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Depois de aprender algo difícil ou de estudar para um exame, chega o merecido descanso. Mas como? Qual é a melhor rotina de relaxamento? Uma série de estudos recentes mostra como o repouso vigilante é a melhor forma de descansar sem prejudicar a aprendizagem e a memorização.

Enquanto estiveram a estudar, na sua maioria, os alunos portaram-se bem; mantiveram-se concentrados e não estiveram, por exemplo, online. Mas agora terminou a época de estudo – e merecem uma pausa!

O que é que fazem? Será que, famintos pelo longo intervalo nas redes sociais, pegam no seu telemóvel e enviam algumas mensagens no WhatsApp, atualizam o seu perfil no Facebook ou no Instagram, ou simplesmente navegam na internet sem pensar muito? Talvez prefiram um puzzle Sudoku? Jogar Minecraft? Talvez, na verdade, prefiram não fazer coisa nenhuma. Podem optar por ficar a olhar para o teto ou simplesmente fechar os olhos e descansar.

A forma como se descansa é importante? Há uma maneira de relaxar melhor do que a outra?

Pode-se pensar que isso é indiferente e que se deve simplesmente descontrair da forma que cada um prefere. Adiantamos já: não é esse o caso no processo de aprendizagem e memorização. Na verdade, nesse contexto, a forma de relaxar faz toda a diferença!

Há uma série de estudos recentes sobre aquilo a que se chama "repouso vigilante", que basicamente significa não fazer nada. O tipo de descanso em que se fecha os olhos ou se fica a olhar para o teto. Temos de admitir que, até há pouco tempo, não estávamos realmente familiarizados com o termo "repouso vigilante". Também não sabíamos que, para aprender e memorizar, a forma como se descansa faz diferença.

No entanto, os estudos sobre o repouso vigilante remontam ao final do século XIX e continuam a ser aprofundados. Já em 1894, Hugo Munsterberg e os seus colegas estudaram os efeitos de vários tipos de descanso na aprendizagem. As pessoas que participaram nas suas experiências memorizavam menos coisas e cometiam mais erros quando o período de tempo entre a aprendizagem ou o estudo e a memorização era preenchido por atividades que envolviam raciocínio, em vez de não terem nada para fazer.

Em 1900, George Müller e Alfons Pilzecker descobriram que, quando uma pessoa tinha de aprender duas listas de palavras, uma após a outra, a primeira lista era memorizada de forma muito mais eficiente se o período de tempo entre o estudo da primeira e da segunda lista fosse mais longo. Descobriram que um período de tempo mais longo (6 minutos) entre a aprendizagem de duas listas de palavras aumentava a retenção da primeira lista de palavras; enquanto um período de tempo mais curto (36 segundos) diminuía o desempenho da memória para a primeira lista, também quando se utilizava uma tarefa de distração visual após a aprendizagem.

Assim, parece haver dois aspetos em questão, com base nesta pesquisa inicial. Em primeiro lugar, os resultados mostram que o repouso de vigília é mais eficaz, em termos de aprendizagem, do que o repouso ativo. Além disso, períodos de repouso mais longos (minutos) são mais eficazes do que períodos de repouso mais curtos (segundos).

Avancemos para o "agora". Dispomos de alguns artigos recentes – de 2012 a 2019 –, que estudam o repouso vigilante de formas semelhantes. Pessoas de várias faixas etárias receberam algo para aprender, como, por exemplo, histórias, uma lista de palavras na sua língua materna, uma lista de palavras numa segunda língua, entre outros. Depois disso, foi pedido a metade dos participantes que levassem a cabo algum tipo de atividade, como resolver um puzzle ou olhar para uma imagem 'encontra-as-diferenças'.

Em média, essas pessoas passaram entre 8 a 10 minutos a completar essas atividades. Durante os mesmos 8-10 minutos, foi pedido à outra metade dos participantes que 'descansassem de forma vigilante'; foi pedido aos participantes que fechassem os olhos e nada fizessem.

Depois, dependendo do estudo, todos os participantes receberam um teste-surpresa imediatamente após o descanso ativo ou o descanso vigilante, ou após alguns dias (geralmente, 7).

Todas as experiências obtiveram os mesmos resultados.

As pessoas que descansaram de forma vigilante e não fizeram "nada" memorizaram mais elementos que tinham de aprender do que as pessoas que completaram atividades aleatórias durante o intervalo. Curiosamente, isso aconteceu a quem realizou os testes logo após o intervalo e a quem os fez ao fim de 7 dias!

Descansar de forma vigilante e simplesmente relaxar é simplesmente mais eficaz em termos de aprendizagem e de memorização.

Esses resultados podem ser explicados através da teoria da interferência (retroativa) e da teoria da consolidação/estabilização (ver Martini et al., 2018). Antes de a codificação/armazenamento ter lugar – portanto, logo após a aprendizagem de algo –, as nossas representações de memória são propensas a interferências. Quanto mais longo for o período de tempo entre o processamento da informação (por exemplo, quando se aprende algo ou quando se estuda) e a atividade de interferência, mais estável é a memória. Por outro lado, quanto mais estável for a memória, menos as pessoas se esquecem e, portanto, mais se lembram. Martini et al. (2018) descrevem as duas teorias e o seu funcionamento da seguinte forma:

  • As teorias da interferência pressupõem que as memórias interferem umas com as outras, resultando numa diminuição do desempenho da memória. Por exemplo, a teoria da distinção temporal propõe que a informação que é processada na proximidade temporal da informação a ser recordada prejudica a sua recuperação; enquanto a recuperação da distância temporal melhora a recuperação ao induzir a distinção temporal. Assim, o repouso após a aprendizagem deve favorecer a retenção da memória mais do que uma tarefa levada a cabo no intervalo (por exemplo, aprender vocábulos), uma vez que a codificação de novo material após a aprendizagem prejudica o acesso ao conteúdo da memória previamente aprendido... Por outro lado, o aumento do intervalo de tempo entre o conteúdo da memória a ser recordada e a informação que distrai leva a uma interferência menos intensa e, consequentemente, a um melhor desempenho da memória.
  • De igual modo, as teorias de consolidação (Wixted, 2004) afirmam que as memórias são afetadas por interferências após a aprendizagem. Contudo, ao contrário das teorias de interferência, têm frequentemente uma base neurofisiológica e neurocientífica. Pressupõe-se que a informação nova leva tempo a estabilizar, ou seja, a ser transformada em memórias mais duradouras e menos vulneráveis à interferência. Quanto maior for a distância temporal entre a captação de informação e a atividade que interrompe, mais consolidação pode decorrer, resultando em menos esquecimento e melhor desempenho da memória retardada (pp. 558-559).

Em suma, um longo período de repouso ativo (que envolva algum tipo de atividade) interrompe os processos de codificação e consolidação, enquanto, por outro lado, um repouso de vigília reforça esses processos.

Então, o que significa tudo isto em termos de aprendizagem? Já deve ter deduzido a resposta por si próprio. Enviar mensagens no WhatsApp, navegar na Internet, e recorrer a jogos são bons exemplos de descanso ativo. Descansar de forma vigilante e simplesmente relaxar é simplesmente mais eficaz em termos de aprendizagem e de memorização. E, melhor ainda, intervalos mais longos são melhores do que intervalos curtos!

Qual é a conclusão? Pais, professores, formadores e alunos devem saber como melhor relaxar para otimizar a aprendizagem; de forma consciente!

Agora, uma nota/pensamento do investigador: muita pesquisa que nós, enquanto investigadores, levamos a cabo faz uso do descanso ativo entre as fases de aprendizagem e de teste. Chamamos a isso a utilização de uma tarefa de distração. Tendo em conta os resultados da investigação sobre o repouso vigilante, poderia ser possível que muitos dos (1) resultados não significativos obtidos na pesquisa pudessem ser significativos; e (2) que os resultados significativos obtidos ao longo da investigação pudessem ter sido maiores, isto se os investigadores não tivessem utilizado um puzzle Sudoku ou qualquer outra forma de repouso ativo como elemento de distração durante o período de intervenção!

A versão em inglês pode ser lida em 3-Star Learning Experiences.

Pode seguir os autores no Twitter: @P_A_Kirschner e Mirjam @MirjamN

Referências

Dewar, M., Alber, J., Butler, C., Cowan, N., & Della Sala, S., «Brief wakeful resting boosts new memories over the long term», Psychological Science, 23, 2012, pp. 955-960.

Martini, M., Martini, C., Bernegger, C., & Sachse, P., «Post-encoding wakeful resting supports the retention of new verbal memories in children 13-14 years», British Journal of Developmental Psychology, 37, 2018, pp. 199-210.

Martini, M., Riedlsperger, B., Maran, T., & Sachse, P., «The effect of post-learning wakeful rest on the retention of second language learning material over the long term», Current Psychology, 39, 2017, pp. 299-306.

Martini, M., Zamarian, L., Sachse, P., Martini, C., & Delazer, M., «Wakeful resting and memory retention: a study with healthy older and younger adults», Cognitive Processing, 20, 2019, pp. 125-131.

Müller, G. E., & Pilzecker, A., «Experimentelle Beiträge zur Lehre vom Gedächtnis [Experimental contributions to the teaching of memory]», Zeitschrift für Psychologie, Ergänzungsband 1, 1900, pp. 1-300.

Münsterberg, H., Campbell, W. W., Bigham, J., Pierce, A. H., Calkins, M. W., & Pierce, E., «Studies from the Harvard Psychological Laboratory (II)», Psychological Review, 1(5), 1894, pp. 441-495.

Wixted, J. T., «The psychology and neuroscience of forgetting», Annual Review of Psychology, 55, 2004, pp. 235-269. 

AUTORES

Mirjam Neelen é consultora para a aprendizagem e responsável pelo desenho de experiências de aprendizagem com quase 15 anos de experiência no setor, trabalhando com uma ampla variedade de empresas. Atualmente, é responsável pela definição estratégica de experiências de aprendizagem, trabalhando com vários clientes e equipas de aprendizagem. Mirjam é uma defensora orgulhosa das abordagens baseadas na evidência para o desenho de experiências de aprendizagem e tem um blog com Paul A. Kirschner. Juntos, publicaram recentemente um livro sobre o desenho de experiências de aprendizagem baseadas em evidência. Faz apresentações públicas regulares sobre o seu trabalho.

Concluiu o mestrado em Ciências da Aprendizagem, a pós-graduação em Psicolinguística e a licenciatura em Terapia da Fala.

Paul A. Kirschner (1951) é professor emérito de Psicologia da Educação na Open University dos Países Baixos, Doutor Honoris Causa na Universidade de Oulu, na Finlândia e professor convidado na Universidade de Ciências Aplicadas Thomas More em Flandres, na Bélgica. Antes de se reformar foi homenageado na qualidade de professor universitário pela Open University dos Países Baixos e na qualidade de professor convidado pela Universidade de Oulu, na Finlândia. 

Publicou mais de 350 artigos científicos e centenas de artigos populares e blogues para professores e administradores de escolas em inglês (3-Star Learning Experiences: An Evidence-Informed Blog for Learning Professionals) e holandês. Também é (co)autor de vários livros de sucesso, incluindo Ten Steps to Complex LearningUrban Myths about Learning and Education e More Urban Myths About Learning and Education, além de dois livros ainda por publicar Evidence Informed Learning Design e How Learning Happens: Seminal Works in Educational Psychology and What They Mean in Practice. Também é chefe de redação do Journal of Computer Assisted Learning e editor de comissionamento do Computers in Human Behavior. 

Pode ler mais sobre Paul Kirschner ou entrar em contacto através da sua página web.

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