Os resultados dos alunos em estudos internacionais permitem compreender o efeito das práticas e políticas educativas dos países fornecendo uma base para promover a sua discussão. Neste artigo, os autores apresentam os resultados dos alunos do 4.º ano de escolaridade a Matemática e a Ciências no TIMSS e o seu enquadramento na política educativa em vigor.
O estudo TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study) é um estudo internacional, conduzido pela IEA (International Association for the Evaluation of Educational Achievement), que avalia a literacia dos alunos em Matemática e em Ciências. A avaliação da literacia dos alunos nestes dois domínios é feita a partir de um quadro conceptual de referência desenvolvido conjuntamente pela IEA e pelos países participantes. Esta avaliação é feita tendo por referência o currículo de Matemática e Ciências orientado para os conhecimentos e capacidades (conhecer, aplicar, raciocinar), que os alunos de todo o mundo devem demonstrar no 4.º ano de escolaridade. O TIMSS foi aplicado pela primeira vez em 1995, e em 2019 decorreu a sétima edição deste estudo, que se realiza de 4 em 4 anos.
No TIMSS 2019, para alunos do 4.º ano de escolaridade, participaram 58 países e regiões/sistemas educativos, mais 6 regiões em benchmarking. Tanto a Matemática como a Ciências os países do sudeste asiático e a Federação Russa mantêm a liderança a Matemática e a Ciências. A Matemática, estes países são seguidos pela Irlanda do Norte, Inglaterra e Irlanda, enquanto a Ciências são seguidos pela Finlândia, Letónia e Noruega. Os últimos lugares da lista ordenada dos resultados do TIMSS são o Paquistão e Filipinas, chegando mesmo a apresentar resultados inferiores a 300 pontos. Portugal está ao nível da Dinamarca e Hungria no domínio da Matemática e abaixo da Itália e Espanha em Ciências, apresentando valores superiores ao ponto central da escala TIMSS (500 pontos).
Figura 1: Pontuações em Matemática e Ciências dos participantes no TIMSS 2019 – 4.º ano
Portugal no TIMSS 2019 – 4.º ano
Portugal participou no TIMSS do 4.º ano[1] nas edições de 1995, 2011, 2015 e 2019. A figura seguinte mostra os resultados do desempenho dos alunos portugueses em Matemática e a Ciências ao longo do tempo.
Figura 2: Evolução das pontuações dos alunos a Matemática e Ciências em Portugal
Em 2019, Portugal ocupa a 20.ª posição em Matemática entre os participantes, com uma média de 525 pontos. Já em Ciências, Portugal ocupa a 33.ª posição entre os países participantes, com uma média de 504 pontos. Em ambos os domínios, os resultados dos alunos portugueses pioraram. Portugal registou uma descida estatisticamente significativa de 16 pontos relativamente aos resultados de Matemática de 2015 e registou uma descida, estatisticamente não significativa, de 4 pontos em Ciências comparativamente com a edição de 2015.
Continua a verificar-se a tendência de os rapazes apresentarem melhor desempenho em Matemática e em Ciências. Em 2019, a Matemática, os rapazes apresentaram uma média de 533 pontos e as raparigas de 516 pontos. Em Ciências, a média do desempenho dos rapazes foi de 506 pontos e a das raparigas foi de 501 pontos. Esta tendência favorável aos rapazes já tinha sido observada em outras edições do TIMSS, tanto em Matemática como em Ciências. Contudo, em Matemática, a diferença tem vindo a acentuar-se cada vez mais.
Com vista a caracterizar os desempenhos dos alunos, o TIMSS descreve níveis de proficiência hierarquizados, permitindo a classificação do desempenho dos alunos em graus crescentes de conhecimentos e competências nos domínios de Matemática e Ciências. A escala TIMSS é dividida em 4 níveis: baixo – nível 1 (de 400 a 475 pontos); intermédio – nível 2 (de 475 a 550 pontos); elevado – nível 3 (de 550 a 624 pontos); e avançado – nível 4 (625 pontos ou mais). Existe ainda um nível adicional, abaixo do nível 1, para os alunos com pontuações inferiores a 400 pontos.
Figura 3: Distribuição dos níveis de proficiência a Matemática e Ciências em Portugal
Em Portugal, aproximadamente um em cada dez alunos (9%) conseguiu alcançar o nível avançado a Matemática (aplicar os conhecimentos e a compreensão em diversas situações relativamente complexas e explicar o raciocínio). Já em Ciências, a percentagem de alunos que atingiram o nível mais elevado é de 2%. A percentagem de alunos que não superou sequer o nível baixo em Matemática e Ciências foi de 5% e 7%, respetivamente.
Comparativamente com 2015, verificou-se uma redução na percentagem de alunos portugueses que atingiram os níveis de proficiência Intermédio, Elevado e Avançado a Matemática. A Ciências houve uma redução na percentagem de alunos no nível Intermédio.
A análise comparativa dos níveis de proficiência a Matemática indica ainda que o fosso entre os bons alunos (nível 4) e os alunos fracos (nível 1) se agravou. Entre 2015 e 2019 a percentagem de bons alunos observou uma redução de três pontos percentuais, mas a percentagem de alunos fracos (nível 1 ou inferior) teve um acréscimo de 8 pontos percentuais.
Para além dos resultados globais em Matemática e Ciências o TIMSS fornece também os resultados do desempenho dos alunos participantes por áreas de conteúdo de Matemática e Ciências. Os resultados para Portugal por áreas de conteúdo nas 3 últimas edições do TIMSS 4.º ano são apresentadas nas figuras abaixo.
Figura 4: Pontuação média de Matemática no TIMSS 2019 por áreas de conteúdo em Portugal
Figura 5: Pontuação média de Ciências no TIMSS 2019 por áreas de conteúdo em Portugal
Em 2019, os resultados dos alunos pioraram comparativamente com 2015 e 2011, em quase todas áreas de conteúdo de Matemática e de Ciências. Na Matemática, é particularmente relevante a redução dos resultados na Medida e Geometria e na Dados. Nos Números, os resultados de 2019 caíram para os níveis de 2011.
Percurso escolar dos alunos portugueses do TIMSS 2019
A maioria dos alunos que participaram no TIMSS 2019 – 4.º ano iniciaram o 1.º ciclo do ensino básico no ano letivo 2015/2016. Estes alunos foram expostos à universalidade do pré-escolar aos 5 anos de idade, apresentando uma taxa elevada de pré-escolarização (de 78% aos 3 anos a 97% aos 5 anos). Foram também abrangidos pelo programa de escola a tempo inteiro, desde os três anos de idade, e foram expostos a atividades de enriquecimento curricular, metas curriculares a Matemática e manuais certificados durante o 1.º ciclo. Ao longo do percurso escolar destes alunos, foram introduzidas a prova de aferição de Matemática e de Estudo do Meio no 2º ano de escolaridade e o programa nacional de promoção do sucesso escolar. Os alunos que participaram na edição de 2019 do TIMSS não foram ainda abrangidos pelos novos currículos da autonomia e flexibilidade curricular e aprendizagens (que entrou em vigor no 1.º ano no ano letivo de 2018/2019).
Muitas das políticas educativas em termos de percurso escolar dos alunos que realizaram o TIMSS 2015 e dos que realizaram o TIMSS 2019 mantiveram-se. As grandes diferenças em termos de percurso escolar dos alunos que participaram no TIMSS 2019 foram em termos de: 1) abolição dos exames nacionais de Matemática (e Português) no 4.º ano de escolaridade (em 2015/2016), 2) reforço das horas letivas desta disciplina e 3) frequência obrigatória do apoio ao estudo.
Figura 6: Percurso escolar dos alunos do 4.º ano (TIMSS 2019)
No espaço temporal que decorreu entre as duas edições do TIMSS de 2015 e 2019, verificou-se um aumento da taxa de frequência da pré-escola dos alunos, em 2019. Um outro dado relevante e que, segundo os estudos internacionais, é positivamente correlacionado com os resultados dos alunos é a escolaridade da mãe. Segundo dados da Pordata,[2] o número de anos de escolaridade das mães no ano de nascimento dos alunos que participaram no TIMSS 2019 é 11,2, revelando um aumento de dois anos de escolaridade, desde o TIMSS 2011 (em 2015, este indicador situava-se nos 10,4 anos).
Diversos estudos internacionais (e.g. Marôco, 2018, OCDE, 2019a, 2019b, 2020) mostram que o desempenho dos alunos pode ser influenciado pelo contexto à entrada na escola, o contexto familiar, o contexto escolar bem como pelas políticas educativas de cada país.
Dado que os indicadores relacionados com a entrada na escola (aumento da taxa de pré-escolarização) e familiar (aumento do número de anos de escolaridade das mães) seriam benéficos para o desempenho dos alunos portugueses, poder-se-á concluir que possíveis explicações para a variação do desempenho dos alunos em Matemática e Ciências no estudo TIMSS 2019 relativamente ao TIMSS 2015 estarão relacionadas com o contexto de escola e/ou com a implementação, nos últimos anos, de novas políticas educativas em Portugal. Por exemplo, a abolição dos exames nacionais no final do primeiro ciclo, bem como alterações nas medidas educativas de reforço de horas a Matemática e obrigatoriedade de frequência de apoio ao estudo, são, provavelmente, algumas das causas da evolução observada dos resultados dos alunos do 4.º ano a Matemática e a Ciências.
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