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O papel do sono continua a ser subestimado, sobretudo no que se refere ao desempenho escolar. Dois estudos publicados no último mês não deixam margem para dúvidas: o sono também pode contribuir para o sucesso académico.

A entrada na universidade é um período de transição e de transformação para a maioria dos jovens. O tão desejado aumento de autonomia acarreta maior responsabilidade e a capacidade de tomar decisões quanto à organização do tempo no dia a dia. No entanto, a maior liberdade sentida entra em conflito com os interesses escolares, os eventos sociais, o entretenimento digital e, naturalmente, o número de horas de sono. Para os jovens universitários podem existir inúmeras razões para ficar acordado até tarde, mas as consequências da má qualidade de sono estão documentadas. Três estudos, liderados por Juliana Nunes Ramos, Laila Taghvaee e João Dinis, mostram que do sono de má qualidade podem resultar problemas como ansiedade, depressão e comportamentos de risco.

Aos trabalhos de investigação anteriores juntam-se agora dados consistentes sobre o impacto do sono também no desempenho académico. Duas investigações muito recentes, com tamanhos de amostra robustos, abordam esta problemática. Um dos estudos, de David Creswell e outros académicos de várias universidades americanas, mediu o impacto do sono sobre a média de notas escolares. O outro, liderado por Sing Chen Yeo e realizado por duas universidades de Singapura, investigou a relação entre o número de aulas matinais e os resultados de aprendizagem dos estudantes.

Na pesquisa liderada por Creswell analisou-se como a duração do sono noturno no início do semestre interfere com a média das notas obtidas no final do semestre dos estudantes do primeiro ano da faculdade. Recorrendo ao método de actigrafia do sono (com dispositivos de pulso Fitbit para monitorar e registar padrões de sono), os investigadores verificaram que mais de 600 alunos universitários, participantes de cinco estudos de três universidades, dormiam em média 6,5 horas por noite. Analisando os dados sobre os estudantes que dormiam menos de seis horas, verificou-se uma incidência particularmente expressiva de resultados escolares negativos. Mesmo ao controlar outros fatores, como sestas diurnas ou a média de notas no período anterior, a duração média do sono noturno continuou a prever a média de notas no final de período. Os investigadores concluem que por cada hora adicional de duração média do sono noturno no início do semestre havia um aumento de 0,07 na média das notas finais.

O trabalho liderado por Sing Chen Yeo verificou se as aulas matinais teriam menor assiduidade por parte dos estudantes universitários e se estariam associadas a um período de sono mais curto e a um pior desempenho académico. Com base nos registos digitais de 53 sessões de aula em 13 cursos universitários diferentes, concluíram que a frequência foi cerca de dez pontos percentuais mais baixa para as aulas das oito da manhã em comparação com horários tardios. Os padrões diurnos de acesso, numa plataforma de gestão de aprendizagem (Learning Management System), referentes a 39 458 estudantes, e os dados de actigrafia, num subconjunto de 181 alunos (entre os 18 e os 25 anos), demonstraram que o sono noturno diminuía em cerca de uma hora nas primeiras aulas, uma vez que exigia acordar mais cedo. Os registos ilustraram que, embora os alunos pudessem adormecer à mesma hora, acordavam mais cedo para assistir às aulas matutinas, resultando num tempo potencial de sono mais curto.

A análise dos resultados académicos, de uma amostra de 33 818 estudantes, mostrou que o número de dias por semana em que tiveram aulas matinais se correlacionava negativamente com a média das notas obtidas. Os resultados pioravam quanto mais o estudante frequentava aulas matinais. Assim, as turmas da manhã apresentam um impacto negativo cumulativo no desempenho dos alunos ao longo do dia. Os investigadores concluiram que o débito de sono pode prejudicar a saúde e os hábitos de estudo do aluno, comprometendo assim a aprendizagem.

Ambos os estudos sugerem que se dê prioridade à sensibilização no ensino superior e à implementação de programas estruturados para orientar os jovens universitários a cuidar melhor do sono. É bom relembrar que as diretrizes internacionais recomendam que os jovens adultos durmam entre sete a nove horas de sono todas as noites para evitar sonolência diurna, estados de humor alterados e outros problemas de saúde. Segundo a investigação corrente é também altura de deixar à consideração das universidades evitar aulas obrigatórias muito cedo.

O sono é, naturalmente, apenas um dos fatores que afetam a prontidão para aprender. Todavia, dada a privação de sono hoje em dia comum a muitos jovens, é imperativo promover hábitos saudáveis, já que o repouso durante a noite parece ser determinante para o êxito académico.

Bibliografia

Ramos, J. N., Muraro, A. P., Nogueira, P. S., Ferreira, M. G., & Rodrigues, P. R. M. (2021). Poor sleep quality, excessive daytime sleepiness and association with mental health in college students. Annals of human biology, 48(5), 382-388. https://doi.org/10.1080/03014460.2021.1983019

Taghvaee, L., & Mazandarani, A.A. (2022). Poor sleep is associated with sensation-seeking and risk behavior in college students. Sleep Science, 15(1): 249-256. https://doi.org/10.5935/1984-0063.20220024. PMID: 35273775; PMCID: PMC8889956.

Dinis, J., Bragança, M. (2018). Quality of Sleep and Depression in College Students: A Systematic Review. Sleep Science, 11(4): 290-301. https://doi.org/10.5935/1984-0063.20180045. PMID: 30746048; PMCID: PMC6361309.

Creswell, J.D., Tumminia, M.J., Price, S., Sefidgar, Y., Cohen, S., et al. (2023). Nightly sleep duration predicts grade point average in the first year of college. Proceedings of the National Academy of Sciences, 120 (8). https://doi.org/10.1073/pnas.2209123120

Yeo, S.C., Lai, C.K.Y., Tan, J. et al. (2023). Early morning university classes are associated with impaired sleep and academic performance. Nature Human Behaviour. https://doi.org/10.1038/s41562-023-01531-x

AUTOR

Joana Rato é psicóloga da Educação desde 2003 e doutorada em Ciências da Saúde (na especialidade de Neuropsicologia) pelo Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa (UCP) desde 2014. Actualmente trabalha no Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde (CIIS) da UCP e desenvolve o projecto Mente, Cérebro e Educação com a colaboração de professores de várias escolas. Em 2013, através do Alumni Award da James S. McDonnell Foundation, participou na 3rd Latin-American School for Educational, Cognitive and Neural Sciences e, em 2015, recebeu o Prémio de Mérito da Fundação D. Pedro IV. Os seus interesses de investigação passam pela Neuropsicologia aplicada à Educação com destaque para a avaliação neuropsicológica de crianças e adolescentes. É co-autora do livro “Quando o cérebro do seu filho vai à escola”.

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