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Fundamentação Teórica

Embora a maioria das crianças inicie a escolaridade obrigatória com capacidade para exprimir os pensamentos por meio da linguagem oral, não consegue fazê-lo através da escrita. A razão para isto acontecer é bastante simples.

Escrever requer, pelo menos, três capacidades aprendidas, em grande parte, na escola, no início do ensino básico: a) escrever à mão (caligrafia); b) escrever correctamente as palavras de uma língua (ortografia); e c) planear um texto. Estas capacidades podem ser integradas em duas capacidades mais amplas: a) a capacidade de transcrição, que engloba a caligrafia e a ortografia; e b) a capacidade de ideação, que inclui o desenvolvimento e organização de conteúdos relevantes, para a escrita de texto.

Escrever é, de acordo com a literatura, uma tarefa cognitivamente desafiante.

O foco simultâneo na transcrição e ideação exige muita atenção, principalmente quando estas capacidades não estão totalmente desenvolvidas. No início do ensino básico, a transcrição está longe de estar automatizada e, portanto, desvia a atenção das crianças, da ideação. Além disso, as crianças não têm, nesta fase, estratégias auto-regulatórias, necessárias para dividir a atenção entre ambas.

Isto não acarreta apenas consequências negativas para a qualidade do texto, mas, também, para a própria capacidade de aprendizagem. Por essa razão, é importante que as crianças desenvolvam estratégias de auto-regulação, a fim de distribuírem a atenção, de forma equilibrada, pelas diferentes tarefas envolvidas na escrita.

 

Estudo de Torrance e colaboradores: Enquadramento, propósito e participantes

Apesar de as capacidades necessárias à aprendizagem da escrita serem, na generalidade dos sistemas de ensino, ensinadas, formalmente, somente no ensino primário, as crianças começam, desde relativamente cedo, a desenvolver algumas capacidades de alfabetização, como o conhecimento das letras e a consciência fonológica.

De acordo com a literatura, essas capacidades podem influenciar, significativamente, a velocidade de aprendizagem da escrita. Torrance et al. (2021), procuraram, nesse sentido, analisar a relação entre as capacidades iniciais de alfabetização - especificamente, a ortografia, transcrição, conhecimento das letras, consciência fonológica, precisão da caligrafia e leitura de palavras - e a velocidade de aprendizagem da escrita.

Durante esse período, os alunos foram ensinados a escrever à mão, a escrever de acordo com as regras ortográficas da língua materna, e a planear texto.

Para tentar responder a esta questão, os investigadores seleccionaram 179 alunos, de oito turmas do primeiro ano de escolaridade, de três escolas primárias, localizadas no município de Leão, em Espanha. No início do ano lectivo, os alunos foram avaliados em ortografia, fluência de transcrição (cópia correcta de letras e frases), precisão da caligrafia, conhecimento de letras, consciência fonológica, leitura de palavras isoladas, raciocínio não-verbal e escrita de texto. Treze semanas depois, os alunos realizaram, semanalmente, tarefas de composição narrativa, acerca de um episódio que vivenciaram (como por exemplo, como celebraram o último aniversário).

Resultados

  1. Nas primeiras treze semanas, o desempenho dos alunos na escrita de texto correlacionou-se positivamente com a leitura de palavras isoladas, raciocínio não-verbal, ortografia, precisão da caligrafia e, principalmente, com a transcrição. Este resultado é interessante, uma vez que estas capacidades são, na grande maioria dos sistemas educativos, somente ensinadas na escola primária. Além disso, os resultados mostraram que a idade, consciência fonológica e conhecimento de letras, não exercem um efeito directo significativo sobre o desempenho na escrita.
  2. O desempenho dos alunos que iniciaram o primeiro ano com boas capacidades ao nível da ortografia, melhorou, rapidamente, nas primeiras três semanas e meia, tendo demonstrado, após esse período, uma melhoria mais lenta (mas, ainda, estatisticamente significativa). Porém, o mesmo não se verificou no caso dos alunos que iniciaram o ensino básico, com baixas capacidades ortográficas. Esses alunos apresentaram um padrão de evolução diferente: durante as primeiras semanas, o desempenho na escrita foi baixo, tendo, aumentado, de forma constante, após esse período.

 

Conclusões

De acordo com Torrance et al. (2021), a rápida evolução nas primeiras semanas pode ter resultado de, pelo menos, dois factores: a) da instrução, que pode ter aumentado a motivação dos alunos para a aprendizagem da escrita; e b) da realização semanal da tarefa de escrita, através da qual os alunos aprenderam a direccionar e manter a atenção numa única tarefa.

A evolução mais lenta, registada posteriormente, pode ter resultado da diminuição da motivação dos alunos: escrever, semanalmente, um texto sobre um acontecimento relacionado com a própria vida, pode ter começado a ser desmotivador.

Relativamente aos alunos que, inicialmente, tiveram um desempenho inferior ao dos colegas, mas que, posteriormente, evoluíram de forma constante, Torrance et al. (2021) sugerem que, embora a maioria tenha iniciado a escolaridade obrigatória com uma capacidade ortográfica razoável para escrever um texto simples, alguns não tinham, ainda, essa capacidade, tendo-a adquirido e desenvolvido, gradualmente, ao longo das treze semanas do estudo. Os resultados demonstram, por isso, a importância do ensino da escrita, desde o início do 1º ciclo do ensino básico.


Referência Bibliográfica: Torrance, M., Arrimada, M., & Gardner, S. (2021). Child-level factors affecting rate of learning to write in first grade. British Journal of Educational Psychology, 91(2), 714-734.

Que factores influenciam a velocidade de aprendizagem da escrita?

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AUTORES

João Lopes

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João Lopes dirige o projeto AaZ – Ler Melhor, Saber Mais. Licenciado em Psicologia pela Universidade do Porto (1981), mestre em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento (Universidade do Porto, 1991) e doutorado em Psicologia da Educação pela Universidade do Minho (1996). Professor da Escola de Psicologia da Universidade do Minho desde 1995.

Professor Associado com Agregação, da mesma Universidade (2004). Diretor do Departamento de Psicologia Aplicada (2015-2019) e do mestrado em Temas de Psicologia da Educação da UM. Diretor do programa de doutoramento em Psicologia Aplicada para os países da CPLP. Presidente do Conselho Cientifico-Pedagógico da Formação Contínua de professores (2014-2018), representante de Portugal no CERI-OCDE (2015-2017) e membro do Conselho Geral do IAVE (2013-2018).

Soraia Araújo

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Soraia Araújo é doutoranda em Psicologia Aplicada, na Escola de Psicologia da Universidade do Minho. Licenciou-se em Psicologia, em 2018, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e concluiu o Mestrado em Psicologia Aplicada, em 2020, na Universidade do Minho.

Integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho, desde 2019, quando da realização da sua dissertação de mestrado intitulada «Formação Contínua de Professores: Necessidades, Participação e Barreiras». No mesmo grupo de investigação, encontra-se a desenvolver a sua tese de doutoramento sobre as dificuldades de aprendizagem inicial da leitura. Integra, ainda, o programa AaZ – Ler Melhor, Saber Mais, onde colabora, essencialmente, na escrita de textos de apoio sobre o ensino da leitura, dirigidos a professores do 1.º ciclo do ensino básico.

Os seus interesses de investigação centram-se na área da Psicologia e da Educação. Especificamente, ensino da leitura e escrita, dificuldades de aprendizagem, perturbações do neurodesenvolvimento, métodos de ensino e formação de professores.

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