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Os professores estão constantemente a advertir os alunos para estarem sossegados e prestarem atenção à aula. No entanto, alguns estudos sugerem que as crianças deveriam fazer algum tipo de atividade física antes de entrarem na sala de aula, e outros propõem que, de tempos a tempos, as crianças deveriam fazer pequenas pausas mentais e circular livremente pela sala durante alguns minutos.

Os ratinhos aprendem melhor a desempenhar uma tarefa específica quando correm mais depressa

Um estudo recente de Catarina Albergaria e colegas, desenvolvido na Fundação Champalimaud e publicado na prestigiada revista científica Nature Neuroscience, concluiu que aprender enquanto se corre pode promover a aprendizagem de algumas tarefas específicas. O estudo foi conduzido em ratinhos e mostrou que quanto mais depressa estes corriam numa passadeira, mais depressa e mais eficazmente aprendiam a associar uma luz a um sopro de ar lançado contra o olho (o denominado condicionamento clássico). Especificamente, aprendiam mais facilmente a fechar o olho assim que a luz acendia, mesmo na ausência do sopro de ar.

Mas significa isto que as crianças deveriam correr pela sala de aula enquanto os professores escrevem equações matemáticas no quadro? Provavelmente não! Ainda assim, a estratégia descrita neste estudo poderá ser útil para determinados tipos de aprendizagem, como a aprendizagem por associação ou a aquisição de competências motoras.

E quanto ao tipo de aprendizagem que se pratica na sala de aula? 

A aprendizagem por associação e a aprendizagem de competências motoras não são o mesmo tipo de aprendizagem que utilizamos para estudar para um exame ou para nos lembrarmos do que comemos ontem ao pequeno almoço. Este último tipo de aprendizagem – denominado declarativo ou explícito – é uma aprendizagem que conseguimos verbalizar e à qual conseguimos aceder de forma consciente sempre que necessário. Ao contrário da aprendizagem de capacidades motoras, que é implícita, não consciente e baseada em automatismos, a aprendizagem declarativa depende em grande parte da atenção.

Desta forma, os alunos devem ouvir e prestar atenção aos professores para aprenderem a matéria e obterem bons resultados nos testes e nos exames. E o que a investigação comportamental nos diz é precisamente que esta aprendizagem é prejudicada quando a atenção tem de ser dividida entre duas tarefas exigentes.

Isto leva-nos de volta à questão de saber se fará sentido os alunos estarem sempre sossegados na sala de aula, conforme habitualmente exigido pelos professores. Esta questão desperta-me particular interesse porque tenho vindo a estudar, especificamente, as implicações de realizar duas tarefas em simultâneo (por exemplo, resolver um exercício complexo de aritmética e caminhar ao mesmo tempo).

É inquestionável que quando nos focamos ou debruçamos sobre determinado tema, aumentamos a probabilidade de o aprender eficazmente. Em contrapartida, quando realizamos várias tarefas em simultâneo, o resultado final será pior do que se as realizássemos em separado, mesmo quando uma das tarefas é puramente motora e automática, como por exemplo, caminhar.

Algumas tarefas cognitivas (como fazer uma série de subtrações, por exemplo) prejudicam o desempenho da marcha. Esta interferência, que se traduz numa diminuição geral da velocidade de marcha, ocorre quando duas atividades utilizam as mesmas redes neurais – tal como sucede neste exemplo, visto que o controlo da velocidade de marcha também envolve sistemas cognitivos de elevada complexidade.

No entanto, tornar a atividade motora relevante para a atividade cognitiva em curso (como por exemplo, saltitar sobre quadrados com números e contá-los ao mesmo tempo), tem um impacto positivo na aprendizagem de crianças em idade pré-escolar. Neste caso específico, não existe interferência entre ambas as tarefas, uma vez que não entram em competição em termos de atenção.

Poderá a atividade física na aula promover a aprendizagem?

É um dado adquirido que o exercício físico faz bem à saúde. Mas além dos benefícios para a saúde comumente conhecidos, o exercício também tem um impacto positivo no cérebro. Há estudos que demonstram que pessoas que praticam exercício físico regularmente têm um hipocampo mais desenvolvido (o hipocampo é a região do cérebro relacionada com a memória declarativa). Está também comprovado que um estilo de vida ativo promove uma maior clareza mental, na medida em que aumenta o fluxo sanguíneo para o cérebro, pelo que a atividade física é fundamental tanto para a aprendizagem, como para a memória.

Com base no pressuposto de que o movimento promove a aprendizagem, têm sido sugeridas novas políticas e métodos de ensino para o primeiro ciclo em que os professores permitem, em certos momentos, que os alunos se desloquem pela sala de aula e façam pequenas pausas mentais, de forma a recentrarem a sua atenção e assim otimizarem a aprendizagem de novos conteúdos. O movimento ajuda a libertar tensões e revigora a mente!

Voltando à questão inicial: quando deverão, então, as crianças estar quietas ou deslocar-se livremente pela sala de aula? Nas palavras de Megan Carey, coordenadora do estudo conduzido em ratinhos na Fundação Champalimaud, em vídeo-entrevista: "Talvez devêssemos permitir que as crianças se movimentem livremente pela sala de aula enquanto estão a aprender, em vez de as forçarmos a estarem quietas. Mas esta questão é ainda muito especulativa", acrescenta.

vários estudos avaliaram a possibilidade de o exercício físico em contexto de aula contribuir para melhorar os resultados escolares. Contudo, ainda não existem evidências concretas, e será necessária mais investigação para que se possam tirar conclusões definitivas. Atualmente, já estão a ser implementados protocolos experimentais nos currículos do primeiro ciclo de vários países, para avaliar, efetivamente, o impacto de diferentes programas de atividade física nos resultados escolares, incluindo atividades físicas no contexto de sala de aula.

Referências

1 Champalimaud Research and Clinical Centre, Champalimaud Centre for the Unknown, Lisboa, Portugal

2 ISPA, Instituto Universitário, Lisboa, Portugal

AUTOR

Raquel Lemos é licenciada e doutorada em Psicologia, na especialidade de Neuropsicologia, pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. É professora auxiliar de Neuropsicologia no ISPA – Instituto Universitário e investigadora na Unidade de Neuropsiquiatria da Fundação Champalimaud. Os seus interesses de investigação englobam a Neuropsicologia e as Neurociências Cognitivas, com destaque para a memória, a reserva cognitiva e o défice cognitivo.

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