Será a ver diagramas, a usar gravações áudio ou com as “mãos-na-massa” que se aprende melhor? Depende isso de cada aluno? Na realidade, ao contrário de uma ideia muito difundida, a ciência não confirma que seja vantajoso adaptar o ensino aos estilos de aprendizagem preferidos pelos alunos. Um estudo muito recente reforça este ceticismo com novos dados.
Numa época em que se discute a individualização do ensino e em que o aumento do ensino online também pode encaminhar os professores para esta reflexão, pode ser tentador adequar as indicações pedagógicas aos estilos preferenciais dos alunos. No entanto, as investigações científicas têm vindo a pedir cautela1 e aconselham o uso de estratégias com eficácia genérica comprovada – como é o caso da prática espaçada ou da recuperação. Isto não significa que muitos alunos não declarem maior propensão para lembrar o conteúdo quando este é apresentado num formato visual; ou que outros afirmem reter mais informação a ouvir ou ainda que outros pareçam precisar de fazer coisas para compreender. Qualquer uma das situações pode ocorrer, e o aluno pode ter as suas preferências. Mas será fantasioso pensar que uns precisem de uma instrução quase unicamente visual ou quase unicamente auditiva.
As ciências cognitivas têm ainda muito a investigar nesta matéria, mas escolher entre uma explicação visual, auditiva, ou outra, parece depender mais das características do tema do que das preferências do aluno. Imagina-se que para entender geometria seja vantajoso usar imagens e, para sentir a poesia seja importante lê-la e ouvi-la.
Estilos para delimitar diferenças na aprendizagem
O termo “estilos” começou a ser utilizado a partir de meados do século XX com a finalidade de delimitar diferenças entre as pessoas. Ao longo dos últimos anos2 já se propuseram cerca de 71 modelos de estilos de aprendizagem. Entre eles, o conhecido modelo de Kolb3 começou por introduzir diferentes estágios de aprendizagem, nomeadamente, as experiências concretas, a observação reflexiva, a conceptualização abstrata e a experimentação ativa. Com o surgimento de vários inventários4,5,6, os defensores da abordagem por estilos, tenderam a considerar três tipos: o visual, o auditivo e o cinestésico – fazendo o que à primeira vista parece ser uma lógica correspondência com as três vias de entrada de informação no cérebro, ou seja, um processamento sensorial por meio de imagem, som e tato7.
O ensino por estilos de aprendizagem preferenciais, conhecido na língua anglo-saxónica por learning styles preferences, está amplamente disseminado8. É possível encontrar várias referências a esta metodologia, especialmente voltada para os alunos ditos auditivos e visuais, sendo praticada desde o jardim de infância até ao ensino universitário9.
Segundo inquéritos recentes, mais de 90% dos professores consideram que os estilos funcionam. E isto acontece quer seja um professor de origem portuguesa, inglesa, holandesa, turca ou chinesa13, 14, 15. Mesmo os professores que poderiam estar mais informados, como os que já frequentaram formação avançada em neurociências cognitivas (domínio científico que mais críticas faz a esta abordagem),16 ou os que foram distinguidos com prémios de educação17, encontram-se equivocados sobre os estilos, o que torna este mito como um dos mais persistentes na educação.
Para a manutenção deste mito certamente contribui também o facto de os professores serem bombardeados pelo sector comercial com os programas VAK (Visual, Auditoty and Kinesthetic) ou VARK (Visual, Aural, Read/write and Kinesthetic) com promessas de eficácia por serem, alegadamente, baseados no funcionamento do cérebro18.
Outro fator que reforçou o ensino por estilos preferenciais foi um estudo que mediu a perceção de alunos universitários sobre a forma como preferem receber a informação21. Rapidamente se extrapolou para a ideia de que as crianças desenvolviam estilos para aprender e assistiu-se ao crescimento do número de instrumentos para perfilar. Um dos instrumentos de medida mais complexos faz a combinação de pelo menos 49 elementos (desde a presença forte à ausência de preferência) estranhando-se a facilidade de identificar apenas um estilo como o predominante22.
Não se comprova a eficácia de adaptar o ensino aos estilos de aprendizagem
Todos somos diferentes e não temos todos os mesmos gostos, seja no desporto, na música ou até mesmo na comida. Logo, parece intuitivamente correto considerar que cada aluno aprende melhor quando é ensinado de acordo com as preferências que declara ou que julga ter.
O que é importante debater é se a aprendizagem através de um ensino que se adapte às preferências de cada um gera um melhor desempenho académico. E, até à data, os estudos que testaram esta hipótese não verificaram uma relação positiva significativa que fundamente esta interação entre a preferência de estilo e a modalidade da instrução mais eficaz10, 11, 12.
O mais recente desses estudos, publicado em fevereiro, revela ainda que 68% dos alunos do 5.º ano de escolaridade nem sequer têm uma clara preferência pelo estilo de aprendizagem1.
As fragilidades dos estudos que reclamam benefícios desta abordagem, estão identificadas em várias revisões da literatura. O que se percebe é que praticamente todos os estudos que apresentam supostas evidências não respeitam os critérios mínimos de validade científica, alguns nem sequer têm um grupo de controlo para comparação8, 11, 20.
Um dos principais problemas surge logo no diagnóstico de estilos de aprendizagem e, posteriormente, na utilidade de alinhamento das instruções a esses mesmos estilos23. O que faz com que a própria triagem de estilos se torne um gasto desnecessário de tempo, de recursos e de esforço por parte dos professores. E seriam precisamente os professores que mais beneficiariam em seguir, em vez de modas ou opiniões, as práticas de instrução que se encontram baseadas em dados sólidos de investigação. E há vários exemplos a seguir, tais como a codificação dual, que combina a informação textual com imagens, ou a prática espaçada e a recuperação, acima faladas.
Esta talvez seja uma das maiores preocupações no campo da educação desde o final do século XX24, isto é, a escassa recomendação de práticas escolares baseadas em factos verificados, em contraste com a difusão de várias sugestões pedagógicas aparentemente sedutoras, mas insuficientemente informadas ou mal avaliadas.
Referências
1 Rogowsky BA, Calhoun BM e Tallal P, «Providing Instruction Based on Students’ Learning Style Preferences Does Not Improve Learning», Frontiers in Psychology, 2020,11:164.
2 Coffield, F., Moseley, D., Hall, E., e Ecclestone, K., «Learning Styles and Pedagogy in Post 16 Learning: A Systematic and Critical Revie», London: Learning and Skills Research Centre, 2004.
3 Kolb, D. A., «Experiential Learning Theory and the Learning Style Inventory: A reply to Freedman and Stumpf», Academy of Management Review 6(2), 1981, pp. 289-296.
4 Kolb, D., «Learning style inventory», Boston: McBer, 1985.
5 Dunn, R., Dunn, K. & Price, G.E., «Learning style inventory», Lawrence, KS: Price Systems, 1984.
6 Honey, P., e Mumford, A., «The manual of learning styles», Maidenhead: Peter Honey, 1992.
7 Pashler, H., McDaniel, M., Rohrer, D., e Bjork, R., «Learning styles: concepts and evidence», Psychological Science in the Public Interest 9, 2009, pp. 105–119.
8 Papadatou-Pastou M, Gritzali M e Barrable A, «The Learning Styles Educational Neuromyth: Lack of Agreement Between Teachers’ Judgments, Self-Assessment, and Students’ Intelligence», Frontiers in Education, 3:105, 2018.
9 Newton, P.M., «The Learning Styles Myth is Thriving in Higher Education», Frontiers in Psychology, 6:1908, 2015.
10 Rogowsky, B. A., Calhoun, B. M., e Tallal, P., «Matching learning style to instructional method: effects on comprehension», Journal of Educational Psychology, 107, 2015, pp. 64–78.
11 Kirschner, P. A., «Stop propagating the learning styles myth», Computers & Education, 106, 2017, pp. 166–171.
12 Willingham, D. T., Hughes, E. M., e Dobolyi, D. G., «The scientific status of learning styles theories», Teaching of Psychology, 42, 2015, pp. 267–271.
13 Howard-Jones, P., «Neuroscience and education: myths and messages», Nature Reviews Neuroscience, 15, 2015, pp. 817–824.
14 Dekker, S., Lee, N. C., Howard-Jones, P., e Jolles, J., «Neuromyths in education: prevalence and predictors of misconceptions among teachers», Frontiers in Psychology, 429, 2012, pp. 1–8.
15 Rato, J.R., Abreu, A.M., & Castro-Caldas, A., «Neuromyths in education: What is fact and what is fiction for Portuguese teachers?», Educational Research, 55(4), 2013, pp. 441–453.
16 MacDonald, K., Germine, L., Anderson, A., Christodoulou, J., e McGrath, L. M., «Dispelling the myth: training in education or neuroscience decreases but does not eliminate beliefs in neuromyths», Frontiers in Psychology, 8, 2017, pp. 1–16.
17 Horvath JC, Donoghue GM, Horton AJ, Lodge JM e Hattie JAC, «On the Irrelevance of Neuromyths to Teacher Effectiveness: Comparing Neuro-Literacy Levels Amongst Award-Winning and Non-award Winning Teachers», Frontiers in Psychology, 9:1666, 2018.
18 Goswami, U., «Neuroscience and education: from research to practice?» Nature Reviews Neuroscience, 7, 2006, pp. 406–413.
19 Rohrer, D., e Pashler, H., «Learning styles: where’s the evidence?», Medical Education, 46, 2012, pp. 634–635.
20 Sharp, J. G., Byrne, J., e Bowker, R., «The trouble with VAK», Educational Futures, 1, 2007, pp. 78–93.
21 Newton, PM. e Miah, M., «Evidence-Based Higher Education - Is the Learning Styles ‘Myth’ Important?», Frontiers in Psychology, 8:444, 2017.
22 Prashnig, B., «Learning styles vs. multiple intelligences (MI): Two concepts for enhancing learning and teaching», Teaching Expertise, vol. 9, Outono de 2005, pp. 8e9.
23 Willingham, D.T., «Do visual, auditory, and kinestheticlearners need visual, auditory, and kinesthetic instruction?», American Educator, 29(2), verão de 2005, pp. 31–35.
24 Davies, P., «What is evidence-based education?», British Journal of Educational Studies, 47, 1999, pp. 108–121.
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