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Num estudo de 2019, a partir da análise de dados do PISA sobre leitura, os investigadores John Jerrim e Gemma Moss concluíram haver uma relação consistente entre as maiores pontuações obtidas e a leitura frequente de livros de ficção narrativa. O mesmo não se aplica, porém, à leitura de revistas, banda desenhada, livros de não-ficção, ou jornais. Há, por conseguinte, um salutar efeito de ficção que não pode ser descurado, tornando-se premente incentivar os jovens à leitura deste tipo de texto.

A leitura, em particular a leitura dos jovens, é um assunto que está permanentemente na ordem do dia. E é compreensível que assim seja, até porque todos reconhecemos que, numa sociedade de cultura escrita como a nossa, a capacidade de ler é uma habilidade essencial para a realização do indivíduo e para o desenvolvimento do colectivo. Por isso, pais, professores, decisores políticos, enfim, a generalidade dos cidadãos, não deixam de estar atentos ao que possa ser feito para desenvolver nos jovens essa arte de ler, benéfica para o futuro e também para o presente, designadamente, no êxito escolar, como a vivência prática indicia. 

Estudos levados a cabo por diferentes domínios científicos desafiam a uma maior compreensão do campo da leitura e à busca de evidências que orientem sobre como potenciar e retirar desta actividade um maior aproveitamento. A associação entre a frequência de leitura dos jovens e um melhor desempenho escolar tem sido reiteradamente demonstrada na bibliografia académica (atribuindo-se um forte papel à motivação). Contudo, a associação entre a leitura de diferentes tipos de texto e as habilidades de leitura tem sido menos explorada. Neste sentido, torna-se relevante o contributo de John Jerrim e Gemma Moss, que, num artigo de 2019, comparam os resultados do PISA de 2009 sobre leitura e frequências de leitura de diferentes tipos de texto feitas pelos jovens.

Os autores chegam à conclusão de que a leitura de livros de ficção (romances, narrativas, contos) confere aos jovens habilidades de leitura significativamente mais fortes do que a leitura de outros textos.

Vejamos como desenvolveram este estudo quanti-qualitativo. Jerrim e Moss tentaram compreender e comprovar se existe relação entre o desempenho de leitura dos jovens de 15 anos, manifestado nas pontuações do PISA de 2009 sobre leitura, e a frequência com que esses jovens afirmam ler diferentes tipos de texto. Além dos resultados sobre leitura, o PISA traz as respostas a um «Questionário ao aluno». Numa das secções deste questionário, sobre as actividades de leitura, um dos itens contempla a pergunta «Com que frequência lê estes materiais, porque lhe apetece?». Os materiais mencionados são: revistas; banda desenhada; livros de ficção (romances, narrativas, contos); livros de não-ficção; e jornais. A resposta é dada por meio de uma escala Likert de cinco pontos: «1 – Nunca ou quase nunca; 2 – Algumas vezes por ano; 3 – Cerca de uma vez ao mês; 4 – Várias vezes por mês; 5 – Várias vezes por semana». 

Procurando explicações para a virtualidade da leitura de textos de ficção, Jerrim e Moss, com base em estudos anteriores, apontam que tal vantagem reside em factores que se complementam. Um deles é o potencial tempo, pois tais textos carecem de uma atenção continuada, notoriamente mais exigente do que aquela que pressupõe a leitura de um jornal ou de uma revista. Um outro factor decorre de os textos narrativos longos exporem o leitor a novos vocábulos, a construções sintácticas mais elaboradas, requisitando maior capacidade de apreensão e um maior desenvolvimento da capacidade leitora, para conseguir lidar com a complexidade textual. Além disso, o interesse na ficção lida, associado à extensão do texto, incita a uma «leitura profunda», ou seja, a uma reflexão significativa sobre o que se lê, superando a reunião de informações colhidas em textos curtos, o que acaba por promover a capacidade de concentração. Os autores dão também relevo ao facto de que os jovens se envolvem mais emocionalmente ao ler ficções narrativas, pelo que estas se tornam mais atractivas e promovem um «aprimoramento social», favorecendo, inclusive, a partilha de textos lidos nas redes sociais.

Faltava, todavia, comprovar se a leitura de ficção incrementa a habilidade leitora dos jovens. Assim, Jerrim e Moss usaram o banco de dados do PISA de 2009, sobre mais de 250 mil alunos, oriundos de 35 países industrializados da OCDE (Portugal incluído), e exploraram essa associação. Num primeiro momento, tomaram as escolas como amostragem primária, assegurando a proporcionalidade entre a população escolar e os respondentes; num segundo, escolheram aleatoriamente cerca de 30 jovens em cada escola. Alguns participantes do PISA são designados para concluir apenas tarefas de leitura, enquanto outros concluem uma mistura de itens de leitura, matemática e ciências. Com base nas respostas dos jovens às perguntas do teste do PISA e ao referido «Questionário ao aluno», os investigadores elaboraram uma estimativa sobre a capacidade latente de leitura, ciência e matemática, recorrendo ao binómio item-parâmetro. Como apenas uma parte dos estudantes poderia ter respondido ao total das secções do PISA, construíram um complexo formado por cinco valores plausíveis para cada aluno em cada área. Os elementos assim colectados foram as principais co-variáveis do estudo. 

Estabelecendo na pesquisa uma série de controlos (demográficos; frequência ou não de pré-escola e situações de repetência; pontuação da prova de matemática; existência de aulas de reforço e relação do jovem com a escola), os autores do estudo procuraram despistar efeitos relacionados quer com a aquisição prévia da leitura quer com a intervenção dos pais no incentivo à leitura, que, reiteram, não comprometem a inferência sobre a relação entre a leitura volitiva e frequente de textos de ficção e os resultados do PISA. 

Jerrim e Moss detectaram que as pontuações mais altas de leitura no PISA têm relação forte com o tempo total de leitura e com a frequência com que os jovens lêem livros de ficção. Conforme dados da tabela em baixo a leitura deste tipo de texto, se feita «Algumas vezes por ano», tem uma influência positiva nos resultados dos testes PISA de 9%; se feita «Várias vezes por semana», essa influência positiva passa a 26,2% (sendo o erro padrão de 2,5 e de 3,4, respectivamente). Por contraponto, como é verificável na tabela, o vínculo com a leitura de revistas, banda desenhada, livros de não-ficção, e jornais é relativamente fraco.

Há, portanto, um efeito de ficção de importância relevante para o desenvolvimento das habilidades de leitura dos jovens. Esta evidência observa-se em Portugal e em quase todos os demais 34 países da OCDE analisados.

Jerrim e Moss advertem ainda para que sejam tidas em consideração as frágeis probabilidades de leitura de ficção por parte de jovens provindos de contextos socioeconómicos desfavorecidos e recomendam uma maior atenção à leitura volitiva dos jovens, sugerindo que as escolas disponham de um tempo de qualidade para a prática dessa leitura.

 

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico.

Referências

Jerrim, J., e Moss, G., «The link between fiction and teenagers’ reading skills: International evidence from the OECD PISA study», British Educational Research Journal, vol. 45, nº 1, Fevereiro 2019, pp. 181-200.

AUTOR

Violante F. Magalhães

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Violante F. Magalhães, doutorada em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, é equiparada a Professora Coordenadora na Escola Superior de Educação João de Deus, em Lisboa. Tem publicações, em volumes e dispersa, sobre Leitura, Literatura Infanto-Juvenil, Literatura Portuguesa, Didáctica do Português e da Literatura Infantil. É vice-presidente da Associação Portuguesa de Críticos Literários.

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