Com que frequência vemos crianças de todas as culturas esticarem os dedos da mão para dizerem quantos anos têm? E com que frequência as crianças esticam silenciosamente os dedinhos para os contarem antes de responderem à mesma pergunta? O que leva as crianças a recorrerem a esta habilidade quando começam a desenvolver as suas competências matemáticas, esticando cinco dedos de uma mão e mais dois de outra quando lhes é pedido para somarem cinco mais dois?
Nos primeiros anos de vida, as mãos desempenham um papel primordial na interação da criança com o mundo, tendo sido amplamente comprovada a importância dos dedos, em particular, no desenvolvimento das habilidades numéricas iniciais. A aprendizagem e a prática da dactilonomia (processo de contar com os dedos) revelou-se muito importante para a compreensão da magnitude numérica, mesmo antes do início da educação formal. A ciência demonstrou que existe uma relação entre a representação de quantidades com recurso à dactilonomia e o desenvolvimento de competências matemáticas em idades mais avançadas.
Vários estudos documentaram a relação entre a coordenação motora fina e a gnosia digital (a capacidade de contar com os dedos, que implica a existência de um esquema mental dos dedos) e o desenvolvimento das habilidades numéricas básicas na primeira infância. Mais concretamente, a investigação sugere que, através da prática repetida da dactilonomia, as crianças acabam por internalizar os dedos da mão enquanto representações de magnitudes numéricas.
Coordenação motora fina e representações numéricas
Num estudo publicado em 2020, a psicóloga Ursula Fischer e colegas investigaram o papel da coordenação motora fina no desenvolvimento da capacidade de representar grandezas numéricas com os dedos. Os autores exploraram as interações entre dois tipos de coordenação motora fina (a destreza e as competências grafomotoras), e a capacidade de representar grandezas numéricas com os dedos em crianças em idade pré-escolar.
Os resultados demonstraram que a capacidade de as crianças representarem os números com os dedos, bem como as suas competências numérias, estavam relacionadas com a destreza, mas não com competências grafomotoras (as competências necessárias para o processo de escrita). O estudo demonstrou que a representação mental de grandezas numéricas com base nos dedos mediava a associação entre a destreza e as competências numéricas das crianças. Essa associação foi ainda mais evidente em crianças pequenas, que dependem mais dos dedos das mãos para contar e representar numerosidades. Desta forma, os autores concluíram que a destreza é fundamental para a capacidade de representar números com os dedos, o que, por sua, vez, contribui para o desenvolvimento das competências numéricas das crianças.
Gnosia digital e competências numéricas
A gnosia digital — i.e., a capacidade de as crianças representarem mentalmente, distinguirem, mostrarem e localizarem cada um dos dedos da mão — tem sido associada ao desenvolvimento de competências numéricas em idades mais avançadas. Ensaios clínicos demonstraram que esta relação se verifica, por exemplo, na síndrome de Gerstmann, que resulta de uma lesão no lóbulo parietal inferior dominante, e em que ocorre tanto a agnosia digital (um défice na capacidade de contar com os dedos) como a acalculia (a incapacidade de fazer cálculos matemáticos), sugerindo que existe um processo cerebral comum a ambos os procedimentos.
Uma revisão da literatura publicada recentemente apresentou evidências e discutiu em que medida a gnosia digital está na base dos procedimentos de contagem, do conhecimento sobre o sistema numérico, do processamento de magnitudes numéricas e da capacidade de fazer cálculos.
A dactilonomia é apoiada pela investigação
O cérebro possui redes neurais que controlam os movimentos dos dedos e que os percecionam e representam mentalmente. Já foi comprovado que a rede de gnosia digital é ativada no cérebro durante a resolução de problemas matemáticos, mesmo quando é solicitado aos sujeitos que não utilizem nem mexam as mãos. Estudos de neuroimagem comprovaram que o nosso cérebro visualiza uma representação dos dedos quando estamos a fazer contas, mesmo quando não os estamos a utilizar.
Os neurocientistas cognitivos Ilaria Berteletti e James R. Booth analisaram uma região específica do cérebro dedicada à perceção e à representação dos dedos da mão — a área somatossensorial dos dedos. Estes cientistas descobriram que quando eram apresentados problemas complexos de subtração a crianças entre os 8 e os 13 anos, a área somatossensorial dos dedos era ativada, mesmo quando as crianças não usavam os dedos para calcular. Esta área da representação dos dedos também é ativada em problemas mais complexos, que envolvem maiores grandezas numéricas e uma maior manipulação dos números. Este estudo fundamenta a importância da gnosia digital na resolução de problemas de subtração.
Os resultados destes estudos comportamentais e neurocientíficos apoiam as práticas educativas que promovem o uso da dactilonomia enquanto elo funcional entre as representações mentais e as representações simbólicas dos números. Desta forma, as práticas baseadas em dactilonomia constituem abordagens naturais para o desenvolvimento das habilidades numéricas, tendo-se comprovado muito vantajosas para as crianças nos primeiros estágios de desenvolvimento das habilidades numéricas.
1 Champalimaud Research and Clinical Centre, Champalimaud Centre for the Unknown, Lisboa, Portugal
2 ISPA, Instituto Universitário, Lisboa, Portugal
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