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O autismo e a hiperactividade são duas das situações clínicas que mais preocupam os pais e educadores, também porque o diagnóstico nem sempre é fácil de fazer com rigor. Um grupo de investigadores demonstrou que as duas doenças partilham uma alteração genética quando ambas manifestam também défice de atenção.

O Transtorno do Espectro do Autismo e a Hiperactividade (Défice de Atenção) são dois desafios enormes para os pais, para os educadores e para uma política de integração no sistema educativo. Nem sempre é fácil fazer um diagnóstico rigoroso de qualquer uma destas doenças, e sobretudo importaria que este se fizesse tão cedo quanto possível para melhor planear estratégias de intervenção. Existem critérios clínicos bem definidos para se diagnosticar, mas a verdade é que por vezes esse diagnóstico não é seguro e muitas vezes é realizado fora do tempo útil, além do que nem sempre as medidas de apoio são adequadas. Será, portanto, uma ajuda para essa identificação atempada a descoberta, recentemente divulgada, de que existe uma correlação genética entre as duas situações clínicas.

É sabido que o défice de atenção é comum ao autismo e à hiperactividade, e é hoje possível entender melhor as bases biológicas do autismo através da imagiologia funcional do cérebro, sobretudo com uma técnica que permite visualizar o que se designa por conectoma. Em linhas gerais, pode explicar-se que o conectoma é a aplicação de um algoritmo de causalidade às imagens obtidas por ressonância magnética em situação de repouso. É possível, por este meio, compreender a forma como as diferentes regiões do cérebro estão relacionadas (ou conectadas). Ora, desde há alguns anos, 16 instituições científicas internacionais acordaram em usar a mesma metodologia de recolha de informação da ressonância magnética em casos de patologia neuropsiquiátrica, de forma a construir bases de dados de grande dimensão. A estatística obtida a partir de grandes bases de dados permite muito maior rigor de resultados interpretativos bem como a identificação de subgrupos homogéneos. O grupo de trabalho que se encarregou do estudo sobre o autismo designa-se por Autism Brain Imaging Data Exchange (ABIDE) e reúne hoje informação de mais de um milhar de casos, quer portadores da doença quer indivíduos sem doença que são necessários para as comparações estatísticas (ver a revisão de Mevel & Fransson 2016).

A novidade que importa relatar foi publicada num dos últimos números da revista Nature Neuroscience de 2019 (Satterstrom et al. 2019). Utilizando os dados do ABIDE, que incluem amostras biológicas dos casos, e onde foi possível encontrar uma diferença genética entre os portadores de ambas as perturbações e os indivíduos de controlo, verificou-se que a anomalia genética era comum às duas situações clínicas. Estudos prévios, nomeadamente com gémeos idênticos, já tinham sugerido algumas variantes comuns entre as duas populações, e mesmo o facto de as manifestações das duas situações clínicas aparecerem pela mesma idade e predominantemente em rapazes sugeria já uma proximidade biológica (Martin et al. 2014). Apesar de se encontrarem marcadores genéticos, isso não significa que as doenças sejam hereditárias nem tampouco que a intervenção terapêutica não possa contrariar o que a genética parece querer impor. Hoje considera-se o campo da epigenética – aquilo que permite influenciar o aparente determinismo da genética – como fundamental para contrariar os sintomas das doenças.

Este resultado, porém, não vem ainda apoiar na prática quem precisa de ajuda ou de ajudar, mas estamos mais perto de compreender a biologia destas situações clínicas, o que nos permitirá obter diagnósticos mais precoces e desenhar no futuro estratégias de tratamento. A vantagem de se diagnosticar mais cedo é a possibilidade de controlar melhor a sintomatologia, combatendo o aparente determinismo genético. É sobretudo importante saber que os cientistas estão empenhados em compreender a hiperactividade e o autismo e que a metodologia usada nos estudos é cada vez mais sofisticada, permitindo avanços importantes.

 

O autor escreve segundo o anterior acordo ortográfico.

Referências

Martin, J. et al., «Biological Overlap of Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder and Autism Spectrum Disorder: Evidence From Copy Number Variants», Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 53(7), 2014, pp. 761-770.

Mevel, K., & Fransson, P., «The functional brain connectome of the child and autism spectrum disorders», Acta Pædiatrica, 105 (9), 2016, pp. 1024-1035. ISSN 0803-5253

Satterstrom, F. et al., «Autism spectrum disorder and attention deficit hyperactivity disorder have a similar burden of rare protein-truncating variants», Nature Neuroscience, 22, 2019, pp. 1961-1965. 

AUTOR

Alexandre Castro Caldas

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Alexandre Castro Caldas é o atual Diretor do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa. Foi até Fevereiro de 2004, Professor Catedrático de Neurologia na Faculdade de Medicina de Lisboa e Diretor do Serviço de Neurologia do Hospital de Santa Maria em Lisboa.

Foi, ainda, presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia entre 1989-1992 e presidiu à International Neuropsychological Society entre 2001-2002. É autor de mais de 200 artigos e capítulos científicos e de alguns livros sobre as Ciências do Cérebro.

De entre os prémios recebidos salienta-se o Grande Prémio Bial de Medicina no ano 2000 e o Distinguished Career Award da International Neuropsychological Society em 2009.

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