Nesta entrevista, o autor da teoria da carga cognitiva partilha as suas ideias sobre a memória, a instrução explícita e a forma como as práticas baseadas em dados podem melhorar a aprendizagem dos alunos.
John Sweller é uma das figuras mais influentes da psicologia da educação. Um dos seus contributos mais célebres é a teoria da carga cognitiva e não há dúvida de que o seu trabalho veio alterar a forma como entendemos a aprendizagem. Numa recente viagem a Sydney, o presidente da Iniciativa Educação teve a oportunidade de conversar com este cientista e de explorar alguns pontos altos da sua carreira, cuja importância para as práticas educativas atuais é fundamental.
Uma vida dedicada à memória e à aprendizagem
John Sweller não chegou à psicologia de uma forma tão linear como se poderá pensar. Iniciou o seu percurso universitário em medicina dentária, mas rapidamente se apercebeu de que o seu destino era outro. À medida que ia descobrindo os seus verdadeiros interesses, afastava-se cada vez mais da sua primeira escolha. «A Faculdade de Medicina Dentária não gostou nada de mim», afirma em tom de brincadeira.
O jovem Sweller começou desde então a dedicar-se à teoria da aprendizagem. Sweller passou grande parte da sua carreira na Universidade de Nova Gales do Sul, onde conduz uma investigação experimental rigorosa com base em experiências aleatórias e controladas para testar métodos educativos. A sua investigação explorou desde sempre a forma como as pessoas adquirem conhecimentos e culminou no seu trabalho científico mais conhecido: a teoria da carga cognitiva.
A separação entre a ciência cognitiva e as práticas educativas é uma das suas principais preocupações. Esta separação ocorre também num exemplo semântico que, embora pareça menor, é bastante revelador: a divisão forçada entre memória e aprendizagem. Ancorado na recolha de provas que efetuou ao longo de vários anos, Sweller critica o facto de educação subestimar tantas vezes o papel da memória. Elogiamos a aprendizagem, mas vemos a memorização como algo negativo e que se deve evitar. Sweller argumenta que «a aprendizagem e a memória são de facto idênticas. Não se pode distinguir entre memorizar e aprender».
Conhecimento primário e secundário
A memória não é apenas um sistema de armazenamento passivo, constitui a base da inteligência e do raciocínio. Sweller explica que, «sem a nossa memória de longo prazo, não conseguimos atuar de forma inteligente». E defende que, para o desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem, é fundamental sedimentar conhecimentos. Realidade que é também bastante depreciada em algumas correntes educativas, segundo explica.
Com base no trabalho de David Geary, um outro conhecido psicólogo, Sweller apresenta uma distinção fundamental entre dois tipos de conhecimento:
- Conhecimento biologicamente primário, que inclui capacidades inatas, tais como a fala, a resolução de problemas imediatos, a comunicação ou a interação com os outros. Estas capacidades desenvolvem-se naturalmente e não requerem um ensino formal, embora, claro, beneficiem dele.
- Conhecimento biologicamente secundário, que inclui as habilidades ou destrezas que têm de ser aprendidas, tais como a leitura, a escrita e a matemática. Estas têm de ser ensinadas de forma explícita porque não se adquirem naturalmente.
Esta distinção explica por que razão os seres humanos conseguem aprender a falar sem grande esforço, mas têm mais dificuldades com a literacia e a numeracia. «Até há cerca de 150 anos, não havia quase ninguém que fosse capaz de ler e escrever, em todas as sociedades. Não se aprendia apenas a olhar para os livros», sublinha Sweller.
As escolas existem precisamente para ensinar conhecimentos biologicamente secundários, e um ensino eficaz deve refletir essa realidade. Sweller alerta contra o risco de se partir do princípio de que os alunos «descobrem» o conhecimento naturalmente, como sugerem alguns modelos educativos. «Os estudantes são as únicas pessoas na Terra a quem aplicaríamos essa regra…», observa. Qualquer engenheiro que está pela primeira vez a construir uma torre de telecomunicações começa por estudar o que os outros fizeram e explicaram.
No entanto, apesar da convicção com que defende as suas afirmações, Sweller reconhece que ainda há perguntas sem resposta — particularmente no que diz respeito à transição da instrução guiada para a resolução independente de problemas escolares. Determinar o momento ideal para esta mudança continua a ser um grande desafio da investigação. Quando devemos passar de um procedimento para o outro? Como podemos encontrar a melhor maneira de o fazer? É para o investigar que servem as experiências, observações e provas empíricas.
A revolução cognitiva e o papel da memória na aprendizagem
O famoso artigo de George Miller sobre a memória de trabalho («The magical number seven, plus or minus two», publicado em 1956) delineou a psicologia moderna e foi crucial para o desenvolvimento daquilo a que mais tarde se chamou «a revolução cognitiva». Este artigo aponta alguns limites da capacidade humana em processar informação — algo que tem sido amplamente ignorado pelos educadores. «Embora esse trabalho fosse muito relevante para a educação, foi ignorado pela educação», lamenta Sweller.
A maioria dos educadores atuais ignora conceitos tão fundamentais como as limitações da memória de trabalho. Muitas teorias educativas partem do princípio de que os alunos têm uma capacidade cognitiva ilimitada, descurando barreiras que podem ter impacto na aprendizagem. Esta neglicência, explica Sweller, leva à adoção de abordagens pedagógicas ineficazes que sobrecarregam os alunos em vez de os apoiarem na aprendizagem.
Muitas teorias educativas partem do princípio de que os alunos têm uma capacidade cognitiva ilimitada, descurando barreiras que podem ter impacto na aprendizagem
Sweller dedicou grande parte da sua carreira a defender precisamente a importância de reduzir a carga cognitiva desnecessária no ensino, garantindo que os alunos conseguem efetivamente processar e reter informação nova.
A teoria da carga cognitiva na prática
A teoria da carga cognitiva tem por base a existência de limitações de capacidade e duração na memória de trabalho, o que torna crucial a instrução estruturada. A investigação de Sweller identificou vários princípios de instrução que otimizam a aprendizagem:
- O efeito do exemplo trabalhado: Os principiantes aprendem melhor seguindo exemplos trabalhados antes de tentarem resolver os problemas sozinhos. «Não se dá [aos alunos] um ou dois exemplos. Devemos dar-lhes uma grande quantidade de exemplos que mostram na prática aquilo que lhes foi ensinado.»
- O efeito da redundância: Fornecer informação desnecessária pode sobrecarregar a memória de trabalho em vez de facilitar a compreensão. «Se dermos um exemplo trabalhado a alguém que já compreende bem o tema, as consequências podem ser negativas. Esse exemplo adicional já não lhe faz falta.»
- O efeito da inversão de perícia: À medida que os alunos progridem, a instrução direta torna-se menos necessária e a resolução independente de problemas torna-se cada vez mais benéfica. «Os alunos principiantes ganham mais em estudar exemplos trabalhados do que em resolver sozinhos problemas equivalentes. Com o aumento da perícia, essa diferença vai diminuindo, depois desaparece e por fim inverte-se.»
- O efeito da informação transitória: É mais difícil reter informação oral ou animada do que aquela que se recebe em formato escrito. «Aprender através de vídeos é o mesmo que aprender através de informação oral. É um conhecimento efémero. É muitas vezes preferível apresentar uma série de imagens fixas a passar um vídeo.»
Uma das principais vantagens da teoria da carga cognitiva é o facto de esta não ser apenas uma teoria — é comprovada através de ensaios controlados. John Sweller não deixa de salientar a importância da validação experimental na educação.
Ao comparar diferentes abordagens de ensino de forma sistemática, os investigadores conseguiram confirmar a eficácia de estratégias como os exemplos trabalhados e a instrução estruturada. Sweller reconhece que a realização de experiências no domínio da educação é um desafio, mas insiste que estas são necessárias para o desenvolvimento de melhores práticas pedagógicas.
O desafio da transição de principiante para especialista
Uma das principais questões que a psicologia da educação gostaria de resolver é determinar quando é que os alunos devem abandonar a instrução guiada e transitar para a resolução autónoma de problemas. Sweller insiste que os principiantes precisam de uma orientação estruturada: «Um principiante precisa de orientação. Deixar um principiante numa situação em que tem de resolver as coisas sozinho… não há absolutamente nada na literatura que indique que isso seja boa ideia.»
Ainda assim, numa determinada fase, a prática da resolução de problemas desafiantes torna-se necessária. O difícil é identificar o momento certo para essa transição. Mesmo que os professores mais experientes desenvolvam muitas vezes uma intuição que os ajude a perceber se os alunos estão prontos, Sweller defende a necessidade de uma abordagem mais sistemática. «Não dispomos atualmente de nenhum teste simples que nos indique quando um aluno sabe o suficiente para conseguir trabalhar de forma autónoma. Essa decisão depende da opinião do professor.» Sweller defende que a investigação nesta área é essencial para melhorar os métodos de ensino.
Conclusões
- A memória é fundamental para a aprendizagem: O conhecimento sedimentado na memória de longo prazo permite um raciocínio inteligente.
- A instrução explícita é fundamental para os principiantes: A aprendizagem não pode basear-se apenas em métodos de descoberta, muito menos numa fase inicial de abordagem de cada tema.
- É fundamental gerir a carga cognitiva: A instrução deve estar alinhada com os processos cognitivos para facilitar a aprendizagem.
- A independência deve ser progressiva: À medida que os alunos adquirem conhecimentos, o ensino deve incluir mais e mais tarefas de resolução de problemas desafiantes.
Este artigo é baseado na entrevista que Nuno Crato fez a John Sweller em Sydney em julho de 2024. A entrevista completa está disponível aqui.
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