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Uma das maiores angústias de qualquer profissional de ensino é saber que as crianças à sua guarda podem ser vítimas ou estar envolvidas em situações de violência dentro e fora da escola. Com este assunto na ordem do dia, uma organização inglesa analisou a eficácia de diferentes medidas de prevenção de comportamentos violentos e apresenta algumas recomendações práticas para combater este problema.

A escola é um dos lugares mais importantes da nossa vida. Ajuda-nos a moldar o nosso futuro, cria oportunidades para uma vida melhor, faculta conhecimento, abre horizontes, descobre talentos e amizades. Além de tudo isto, se pensarmos bem, o serviço público das escolas é o mais importante para a franja mais vulnerável da nossa sociedade: as crianças.

Fala-se muito no aumento (ou na perceção de aumento) da violência na sociedade, que se espelha também dentro do contexto escolar. Em algumas geografias temos dados que nos permitem aferir esse crescimento e, no caso das escolas, têm-se discutido e apontado vários fatores plausíveis que o justificam. Uma ideia recorrente é que a pandemia e a inerente disrupção no sistema de ensino geraram uma quebra no “pacto social” que existia entre os pais e a escola. Esta mudança de relação pode ter levado a um certo desmazelo, que se refletiu num decréscimo do respeito, da pontualidade e da assiduidade, valores que estão muitas vezes ligados ao mau comportamento dos alunos. Outras teses envolvem a já longa descredibilização do estatuto e autoridade dos professores, o aumento da polarização social, do racismo e da xenofobia, bem como o acesso às redes sociais e uma maior exposição dos alunos à violência: no ano passado, 55% dos jovens ingleses admitiram ter assistido a episódios verídicos de violência nas redes sociais.

É importante reiterar que muitos destes problemas existem fora da escola, e é a sociedade que os importa para dentro das salas de aula. Aliás, talvez uma das coisas que mais injustamente se pede ao sistema de ensino é que resolva todos os problemas da sociedade. Por essa razão, para mim é evidente que não se pode exigir aos professores, diretores e funcionários que consigam resolver por si todos os problemas de violência a que as crianças podem estar sujeitas. Contudo, uma das maiores angústias de qualquer profissional de ensino é saber que as crianças à sua guarda podem ter medo ou enfrentar violência em casa, na escola ou na comunidade.

Não se pode exigir aos professores, diretores e funcionários que consigam resolver por si todos os problemas de violência a que as crianças podem estar sujeitas

Atendendo a este problema, a organização inglesa Youth Endowment Fund publicou recentemente um relatório com recomendações práticas que ajudam as escolas a prevenir comportamentos violentos. Estas recomendações resultam da sistematização de mais de dois mil estudos e da análise de diferentes métodos de prevenção de violência. O relatório pretende ajudar as escolas a distinguir medidas eficazes de medidas que, por mais bem-intencionadas, causam mais danos que proveitos.

Antes de olhar em detalhe para estas recomendações, é importante reconhecer que a prevenção da violência entre crianças e jovens é um problema de proteção de menores que deve ter em conta a legislação de cada país. Para dar dois ou três exemplos, em Inglaterra, de onde vos escrevo, cada escola é obrigada a desenhar e implementar uma política de proteção de menores com mecanismos de atuação e robustos sistemas de reporte, denúncia e fiscalização, que são revistos anualmente. Em contraste com o caso português, todos os professores e funcionários em Inglaterra são obrigados a receber formação sobre proteção de menores. A qualidade dos sistemas de proteção de menores de cada escola é ainda inspecionada por uma entidade pública externa, independente do Ministério da Educação.

Mas o que chama a atenção no relatório do Youth Endowment Fund é o facto de ir além do que é exigido pela legislação. O relatório elenca uma série de medidas práticas, testadas e avaliadas em diferentes países, que podem ajudar as escolas a combater a violência juvenil.

A primeira conclusão do relatório é que manter os alunos dentro do sistema de ensino reduz o risco do seu envolvimento em episódios violentos. Este facto é ancorado em dados estatísticos e tem agora uma maior relevância tendo em conta a diminuição da assiduidade e o aumento do abandono escolar em vários países após a pandemia, incluindo Portugal. Formas práticas de combate ao problema incluem definir um método de comunicação com os pais (pessoalmente ou por e-mail) ou incentivar os alunos a frequentar a escola, organizando, por exemplo, através de “clubes” de pequenos-almoços gratuitos. Em Inglaterra, estes breakfast clubs foram originalmente pensados para garantir que as crianças de contextos mais desfavorecidos não iam para a escola com fome, e são agora usados como estratégia para aumentar a assiduidade.

A segunda recomendação do relatório fomenta a construção de relações de confiança entre os adultos e as crianças. Se um adulto conseguir compreender a criança, criando com ela uma relação construtiva, pode protegê-la melhor. Uma forma de o conseguir é através da mentoria individual e regular (preferencialmente semanal) com alunos particularmente vulneráveis. O envolvimento dos alunos de risco com o desporto, criando laços com treinadores que são um modelo positivo, também tem provas dadas na melhoria do comportamento e na diminuição da agressividade dos jovens. Este acompanhamento deve acontecer além da escola (ou seja, além das horas de educação física) podendo assim ter uma função de ocupar tempos que seriam dedicados a atividades de risco.

A terceira recomendação é o desenvolvimento das competências sociais e emocionais dos alunos. As escolas devem desenvolver e implementar estratégias que ensinem os alunos a lidar com as emoções, promover o autocontrolo e fomentar a comunicação entre colegas e grupos. Além de reduzir os comportamentos de risco, o investimento neste tipo de competências parece também gerar ganhos no desempenho académico dos alunos. É ainda recomendado que as escolas tenham uma estratégia contra o bullying, que incluam sessões sobre a violência nas relações (incluindo no namoro). Por fim, dado o aumento dos problemas de saúde mental nas crianças, é imperativo que as escolas encaminhem os alunos para acompanhamento psicológico e psiquiátrico, em especial as crianças que sofram de trauma ou apresentem comportamentos mais desafiantes.

Com base em estudos científicos da área da criminologia, o relatório sugere ainda que a violência acontece por norma em determinados locais e alturas específicas do dia. Assim, é recomendado que as escolas façam questionários anónimos aos alunos, professores e pessoal não docente para determinar onde e quando os alunos se sentem inseguros ou costumam ocorrer situações de violência – Será na sala de aula? Nos corredores? À hora de almoço? Depois das aulas?

A última recomendação, e talvez a mais importante, é precisamente a que me leva a escrever este artigo: é essencial que estas estratégias sejam informadas pela ciência, que funcionem, e que possam ser testadas e melhoradas. Olhar para a ciência permite-nos evitar práticas contraproducentes. Um exemplo típico, praticados em vários países, são as ações de sensibilização para a realidade prisional, que podem incluir palestras de ex-reclusos e visitas a prisões como forma de dissuadir comportamentos de risco. Esta ideia parece razoável, mas, quando avaliamos a eficácia destes programas, constatamos que não funcionam: pior, estas medidas podem até aumentar a probabilidade de os jovens se envolverem em comportamentos delinquentes.

Os recursos das escolas são escassos, e os professores, diretores e funcionários já fazem muito mais do que lhes devia ser exigido. Assim, escolher criteriosamente as soluções que produzem resultados evita o desperdício de recursos que tanta falta fazem ao sistema de ensino. Ao fazer isto evitamos a violência nas escolas – o lugar onde nenhuma criança se deve sentir insegura.

 

As opiniões expressas neste artigo são exclusivamente do autor e não refletem os princípios ou posições das organizações às quais está associado.

AUTOR

Miguel Herdade é Director Associado no Ambition Institute no Reino Unido e governador de uma escola primária em Londres. É também Director e co-fundador da Orquestra Sem Fronteiras, em Portugal e Espanha. Tem especial interesse e experiência no financiamento, concepção, e implementação de projectos e organizações sem fins lucrativos que actuam nas áreas de desigualdades educativas e integração social. Foi professor assistente na Nova SBE – School of Business and Economics e co-fundador e Director Executivo da Academia do Johnson, na Amadora. Posteriormente trabalhou no The Challenge/National Citizen Service no Reino Unido.

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