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A memória de trabalho é um conceito importante e relativamente simples que influencia a forma como pensamos sobre a aprendizagem e sobre a memória, pelo que considerei útil redigir um breve resumo sobre o que significa, como funciona e qual a sua importância.

O que é a memória de trabalho?

A memória de trabalho é a capacidade humana de manipular e recordar informação num curto espaço de tempo (cerca de dois minutos). É muito semelhante à memória de curto prazo; no entanto, quando utilizamos o termo memória de trabalho, estamos a colocar uma maior ênfase na capacidade de manipular informação. Por exemplo, se alguém lhe pedir para anotar um número de telefone, poderá ter de repetir o número silenciosamente, para si próprio, até encontrar um bloco de notas. Essa tarefa pode tornar-se mais difícil se continuar a conversar enquanto procura o bloco de notas. A sua capacidade de manter uma conversa, enquanto procura um bloco de notas e repete mentalmente um número de telefone, é a sua memória de trabalho.

A capacidade de memória de trabalho varia de pessoa para pessoa. Para algumas pessoas, a tarefa descrita acima pode parecer praticamente impossível - na maioria das vezes estas pessoas não encontram o bloco de notas, não conseguem acompanhar a conversa ou não se conseguem lembrar do número. Para outras pessoas, a tarefa é um bocado mais fácil – ainda que possa ser desafiante, estas pessoas conseguem acompanhar uma conversa, encontrar uma forma de anotar o número de telefone e lembrar-se do número sem vacilar.

Estas diferenças de capacidade de memória de trabalho têm sido associadas à compreensão escrita1, à lógica e ao raciocínio2,3, e ao QI4. Devido à sua forte ligação com o contexto académico, foram realizados vários estudos no sentido de explicar estas diferenças e de encontrar possíveis formas de melhorar a memória de trabalho, sobretudo em crianças em idade escolar5.

Como funciona?

Existem várias teorias sobre o funcionamento da memória de trabalho. As teorias variam essencialmente na importância atribuída aos diferentes componentes envolvidos no processo. Algumas salientam o papel da atenção6; outras, a capacidade de aceder a informação passada e de a utilizar7; outras ainda, a forma como a inibição cognitiva nos ajuda a manter o foco8. No entanto, todas as teorias concordam com o princípio básico de que a memória de trabalho envolve o uso simultâneo de, pelo menos, quatro competências e capacidades.

  1. Atenção. A capacidade de ignorar informação irrelevante e de se focar em informação relevante. Enquanto procura o bloco de notas, distrai-se com a conversa e esquece-se de anotar o número? Ao ler um texto mais extenso, como este, consegue lembrar-se dos pontos-chave de cada secção sem que a sua mente comece a divagar a meio do texto?
  2. Informação verbal. A capacidade de utilizar a sua voz interior, ou seja, de falar consigo próprio. Enquanto procura o bloco de notas, repete o número de telefone para si próprio? No entanto, se estiver a ouvir uma música (por exemplo, Jenny de Tommy Tutone), poderá começar a cantar a música, mentalmente, e esquecer-se do número de que era suposto lembrar-se. Da mesma forma, se alguém estiver a falar consigo enquanto lê este texto, terá mais dificuldade em lembrar-se dos conteúdos.
  3. Informação visual. A capacidade de visualizar algo na sua mente. Enquanto procura o bloco de notas poderá, por exemplo, visualizar a gaveta da secretária onde o costuma guardar. Curiosamente, a sua capacidade de formar esta imagem mental não interfere com a sua capacidade de repetir o número para si próprio. Da mesma forma, olhar para as imagens de um texto não interfere com a sua capacidade de se manter focado nas palavras. (As diferenças na forma como utilizamos informação visual e informação verbal na memória de trabalho ajudam a explicar a eficácia da Codificação Dual).
  4. Acesso à memória de longo prazo. Para manipular e utilizar informação, tem de ter informação para manipular e utilizar. Enquanto está a conversar e, ao mesmo tempo, a procurar um bloco de notas para anotar um número de telefone, tem de se lembrar do que é um bloco de notas, onde guarda os seus blocos de notas, com quem está a conversar e porque é que precisa deste número de telefone. Da mesma forma, ao ler esta publicação, terá de aceder à sua memória de longo prazo para se lembrar do número da Jenny (da famosa canção), das definições das palavras que está a ler e do motivo pelo qual se interessou inicialmente pelo tema da memória de trabalho.

Repare que todos estes componentes funcionam em conjunto. Para definir as suas prioridades de atenção – por exemplo, "Onde é que deixei aquele papel?", ou "Devia ler este blog e ignorar a mensagem de texto que acabei de receber." –  tem de aceder a um contexto mais alargado da sua memória de longo prazo. No entanto, as suas prioridades em termos de atenção poderão alterar-se à medida que recebe novas informações. Enquanto procura o papel, poderá encontrar um recado importante, ou uma fatura vencida, que o levarão a terminar a conversa para se focar nestas prioridades mais urgentes. Da mesma forma, poderá estar determinado a ler este artigo até ao fim, até que um amigo seu irrompa pela sala a gritar "Rápido! Não temos tempo!". 

Embora se fale sobre a memória de trabalho enquanto um fenómeno singular, ela é composta por estes diferentes componentes.

Assim, o facto de a capacidade de memória de trabalho variar de pessoa para pessoa poderá explicar-se através das diferenças entre os subcomponentes envolvidos neste processo. Uma das diferenças que tem sido objeto de atenção crescente é, precisamente, a atenção, sobretudo em crianças com TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade)9.

Porque é que a memória de trabalho é importante?

Conforme referido anteriormente, a memória de trabalho está associada a aspetos fundamentais como a lógica, o raciocínio, a compreensão escrita e o QI. As competências e capacidades que está a usar neste preciso momento para ler e compreender esta publicação dependem da sua capacidade de memória de trabalho. Esta capacidade desempenha um papel crucial nas nossas tarefas diárias e nos nossos processos de aprendizagem. Da memória de trabalho depende a nossa capacidade de aprendermos coisas novas, de dominarmos novas competências e de seguirmos instruções de um modo geral, pelo que é um componente cognitivo de extrema importância.

Versão portuguesa por acordo com The Learning Scientists.

Referências

(1) Daneman, M., & Carpenter, P. A. (1980). «Individual differences in working memory and reading». Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior, 19, 450-466.

(2) Kyllonen, P. C., & Christal, R. E. (1990). «Reasoning ability is (little more than) working memory capacity». Intelligence, 14, 389-433. 

(3) Kyllonen, P. C., & Stephens, D. L. (1990). «Cognitive abilities as the determinants of success in acquiring logic skills». Learning and Individual Differences, 2, 129-160.

(4) Engle, R. W., Tuholski, S. W., Laughlin, J. E., & Conway, A. R. A. (1999). «Working memory, short-term memory, and general fluid intelligence: A latent-variable approach». Journal of Educational Psychology, 104, 976-987.

(5) Gathercole, S. E., Pickering, S. J., Ambridge, B., & Wearing, H. (2004). «Working memory skills and educational attainment: Evidence from National Curriculum assessments at 7 and 14 years of age». Applied Cognitive Psychology, 40, 1-16.

(6) Norman, D. A., & Shallice, T. (1986). «Attention to action: Willed and automatic control of behaviour». In R.J. Davidson, G. E. Schwartz, & D. Shapiro (Eds.), Consciousness and self-regulation. Advances in research and theory (Vol. 4, pp. 1-18). New York: Plenum Press.

(7) Cowan, N. (1988). «Evolving conceptions of memory storage, selective attention, and their mutual constraints within the human information-processing system». Psychological Bulletin, 104 (2), 163-191.

(8) Engle, R. W. (1996). «Working memory and retrieval: An inhibition-resource approach». In J.T.E. Richardson, R.W. Engle, L. Hasher, R. H. Logie, E. R. Stoltfus, & R. T. Zacks (Eds.), Working memory and human cognition (pp. 89-119). New York: Oxford University Press.

(9) Holmes, J., Gathercole, S. E., Place, M., Dunning, D. L. Hilton, K. A., & Elliott, J. G. (2010). «Working memory deficits can be overcome: Impacts of training and medication on working memory in children with ADHD». Applied Cognitive Psychology, A24, 827-836.

AUTOR

Althea Need Kaminske

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Althea Need Kaminske (antes Bauernschmidt) é professora associada na Universidade St Bonaventure. Juntou-se à equipa Learning Scientists em 2018.

Althea é doutorada pela Universidade de Purdue e licenciada em Psicologia e Linguística pela Universidade de Indiana (Força Hoosiers!). Um tema que atravessa toda a sua investigação é a aplicação da psicologia cognitiva na educação. Althea baseia a sua investigação em questões como: Qual é a forma mais eficaz, e realista, de professores e alunos aplicarem a prática da recuperação na sala de aula? Como é que os telemóveis e outros meios afetam a atenção e a memória? Althea é co-autora de Five Teaching and Learning Myths - Debunked (Cinco mitos do ensino e da aprendizagem - desmascarados, numa tradução livre para português) e co-diretora do Centro para a Atenção, Aprendizagem, e Memória da Universidade St. Bonaventure. Quando não está a dar aulas, Althea gosta de cozinhar, fazer caminhadas, e jogar Dungeons and Dragons.

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