por isso inevitável perguntar: que caminho devemos seguir para melhorar a qualidade das aprendizagens?

Poderíamos apontar múltiplos fatores, mas destacamos três eixos essenciais das políticas públicas:

  1. Um ensino da leitura baseado na melhor evidência científica sobre como devem as crianças aprender a descodificar palavras e desenvolver a fluência. Só assim será possível, mais tarde, interpretar textos mais complexos e compreender conceitos de maior dificuldade.
  2. A qualidade dos professores e o rigor do seu conhecimento científico. Este é um tema essencial, sobretudo quando, em Portugal e em grande parte da Europa, a escassez de professores levanta questões sobre a capacidade e os critérios de recrutamento de novos docentes.
  3. A importância da aprendizagem complementar fora da sala de aula. Para recuperar eficazmente os alunos que ficam para trás, é fundamental criar momentos de aprendizagem adicionais que respondam às necessidades específicas de cada estudante.

Por todo o mundo travou-se nas últimas décadas um importante combate pelo acesso à escola. É agora essencial garantir que o tempo passado dentro da sala se traduz em aprendizagens efetivas para os alunos. Não é esse o propósito da escola? 

AUTOR

Pedro Freitas é doutorando em Economia na Nova School of Business and Economics (Nova SBE), instituição onde é membro do Nova Center for the Economics of Education e onde obteve a sua licenciatura e MPhil em Economia. A sua investigação foca-se em tópicos de Economia da Educação e Capital Humano, tais como: medidas de valor acrescentado de professores, diferenciais entre notas internas e externas, externalidades de capital humano no mercado de trabalho ou as razões por detrás da progressão nos testes PISA. O seu trabalho usa bases de microdados compreensivas tanto do mercado de trabalho como do sistema de ensino português. Esteve igualmente envolvido na avaliação de impacto de diferentes projetos educacionais desenvolvidos em Portugal. Foi aluno visitante no departamento de economia da University College of London (UCL) e no departamento de estudos do Banco de Portugal. É assistente convidado na Nova SBE de diversas cadeiras de licenciatura e mestrado. 

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