A aprendizagem da matemática adquirida durante o ensino primário e secundário é essencial para o êxito académico e profissional dos jovens. Quando os alunos são muito bons à disciplina, têm várias opções de carreira, particularmente nas áreas STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). No entanto, quando têm dificuldades a matemática, essas opções podem ser limitadas. Para serem bem-sucedidos no percurso escolar, os alunos necessitam de ter acesso a ensino de alta qualidade. Neste artigo, apresentamos a primeira de cinco práticas de ensino validadas pela ciência e disponíveis para adoção por todas as escolas e professores.
O ensino de matemática de alta qualidade está relacionado com estratégias que foram validadas pela investigação científica, através de estudos realizados em ambientes escolares, executados por diferentes investigadores durante anos (e às vezes décadas). Os resultados destes estudos oferecem informação que apoia o uso de um programa ou de uma prática. No caso da matemática, as escolas têm à sua disposição conjuntos de programas validados pela ciência. Estes programas englobam o que é necessário para um professor ensinar matemática ou para um conteúdo específico da disciplina. Infelizmente, os professores nem sempre têm acesso a tais programas; por isso, é útil compreender as práticas validadas pela investigação.
Neste artigo, analisamos cinco destas práticas, consideradas importantes para o ensino da matemática, particularmente para os alunos que têm dificuldades de aprendizagem, como demonstram o estudo do Centre for Education Statistics and Evaluation, de 2020, e a investigação coordenada por Lynn S. Fuchs, de 2021. Concentramo-nos em práticas validadas pela ciência para estes estudantes, porque os resultados médios de matemática diminuíram nas últimas duas décadas. Segundo um estudo da OCDE, de 2023, há hoje mais alunos a necessitar de ensino de matemática de alta qualidade. Além disso, a identificação de problemas de aprendizagem da disciplina pode ser pouco sistemática, o que significa que há vários alunos que podem não ser identificados como tendo problemas de aprendizagem à disciplina, mas que precisam de apoio.
Em cada secção deste artigo, explicamos a prática, a investigação que a apoia e como esta pode funcionar em sala de aula.
Prática #1: Foco na Linguagem da Matemática
Que prática é esta?
A linguagem matemática inclui termos (por exemplo, numerador, polígono, fator), números (5, ½, -4.92) e símbolos (+, =, %) que os professores e os alunos usam para comunicar sobre a disciplina. A linguagem matemática também pode incluir gestos e elementos visuais. Para os alunos terem êxito, precisam de compreender a linguagem utilizada, o que lhes permite aceder ao que é ensinado e promove a sua plena participação.
Um aspeto importante da linguagem matemática é o vocabulário. Um dos motivos pelos quais nos devemos focar no ensino de vocabulário matemático é o facto de existirem centenas de termos que os alunos têm de conhecer. Segundo um estudo coordenado por Sarah Powell (2021), nos primeiros anos do ensino primário, a expetativa é que os estudantes possam aprender e perceber entre 100 a 150 termos. No 3.º ano (alunos com idades entre os 8 e os 9 anos), as expetativas aumentam para mais de 300 termos, e no 6.º ano (dos 11 aos 12 anos), os alunos devem ter aprendido cerca de 500 termos. Como salientado por Sarah Powell, desde o jardim de infância até ao 8.º ano, os alunos aprendem mais de 1200 termos específicos de vocabulário de matemática. As expetativas de aprendizagem de vocabulário nos programas desta disciplina podem ser pesadas. Segundo o estudo de Erica Barnes e Joy Stephens, de 2019, vários manuais escolares dos primeiros anos do ensino primário sugerem que os alunos devem aprender mais de 40 termos diferentes numa unidade!
Desde o jardim de infância até ao 8.º ano, os alunos aprendem mais de 1200 termos específicos de vocabulário de matemática
Outro motivo para nos focarmos no vocabulário de matemática durante o ensino é o facto de os alunos ficarem confusos com os termos. Alguns motivos para isto acontecer incluem:
- termos que podem ser usados em matemática e em português comum, mas com diferentes significados (por exemplo, figura, em figura geométrica, e figura, em boa figura);
- termos que podem ser usados em matemática e português comum mas com significados semelhantes (por exemplo, a diferença entre 11 e 6 vs. a diferença entre o outono e a primavera);
- termos que podem ter mais do que um significado em matemática (por exemplo, base de uma figura tridimensional vs. uma base e o seu expoente);
- termos que podem ser homófonos (por exemplo, sexto elemento vs. cesto de fruta); e
- termos que podem ser desconhecidos fora de uma aula de matemática (por exemplo, hexágono, teorema de Pitágoras, vértice).
Em que consiste a investigação?
Existem vários trabalhos de investigação que examinaram aspetos de vocabulário de matemática. Em 40 estudos, coordenados por Xin Lin em 2021, determinou-se que o vocabulário de matemática tinha uma correlação significativa com o desempenho matemático (r = 0,49). No que diz respeito especificamente à pré-escola, um estudo de Eylül Turan e Bert De Smedt, de 2022, também verificou que o vocabulário específico da disciplina está correlacionado com o desempenho matemático global. Xin Li, no mesmo estudo de 2021, identificou o vocabulário de matemática como preditor único de desempenho nos problemas de palavras. E, numa análise feita às perguntas de provas nacionais de matemática do 4.º, 7.º e 10.º anos nos Estados Unidos, um trabalho coordenado por Julia Shaftel, de 2006, salientou que o uso de vocabulário de matemática na pergunta de um teste fez com que obter uma resposta correta por parte dos alunos fosse mais difícil.
Tendo em conta que a maior parte das perguntas dos testes de matemática implicam leitura e interpretação, o vocabulário de matemática é importante para o êxito escolar.
Para apoiar o vocabulário matemático dos alunos, os investigadores identificaram várias abordagens que podem aumentar o seu conhecimento. Por exemplo:
- num estudo coordenado por Elizabeth A. Stevens, de 2022, desenvolveu-se uma rotina na qual os alunos aprendiam uma definição de um termo do vocabulário fácil de memorizar, associavam o termo a um elemento visual, usavam a palavra num dado contexto e depois recorriam a estruturas frásicas para falar sobre o termo com outros alunos;
- numa investigação de 2019, Gena Nelson e Alysson J. Kiss ensinaram termos do vocabulário matemático e pediram aos alunos que criassem os seus próprios glossários com termos e definições fáceis de memorizar;
- num trabalho coordenado por Brenna Hassinger-Das, em 2015, e noutro estudo coordenado por David J. Purpura, em 2017, recorreu-se a livros de histórias com vocabulário de matemática e incentivou-se os professores a debaterem o vocabulário essencial que constava nos livros;
- noutras investigações, coordenadas por Shawna Petersen-Brown, em 2019, Xin Lin e Sarah Powel, em 2023, e Randall E. Groth, em 2016, respetivamente, usaram-se cartões didáticos de vocabulário, criou-se um jogo de correspondência entre termos de vocabulário e as suas definições e desenvolveram-se jogos nos quais os alunos associavam vocabulário a elementos visuais.
A fluência em vocabulário de matemática ocorre através de muita exposição e prática.
Como é que isto funciona em sala de aula?
À medida que os professores ensinam e praticam vocabulário de matemática, é importante destacar os termos de vocabulário formais em matemática (por exemplo, produto em vez de resposta; reagrupar em vez de emprestar; horizontal em vez de transversal). Apesar de ser possível destacar vocabulário matemático de várias formas, nesta secção focamo-nos em três sugestões. Primeiro, os professores podem criar uma parede repleta de palavras pertencentes a vocabulário de matemática. As palavras podem estar penduradas na parede da sala de aula ou ser apresentadas através de vários slides. Os cartões das palavras pendurados na parede (ver figura 1) devem conter o termo, uma definição fácil de memorizar e um elemento visual que ajude os alunos a perceberem o seu significado.
No entanto, as paredes de palavras apenas são úteis se se utilizarem frequentemente, tanto por professores, como por alunos. Por exemplo, se se pedir aos alunos que debatam com colegas como resolveriam determinado problema, o professor pode incentivá-los a usarem, pelo menos, três termos de vocabulário da parede das palavras. Esta ferramenta também é um ponto de referência importante quando os alunos começam a escrever sobre matemática.
Além das paredes de palavras, nos seus cadernos os alunos podem incluir cartões específicos com palavras.
Figura 1. Cartões de palavras
Uma segunda sugestão para a aprendizagem de vocabulário de matemática, criada num estudo coordenado por Sarah Powell em 2019, é criar tabelas de apoio que ajudem os alunos a distinguir entre termos usados na mesma unidade. A figura 2 mostra uma tabela de apoio com termos de vocabulário relacionados com planos cartesianos. Tal como as paredes de palavras, as tabelas de apoio apenas são úteis para os alunos quando se destacam regularmente durante o ensino de matemática. Os estudantes podem criar as suas próprias tabelas de apoio e desenhá-las nos seus cadernos.
Figura 2. Tabela de apoio com termos de vocabulário relacionados com planos cartesianos
Por fim, os alunos podem usar organizadores gráficos (ver figura 3) para explorar as definições e as caraterísticas de termos de vocabulário, como sugerido no estudo de Xin Lin e Sarah Powell, de 2023. Pode-se guardar estes organizadores para referência futura.
Figura 3. Organizadores gráficos
Ideias a reter:
À medida que os professores ensinam vocabulário de matemática, é importante que os alunos se familiarizem com os termos aprendidos e que os utilizem. Os educadores podem pôr em prática as seguintes sugestões:
- criar uma parede com vários termos específicos da matemática, onde cada termo esteja associado a uma definição fácil de memorizar e a um elemento visual que ajude os alunos a perceberem o seu significado;
- tabelas de apoio que ajudem os alunos a fazer a distinção entre termos usados na mesma unidade;
- organizadores gráficos que permitam aos alunos explorar as definições e as caraterísticas das várias terminologias.
Este texto é uma adaptação da primeira prática do artigo «Maths Practices You Can Count On: Five Research-Validated Practices in Mathematics», disponível aqui. Esta adaptação resulta de uma parceria editorial com o Centre for Independent Studies (CIS).
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