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Fazer perguntas aos estudantes durante a aula, sem aviso prévio e incentivando-os a responderem à vez é uma arte que os bons professores usam para ajudar os estudantes a assimilar as matérias.

A principal conclusão do artigo e da última publicação que fiz no blogue The Learning Scientists é que intercalar algumas perguntas com a parte expositiva da aula, e incentivar os estudantes a recordar mentalmente a resposta – uma prática dita de «recuperação coberta», pois é feita apenas mentalmente, isto é, o estudante não expressa a resposta – irá reforçar a aprendizagem promovida nas aulas. Mesmo que não haja tempo para escrever as respostas (esta já seria uma prática dita de «recuperação aberta», em que o estudante expõe a sua resposta), ou se a escrita vier apenas perturbar um debate construtivo entre os estudantes, incentivar a totalidade do grupo a recordar-se da resposta às diferentes questões, começando por fazer a pergunta antes de indicar o nome do estudante que deverá dar a resposta, irá ser benéfico para todos. Incentivar todos os estudantes a pensarem na resposta consegue-se, por exemplo, fazendo a pergunta, esperando um pouco, e escolhendo só depois, aleatoriamente, um a quem se pede a resposta. 

No entanto, os estudantes têm, por vezes, dificuldade em envolver-se na recuperação mental da informação. Alguns estudos indicam até que as disrupções metacognitivas (neste caso, a forma como os estudantes pensam que estão a aprender a matéria) aumentam se apenas se incentivar a resposta mental. A «recuperação aberta», em que se produz efetivamente conteúdo escrito ou oral, deve ser aplicada tanto quanto possível.

Quando conversei com diferentes professores sobre este artigo e sobre o cold calling (figura 1), a possibilidade de as perguntas poderem perturbar o bem-estar dos estudantes e o clima da aula surgiu inúmeras vezes como uma preocupação. Este é um receio válido, que eu própria senti quando comecei a desenvolver este projeto. No entanto, tive a sorte de obter respostas que minimizaram a minha hesitação!

Figura 1. Como fazer perguntas não anunciadas à turma (em inglês, «cold calling»)

Acerca do estudo

Em 2019, uma equipa liderada por Elise Dallimore publicou um artigo com o título Leveling the Playing Field: How Cold Calling Affects Class Discussion Gender Equity [Equilibrar o campo de jogo:  como as perguntas aleatórias interferem na dinâmica da sala de aula, tendo em conta a igualdade de género]. 

O artigo apresenta um estudo de observação que se debruçou sobre os estudantes de uma cadeira de contabilidade num curso de gestão. A disciplina estava dividida em 16 módulos e era ministrada por sete professores distintos, sendo que todos os docentes seguiam o mesmo programa e o mesmo manual. Como cada professor tinha o seu método, a frequência com que os estudantes eram chamados aleatoriamente para responder a perguntas variava significativamente entre as várias turmas. Esta variedade de métodos dos professores permitiu aos investigadores averiguar se o nível de participação dos estudantes variava. Os investigadores tentaram também perceber se o género dos estudantes estava, de alguma forma, relacionado com a sua atitude e nível de participação na prática de respostas a perguntas aleatórias. (É importante referir que este estudo apenas regista correlações, e não é uma verdadeira experiência. Os resultados apresentam limitações e não permitem estabelecer uma relação de causa-efeito, sobre a qual falarei mais adiante.)

No início e no fim do período letivo, os estudantes preencheram um inquérito sobre a sua participação nas aulas, onde também registaram o género a que pertenciam. Além disto, um investigador que desconhecia a natureza do estudo assistiu a duas aulas para registar a frequência com que os estudantes intervinham voluntariamente ou eram chamados para responder a questões, bem como o género de cada um.

Resultados da observação dos participantes

Os investigadores perceberam que, quando havia poucas interpelações aleatórias numa aula, os alunos tendiam a participar mais do que as alunas. Já quando o professor fazia perguntas aleatórias com mais frequência, todos participavam de forma voluntária mais vezes. Além disso, o aumento da participação em aula motivado pela prática de perguntas aleatórias foi mais evidente no caso das alunas do que no caso dos alunos. Em suma, a interpelação frequente estava associada a um maior número de alunas que se dispunham a participar na aula.

Os investigadores analisaram também a frequência com que alunos e alunas respondiam a perguntas durante a aula. No caso dos alunos, o facto de o professor fazer mais ou menos perguntas à sorte era indiferente. Por outro lado, as alunas responderam a um número bastante maior de questões quando a prática de chamada individual com questões aleatórias acontecia mais vezes do que quando ocorria apenas de forma esporádica. Na verdade, nas turmas em que o professor recorreu mais frequentemente a perguntas tiradas à sorte, alunos e alunas responderam ao mesmo número de perguntas. Assim, esta prática de chamar individualmente os estudantes a responderem a perguntas sem aviso prévio pode ser associada à redução da diferença entre os géneros no que diz respeito às perguntas respondidas durante as aulas.

Resultados do inquérito

As alunas referiram no inquérito inicial que se sentiam menos à vontade em participar ativamente na aula do que os alunos, e também revelaram um grau de satisfação menor acerca das suas intervenções do que eles.

Quando os investigadores analisaram os resultados do inquérito a que os estudantes responderam no final do curso não observaram quaisquer alterações. Ninguém  referiu um nível de desconforto maior ou menor face ao início do curso, independentemente de estar numa turma onde as perguntas sem aviso prévio ocorriam com maior ou menor frequência.

O que quer isto dizer?

Em suma, quanto mais os professores recorriam às perguntas aleatórias, mais os estudantes participavam nas aulas. As alunas, principalmente, intervieram com mais frequência e responderam a mais questões quando estavam integradas em turmas em que esta prática ocorria de forma regular. A opinião de todos os estudantes em relação à sua participação nas aulas e o seu grau de conforto não se alteraram desde o início do curso até ao fim. Isto significa que não se sentiram menos à vontade nas aulas em que as interpelações diretas aconteciam regularmente.

Sabemos, no entanto, que esta investigação apenas verifica correlações (esta publicação, em inglês, explica as diferenças entre os vários métodos de investigação). Dado que os estudantes não foram distribuídos de forma aleatória pelas diferentes turmas e, acima de tudo, não se pediu aleatoriamente aos professores que recorressem às perguntas aleatórias ou evitassem fazê-lo, não sabemos se a prática das interpelações diretas com perguntas aleatórias causou efetivamente um aumento na participação dos estudantes, em particular das alunas. É possível que outros fatores, que não a utilização desta prática, tenham contribuído para uma maior participação de todos e, principalmente, das alunas. Também se pode ter dado o caso de estudantes que por norma participam mais tenham preferido turmas lecionadas por professores que recorriam às perguntas aleatórias mais vezes. Os estudantes conhecem o perfil e o método pedagógico dos diferentes professores e, naturalmente, partilham esta informação entre si. Além disso, os horários diferem entre si e cada estudante tem diferentes compromissos dentro e fora da escola: também isto pode justificar a preferência por uma ou outra turma. No entanto, e se têm hipótese de escolha, os estudantes poderão optar por disciplinas lecionadas por professores que acreditam ensinar de uma forma que lhes agrada e evitar professores que pensam que vão ensinar de uma forma que lhes agrada menos.

Assim, e com base neste estudo, não podemos concluir que as interpelações diretas provocam alterações na participação dos estudantes, nem que estas contribuem para esbater a disparidade entre os géneros no que diz respeito à participação em aula. Isto é, se um professor decidir começar a interpelar individualmente os estudantes para que respondam a perguntas aleatórias, poderá não ver grandes melhorias na participação ou na redução das diferenças entre género. No entanto, este estudo sugere que esta prática não causa qualquer desconforto aos estudantes e sublinha a necessidade de se conduzir uma experiência sobre este assunto que possa estabelecer inferências de causalidade.

 

Este texto é uma tradução e adaptação do artigo «Cold Calling and Classroom Discussions», disponível aqui. Resulta de uma parceria editorial com as Learning Scientists. 

AUTOR

Megan Sumeracki (antes Megan Smith) é professora associada no Rhode Island College. Co-fundou o Learning Scientists, em janeiro de 2016, com Yana Weinstein, que já não faz parte da equipa.

Megan concluiu o seu mestrado em Psicologia Experimental na Universidade de Washington, em St. Louis, e o seu doutoramento em Psicologia Cognitiva na Universidade de Perdue. A sua área de especialização é a aprendizagem e memória humana, e aplicação da ciência da aprendizagem em contextos educacionais. A sua investigação centra-se nas estratégias de aprendizagem baseadas na recuperação, e a forma como as atividades que promovem a recuperação podem melhorar a aprendizagem na sala de aula. Tenta responder a questões como: Que formatos de práticas de recuperação promovem a aprendizagem dos alunos? Que atividades de práticas da recuperação funcionam melhor para diferentes tipos de alunos? E, porque é que a recuperação melhora a aprendizagem? Nos seus tempos livres, Meg faz crochet e recentemente começou um blog onde mostra os seus trabalhos. Também gosta de viajar, fazer caminhadas, acampar e de provas de vinho.

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